Prefacio
Durante mais de meio século vivendo em Tiruvannamalai, Bhagavan
Sri Ramana Maharshi foi visitado por uma corrente constante de pessoas vindas
de todas as partes da índia e também do Ocidente, pessoas buscando instrução
espiritual, consolo para seu sofrimento, ou simplesmente a experiência de sua
presença. Durante todos esses anos, apesar de ele ter escrito muito pouco,
alguns registros de suas conversas com os visitantes foram preservados e
posteriormente publicados por seu Ashram. (=comunidade) Estas conversações, em sua
maior parte, foram formatadas em estilo de diário, com poucas divisões de
acordo com o assunto. O propósito do presente livro é construir uma exposição
geral dos ensinamentos do Ramana Maharshi, selecionando e reunindo passagens
extraídas desses diálogos e de seus escritos (publicados como The Collected
Works of Ramana Maharshi por Messrs. Rider & Co., na Inglaterra, e pelo Sri
Ramanasramam na índia). Os comentários do editor [Arthur Osborne] foram
reduzidos ao mínimo e impressos em letra de menor tamanho a fim de diferenciá-los
das próprias palavras do Maharshi.
Nenhuma distinção foi feita entre os momentos em que o Maharshi
fez alguma declaração e os momentos em que nenhuma declaração era necessária,
já que ele não era um filósofo construindo um sistema, mas sim um homem
Realizado falando a partir de seu conhecimento direto. Às vezes acontece de o buscador no caminho espiritual, ou
até mesmo aquele que não começou a buscá-lo conscientemente, ter um vislumbre
de Realização durante o qual, por uma breve eternidade, ele experimenta a
convicção absoluta da realidade de seu Eu divino, imutável e universal. Tal experiência veio para o Maharshi quando ele era um garoto
de dezessete anos. Ele mesmo a descreveu.
Foi mais ou menos seis semanas antes de deixar Madurai
permanentemente que a grande mudança ocorreu na minha vida. Aconteceu
inesperadamente. Eu estava sentado sozinho em uma sala do primeiro andar da
casa de meu tio. Eu raramente adoecia, e naquele dia minha saúde estava normal,
mas repentinamente eu fui tomado por um violento medo de morrer. Nada no meu
estado de saúde explicava isso, e eu não tentei justificar esse medo, nem
procurei suas causas. Eu apenas senti 'Vou morrer' e comecei a pensar o que
fazer a respeito disso. Não pensei em consultar um médico, meus parentes ou
meus amigos; eu senti que precisava resolver o problema por mim mesmo, ali
mesmo.
O choque do medo da morte fez minha mente voltar-se para o
interior, e eu disse a mim mesmo, sem na verdade moldar em palavras: 'Agora a
morte chegou; o que isso significa? O que está morrendo? O corpo morre. Então
imediatamente comecei a dramatizar a ocorrência da morte. Eu deitei com os meus
membros esticados e duros como se estivesse ocorrendo o rigor mortis, e imitei um
cadáver para tornar a inquirição mais realista. Prendi a respiração e mantive
os lábios firmemente fechados a fim de não deixar escapar nenhum som, de
maneira que nem mesmo a palavra "eu" e nem qualquer outra palavra
pudesse ser pronunciada. Então disse a mim mesmo, este
corpo está morto. Ele vai ser carregado duro até a pira
funerária e lá será queimado e reduzido a cinzas. Mas com a morte deste corpo
eu morro? Este corpo é o Eu? Ele está silencioso e inerte, mas eu sinto a força
total de minha existência, e até mesmo a voz do "eu" dentro de mim,
separadas do corpo. Então eu sou o espírito que
transcende o corpo. O corpo morre,
mas o Espírito que o transcende não pode ser tocado pela morte. Isso significa que eu sou o Espírito Imortal'. Isso tudo não foi um pensamento obscuro; foi uma verdade viva
que brilhou através de mim e que percebi diretamente, quase sem o processo do
pensamento. Eu' era algo muito real, a única coisa real no meu
estado presente, e todas as atividades conscientes ligadas ao meu corpo estavam
centradas naquele Eu'. A partir daquele
momento o Eu ou 'Si-mesmo' focou a atenção em si mesmo por meio de uma poderosa
fascinação. O medo da morte desapareceu,
a absorção no Eu Real continuou ininterrupta desde então".
Esta última frase é que é a mais notável, pois em geral
experiências como essas passam rapidamente, apesar de deixarem na mente uma
impressão de certeza que nunca mais é esquecida. Apenas em casos raros essa
experiência se revela permanente, deixando o homem a partir daí em constante
identidade com o Eu Universal. Tal foi o caso do Maharshi.
Logo após essa mudança acontecer, o jovem que posteriormente
seria chamado "Maharshi" deixou o lar como um sadhu. Ele então foi
para Tiruvannamalai, cidade ao pé da montanha sagrada Arunachala, e lá
permaneceu pelo resto de sua vida.
Por alguns meses ele apenas ficou sentado imerso na Divina
Bem-Aventurança, sem falar, comendo raramente, negligenciando completamente o
corpo que ele não mais precisava. No entanto, aos poucos devotos foram se
reunindo ao seu redor e, a fim de ajudá-los, ele voltou a ter uma vida exterior
normal. Muitos deles, ansiando por ensinamentos, lhe traziam livros para que
lesse e comentasse, e assim ele tomou-se erudito quase que por acaso, nem
buscando e nem dando valor à erudição. O antigo
ensinamento da não-dualidade que ele assim estudava apenas formalizava a verdade
que ele já havia realizado. Ele mesmo explica esse incidente:
"Eu não tinha lido nenhum livro além do Periapuranam, da Bíblia e de trechos do Thayumanavar ou Tevaram. Meu conceito de
Ishvara era semelhante ao encontrado nos Puranas; eu nunca tinha ouvido falar
em Brahman, samsara, etc. Eu
ainda não sabia que havia uma essência ou Realidade impessoal que é a base de
tudo, e que Ishvara (=Deus Criador) e eu ambos somos idênticos a
Ela. Posteriormente, em Tiruvannamalai, ouvindo o Ribhu Gita e outras
escrituras, aprendi tudo isso e percebi que os livros analisavam e nomeavam o que eu havia senado intuitivamente sem
análise nem nominação.
Talvez seja necessário falar sobre como Ramana Maharshi
respondia às perguntas. Não havia nada pesado ou sacramentado nas suas
respostas. Ele falava livremente, muitas vezes respondendo com risadas e humor.
Se o questionador não ficava satisfeito com as respostas ele era livre para
fazer objeções ou pedir esclarecimentos. Já foi dito que o Maharshi ensinava no
silêncio, mas isso não significa que ele não dava explicações verbais, mas
apenas que estas não eram o seu ensinamento essencial. Este era experimentado como uma influência silenciosa no
Coração. O poder de sua presença era avassalador e sua beleza era
indescritível, mas, simultaneamente, ele era completamente simples, natural,
despretensioso, desafetado.
Para fins de legenda, o questionador foi referido nos diálogos
deste livro como "D", significando devoto ou discípulo, exceto em
casos em que um nome lhe é dado ou quando, por alguma razão, a palavra
"devoto" não era aplicável. As respostas de Ramana Maharshi foram
indicadas por "B" de Bhagavan, já que ele era comumente interpelado
por este título e na terceira pessoa. Na verdade, "Bhagavan" é uma
palavra geralmente usada com o sentido de "Deus", mas é também usada
naqueles casos raros em que um ser humano se sente completamente, como Cristo o
expressou, "Um com o Pai". É o mesmo com o nome "Buda",
comumente traduzido como o "O Abençoado" ou "O Desperto".
As palavras em Sânscrito foram evitadas ao máximo, a fim de
tornar este livro mais acessível, e também para não dar a impressão errada de
que a busca pela Auto-Realização é algum tipo de ciência complicada, que tem
como pré-requisito um conhecimento da terminologia Sânscrita. É verdade que
existem ciências espirituais que têm uma terminologia técnica própria, mas
estas são mais indiretas. A verdade simples e clara acerca da não-dualidade,
tal como ensinada pelo Bhagavan, bem como o caminho direto da auto-inquirição
que ele indicou, podem ser expressos em linguagem simples; e, de fato, ele
assim o fez quando falava aos ocidentais, que não tinham acesso à
terminologia Sânscrita. Nos raros casos em que um termo
Sânscrito parecia necessário, o seu significado foi indicado entre parênteses,
de forma a não precisar de um glossário. Também
deve ser lembrado que as palavras "Iluminação",
"Libertação" e "Auto-Realização" são todas usadas com o
mesmo sentido, correspondendo às palavras Sânscritas, Jnana, Moksha e Mukti,
respectivamente.
Nos pontos em que a citação original em inglês era ambígua esta
foi alterada. Isso não acarreta nenhuma infidelidade ao texto já que as
respostas eram geralmente dadas em Tamil ou em outra língua do sul da índia, e
apenas posteriormente traduzidas para o inglês. O significado não foi alterado.
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