6º
Capítulo - Outros métodos
Qual é
o melhor método?
B.: Isso depende do temperamento da pessoa. Cada pessoa nasce
com seus samskaras (características ou tendências mentais) inerentes, que
trazem das vidas passadas. O método que é mais fácil para um pode ser mais
difícil para o outro. Não existe uma regra geral, aplicável a todos. Na
passagem abaixo, Bhagavan indica o propósito de todos os métodos, bem como seu
objetivo comum.
B.: Existem vários métodos. Você pode praticar a auto-inquirição
"Quem sou eu?"; ou, se isso não lhe atrair, pode meditar "eu sou
Brahman” ou em algum outro tema; ou também você pode se concentrar em uma
recitação (mantra) ou invocação. O objetivo em qualquer um deles é tomar a
mente unifocada, ou seja, concentrá-la completamente em um só pensamento e
assim excluir todos os outros. Se fizermos isso o pensamento objeto da
concentração também desaparecerá no final, e assim a mente será extinta em sua
Fonte.
O Dr. Masalawala colocou nas mãos de Bhagavan uma carta que tinha
recebido de seu amigo V.K. Ajgaonkar, um homem de aproximadamente 35 anos
(seguidor de Jnaneswar Maharaj), que teria alcançado Jnana (Iluminação) aos 28
anos. A carta dizia: "Você me chama de purna. Quem não é purna neste
mundo?". Bhagavan mostrou sua aprovação e, continuando na linha do que
tinha dito hoje de manhã (15/03/1946), disse: "Primeiro nós limitamos a
nós mesmos e depois buscamos nos tornar ilimitados - como de fato sempre fomos.
Todo o nosso esforço é feito apenas no sentido de abandonar a noção de que
somos seres limitados". A carta continuava: "Ramana Maharshi é um
expoente da doutrina Ajata d o Advaita Vedanta. É claro que é um pouco difícil
de ser compreendido". Sobre isso Bhagavan comentou: "Alguém deve ter-lhe
dito isso. Na verdade eu não ensino apenas a doutrina Ajata – eu aprovo todas
as escolas. A mesma verdade deve ser expressa de diferentes formas para se
adequar à capacidade do ouvinte. A doutrina Ajata diz: Nada existe a não ser a
Realidade única. Não existe nascimento nem morte, nem expansão nem retração,
nem esforço, nem buscador, nem libertação, nem prisão. Existe apenas a unidade,
eternamente. Para aqueles que acham difícil compreender essa verdade e
perguntam:
"Como podemos ignorar esse mundo concreto que nos
rodeia?", a experiência do sonho é apontada e eles são ensinados:
"Tudo depende do observador. Sem o observador não existem objetos nem o mundo.
Isso é chamado de drishti-srishti-vada, ou a explicação de que primeiro a
pessoa cria tudo com a sua mente e depois vê e experimenta o que sua mente
criou. Para aqueles que não conseguem entender nem mesmo isso e que argumentam:
A experiência do sonho é curta e passageira, enquanto que o mundo existe
sempre. A experiência do sonho limita-se a mim, mas o mundo é visto e sentido não
só por mim, mas por todos, e assim não podemos considerar esse mundo como
não-existente", a esses o raciocínio chamado srishti-drishti-vada é
apresentado, ensinando que: Primeiro Deus criou tal e tal coisa e depois essa
outra coisa a partir daquele elemento, e então algo mais, e assim sucessivamente.
A sua mente não fica satisfeita com as outras doutrinas, e eles se perguntam:
"Como pode toda a geografia, todos os mapas, todas as
ciências, estrelas, planetas e leis naturais serem completamente irreais?”Para
esses é melhor dizer: "Sim, Deus criou tudo isso e por isso você vê essas
coisas".
O Dr. Masalawala se insurgiu: "Mas todos esses ensinamentos
não podem ser verdadeiros ao mesmo tempo. Apenas uma doutrina deve ser a
verdadeira". Bhagavan respondeu: "Todos esses pontos de vista existem
apenas para se adequar à capacidade dos diferentes aspirantes. O absoluto só
pode ser um".
No entanto, apesar do Bhagavan aprovar outros caminhos àqueles
que não podiam seguir a autoinquirição (atma vichara), ele disse a este autor:
"Todos os outros métodos servem de introdução à auto-inquirição". Se
algum de seus devotos achasse que algum outro caminho menos direto lhe servisse
melhor, Bhagavan orientava-o neste até que pudesse gradualmente trazê-lo à
autoinquirição. Falando dos inumeráveis caminhos dos diferentes buscadores
Bhagavan disse: "Cada um deve seguir seu próprio caminho, caminho este que
pode servir apenas para ele. Não adianta querer convertê-lo à força para outro
caminho. O Guru vai acompanhar o discípulo no seu próprio caminho, e então irá gradualmente
conduzi-lo ao caminho supremo no momento adequado. Senão seria como querer
frear um carro em alta velocidade e mudar sua direção imediatamente - o
resultado certamente seria desastroso. 2
Os outros métodos não são necessariamente incompatíveis com a
auto-inquirição; alguns deles podem muito bem até combinar-se com ela.
Sat
Sang
A maior de todas as ajudas à Auto-Realização é a presença de um
Ser Realizado. A isso se dá o nome de Sat Sang, que literalmente pode ser
traduzido como "associação com o Ser". Mesmo aqui Bhagavan às vezes
explicava que o verdadeiro "Ser" é o Eu Real, e que portanto nenhum
encontro físico é necessário para constituir Sat Sang. Entretanto, ele
frequentemente falava longamente a respeito dos benefícios dessa proximidade
física.
A associação com Sábios que realizaram a Verdade remove todos os
apegos materiais; em estes apegos sendo removidos, os apegos da mente também
são destruídos. Aqueles cujos apegos da mente são assim destruídos tomam-se um
com Aquilo que é Imutável. Esses alcançam a Libertação mesmo enquanto vivos.
Acalente a associação com tais Sábios. O estado Supremo que é experimentado
aqui e agora como resultado da associação com os Sábios, e realizado através da
profunda prática da auto-inquirição em contato com o Coração, não pode ser
obtido pela ajuda de um Guru nem através do conhecimento das
escrituras, nem por meio do mérito espiritual nem por nenhum outro meio. Se a
associação com os Sábios for obtida, qual é o propósito dos vários métodos de
autodisciplina? Diga-me, qual é a utilidade de um ventilador quando a brisa
fresca do vento sul está soprando? O calor da excitação mental e física é
apaziguado pelos raios da lua; o desejo e a miséria são removidos pela árvore
kalpaka; os pecados são lavados pelas águas sagradas do Ganges. Mas todas essas
aflições são banidas simultaneamente pelo mero darshan (olhar) do Sábio
inigualável.
Nem as águas sagradas da peregrinação nem as imagens dos deuses
feitas de barro e pedra podem ser comparadas ao olhar benigno do Sábio. Esses
meios purificam a pessoa apenas após incontáveis dias de graça, mas o olhar
gracioso do Sábio purifica o buscador no momento em que este o vê. Deve ser
mencionado que esses cinco versos [apresentados nos quatro parágrafos acima]
não foram compostos pelo Bhagavan, mas sim traduzidos do sânscrito por ele, e
incluídos no seu Quarenta Versos Suplementares. A declaração no segundo verso
de que tal graça não pode ser obtida com a ajuda de um Guru utiliza a palavra
"Guru" no sentido mais baixo, no sentido de "professor";
senão ela teria o mesmo sentido de "Sábio", e a comparação seria
inútil.
Controle
da respiração
"Controle da Respiração" pode ter vários significados.
Pode ser a retenção da respiração, a regulação da respiração de acordo com
certo ritmo, ou a mera observação atenta da respiração.
Ramana Maharshi seguidamente autorizava o uso do controle da
respiração, mas normalmente não especificava a forma que ele deveria ter -
talvez pelo fato de que aqueles que lhe pediam autorização em geral já estavam
praticando alguma forma de controle sobre a respiração prescrita por algum
Guru, e apenas queriam saber se deveriam continuar com esta prática ou não. O
Maharshi, apesar de competente para autorizar qualquer prática, não ensinava
nem prescrevia as formas mais técnicas de controle da respiração. Como existem
tratados elaborados sobre os elementos do ashtanga yoga, aqui só o necessário é
explicado. Qualquer um que deseje saber mais a respeito deve ir a um Yogui
experiente e aprender
o método detalhadamente com ele. Quando ele especificava que
tipo de controle da respiração deveria ser praticado ele geralmente recomendava
apenas observar a respiração - que é a forma menos perigosa de praticar se a
pessoa não tem a orientação concreta de um Guru especializado neste tipo de
caminho técnico e mais indireto.
O Sr. Prasad perguntou se não é melhor praticar o método regular
de controle da respiração, que é inspirar, reter e expirar no ritmo 1:4:2.
Bhagavan respondeu: "Todos esses ritmos - às vezes regulados não pela
contagem, mas pela recitação de mantras – são ferramentas para ajudar a controlar
a mente: isso é tudo. Observar atentamente a respiração também é uma forma de controle
da respiração. Reter a respiração é mais violento e pode ser danoso se o
praticante não tem um Guru apropriado para guiá-lo em cada fase da prática; mas
apenas observar a respiração é
mais fácil e não envolve nenhum risco.
O Maharshi tinha o cuidado, ao autorizar o controle da
respiração, de explicar que o seu propósito é ser um passo rumo ao controle da
mente. O princípio que subjaz o sistema do yoga é que a fonte do pensamento é
também a fonte da respiração e da energia vital (prana); portanto se um deles é
efetivamente controlado o outro automaticamente também o é. A mente, a
respiração e as forças vitais têm todos a mesma fonte. A mente é constituída
apenas de uma multidão de pensamentos; e 0 pensamento-"eu" é o
primeiro pensamento da mente, e é em si mesmo o ego. Mas a respiração também se
origina do mesmo lugar de onde o ego surge. Portanto, quando a mente se
aquieta, a respiração e a força vital também se aquietam; e, inversamente, quando
estas se aquietam, a mente também se aquieta.
A respiração e as forças vitais também são descritas como
manifestações grosseiras da mente. Até o momento da morte a mente sustenta e
mantém essas forças no corpo; e quando a vida se extingue a mente as carrega
consigo. Durante o sono, entretanto, as forças vitais continuam a trabalhar, apesar
de a mente não estar manifesta. Isso é assim de acordo com a lei divina, e
tende a proteger o corpo e afastar quaisquer dúvidas quanto a ele estar vivo ou
morto durante o sono. Se não fosse assim os corpos dormindo muitas vezes seriam
cremados vivos. Quando a mente se aquieta durante o estado de vigília e no
samadhi, a respiração também se aquieta. Por esse motivo (de que a mente sustenta
e controla as forças vitais e a respiração, e é, portanto, superior a ambas), a
prática do controle da respiração pode apenas ajudar a acalmar a mente, mas não
pode trazer sua extinção final.
Decorre disso que o controle da respiração, como foi autorizado
por Sri Bhagavan, é necessário apenas àqueles que não conseguem controlar a
mente diretamente.
D.: É necessário controlar a respiração?
B.: O controle da respiração é apenas uma ajuda para mergulhar
no interior. Mas a pessoa também pode mergulhar no interior através do controle
da mente. A mente sendo controlada, a respiração é controlada automaticamente.
Não é preciso praticar o controle da respiração - o controle da mente já é o
suficiente. O controle da respiração só é aconselhado àqueles que não conseguem
controlar sua mente diretamente. Isso implica que Sri Bhagavan não autorizava o
controle da respiração como técnica independente, mas apenas como uma abordagem
possível rumo ao objetivo do controle mental. No entanto, ele alertava que os
efeitos dessa técnica são impermanentes. Para a aquietação da mente não existem
meios mais efetivos e adequados do que a auto-inquirição.
Mesmo que a mente seja apaziguada por outros meios, esse efeito
é passageiro; ela ressurgirá novamente. Por exemplo, a mente é acalmada por
meio de controle da respiração, mas tal quietude dura apenas enquanto o
controle da respiração e das forças vitais é mantido; e, quando este é relaxado,
a mente imediatamente retoma o movimento, se exterioriza, e continua a vagar e
a se agitar devido à força das tendências mentais sutis (vasanas).
Portanto, aqueles que usam o controle da respiração no caminho
ensinado pelo Maharshi também devem saber quando abandoná-lo.
B.: O controle da respiração é uma ajuda para se controlar a
mente, e ele é aconselhado àqueles que sentem que não conseguem controlá-la sem
o auxílio desta ferramenta. Para aqueles que conseguem controlar e concentrar a
sua mente isso é desnecessário. O controle da respiração pode ser usado no
início, até que a pessoa seja capaz de controlar sua mente, e então ele deve
ser abandonado. Outra razão para se tomar cuidado com o uso do controle da
respiração (pranayama) é que ele pode resultar em experiências sutis que podem
distrair o buscador do objetivo verdadeiro. Como será mostrado no próximo
capítulo, o Bhagavan sempre alertava contra o interesse e o desejo por poderes
sobrenaturais e experiências maravilhosas; ele às vezes ligava esse aviso
especificamente ao uso do controle da respiração.
B.: Controlar a respiração também ajuda. É um dos vários métodos
que tem como finalidade ajudarnos a alcançar a mente unifocada (ekagrata). O
controle da respiração pode ajudar a controlar a mente errante e a conquistar
essa unidirecionalidade da mente, e por isso pode ser usado. Mas não se deve
parar por aí. Após alcançar o controle da mente dessa forma, a pessoa não
deveria se acomodar, nem ficar satisfeita com nenhuma experiência que possa
resultar nesse estado, mas sim deve conduzir a mente controlada à pergunta
"Quem sou eu?", até que a mente seja completamente absorvida no Eu
Real.
Asanas
Era comum que os devotos de Bhagavan sentassem de pernas
cruzadas diante dele; mas nenhuma postura yóguica (asana) mais elaborada era
praticada. Como explicado no capítulo anterior, essas posturas são menos
importantes para a prática da auto-inquirição do que para o caminho do yoga. D.:
Inúmeras asanas são ensinadas. Qual delas é a melhor?
B.: A uriidirecionalidade da mente é a melhor postura.
Hathayoga
B.: Os hatha Yoguis alegam que o corpo deve ser mantido forte e
saudável, para que assim a inquirição possa ser realizada sem obstáculos. Eles
também dizem que a vida deve ser prolongada para que a inquirição tenha
sucesso. Além disso, há aqueles que usam várias drogas (kayakalpa) para esta
finalidade. O seu exemplo favorito é que a tela deve estar perfeita antes de se
começar a pintura. Sim, mas o que é a tela e o que é a pintura? Segundo eles o
corpo é a tela e a autoinquirição é a pintura. Mas não é o próprio corpo uma
pintura na tela do Eu?
D.: Mas dizem que o Hatta yoga ajuda muito.
B.: Sim. Mesmo os grandes pânditas bem versados no Vedanta
continuam a praticá-la, pois, de outra forma, sua mente não se aquietará. Então
você pode dizer que é útil para aqueles que não conseguem aquietar a mente por
outros meios.
Olhar
fxamente a luz
D.: Por que não deveríamos adotar outros meios, tal como a
técnica de olhar fixamente para uma luz?
B.: Olhar fixamente para uma luz atordoa a mente e causa
catalepsia da vontade por alguns momentos, mas não produz nenhum benefício
permanente.
Concentração
em sons
Há aqueles que se concentram em ouvir sons - não sons físicos,
mas sim sons de planos mais sutis. O Maharshi não desaprovava essa técnica, mas
aconselhava seus praticantes a agarrar o "eu" e descobrir quem ouve o
som. A concentração obtida é em si boa, mas ela não leva muito longe [a não ser
se direcionada ao "eu" e sua Fonte]. A inquirição também é necessária.
Um senhor Gujarati disse que estava praticando a concentração em sons (nada), e
desejava saber se esse método estava correto.
B.: A meditação sobre nada é um dos vários métodos aprovados. Os
seus adeptos atribuem uma virtude muito especial para ele: de acordo com eles,
essa meditação é o método mais fácil e direto. Assim como uma criança é
calmamente conduzida ao sono pela canção de ninar, assim também nada acalma a
pessoa até o estado de samadhi. Assim como o rei que manda os músicos da corte
dar boas vindas a seu filho que retorna de uma longa viagem, também nada leva o
devoto à morada do Pai de
maneira agradável. Nada auxilia a concentração, mas assim que
esta for obtida, a prática não deve se tornar um fim em si mesma. Nada não é o
objetivo - o sujeito deve ser agarrado firmemente. Senão o resultado será um
mero vazio. Apesar de o sujeito estar presente mesmo no vazio, a pessoa deve
recordar-se de seu próprio ser. Nada Upasana (meditação em sons) é bom; melhor
ainda se associada à auto-inquirição. O que Bhagavan está apontando, aqui, é
que mesmo o vazio interior que é percebido é uma experiência que surge para o
sujeito, o ego ou individualidade, e que o caminho da inquirição é não ser
distraído por nenhuma experiência
Concentração
no coração e no centro entre as sobrancelhas
Concentrar-se no ponto entre as sobrancelhas (ajna chacra) é uma
prática do voga. Bhagavan reconhecia sua eficácia, especialmente quando
combinada com mantras, mas aconselhava que a concentração sobre o coração - no
lado direito do peito - é mais segura e mais eficaz. Uma senhora Maharastra de
meia idade, que tinha estudado o Jnaneswari e o Vichara Sagara, e que praticava
a concentração entre as sobrancelhas, sentia tremores e muito medo, e com isso
não conseguia progredir. Ela buscava orientação. O Maharshi disse: "Não
esqueça o observador. O objeto visto é fixado entre as sobrancelhas, mas aquele
que vê é esquecido. Se você se lembrar sempre do observador, [o sujeito, isto
é, você mesmo], estará tudo bem. Um visitante disse: nos ensinam a
concentrar-nos sobre o ponto na testa entre as sobrancelhas. Isso está certo?
B.: Todo mundo está consciente de que existe. No entanto as
pessoas se esquecem dessa consciência e vão buscar Deus. Qual é a utilidade de
fixar a atenção entre as sobrancelhas? O objetivo de tal conselho é ajudar a
mente a se concentrar. É um método poderoso de controlar a mente e evitar sua
dispersão. A mente é forçosamente dirigida para um só canal, e isso ajuda a concentração.
Mas o método da realização é a investigação "Quem sou eu?". O
problema atual existe para a mente, e só pode ser removido pela mente. (nenhum
fenômeno), mas de sempre retomar a atenção ao "eu" que percebe, até
que este desapareça em sua fonte, que é o Eu não-dual. [N.T.]
D.; Sri Bhagavan fala do Coração como sendo o assento da
Consciência e como idêntico ao Eu Real. O que exatamente a palavra
"Coração" significa?
B.: A pergunta sobre o Coração surge porque você está
interessado em buscar a fonte da Consciência. A investigação do "eu"
e sua natureza exerce irresistível fascínio sobre todas as mentes sagazes.
Chame-o como quiser - Deus, Eu, Coração, assento da Consciência - é tudo a
mesma coisa. O ponto a ser compreendido é este: o Coração é o âmago do ser de
cada um, o centro sem o qual nada existe.
D.: Mas Sri Bhagavan especifica um local determinado para o
Coração no corpo físico: dois dedos à direita do centro do peito. B.: Sim,
segundo o testemunho dos sábios esse é o centro da experiência espiritual. O
centro espiritual - Coração - é completamente diferente do órgão muscular que
bombeia sangue, conhecido pelo mesmo nome. O centro espiritual Coração não é um
órgão do corpo. Tudo o que você pode afirmar a respeito do Coração é que ele é
o âmago do seu Ser, Aquilo a que você na verdade é idêntico (como a palavra em
sânscrito significa literalmente), quer esteja desperto, dormindo ou sonhando,
quer envolvido em atividades ou imerso em samadhi.
D.: Sendo assim, como ele pode estar localizado em alguma parte
do corpo? Determinar um lugar para o Coração implicaria estabelecer limites
fisiológicos Àquilo que se encontra além do tempo e do espaço.
B.: Correto. Mas a pessoa que faz a pergunta sobre a posição do
Coração considera-se existindo com um corpo ou dentro deste. Enquanto faz essa
pergunta agora, você diria que apenas o seu corpo está aqui e que você está
falando de algum outro lugar? Não, você admite a sua existência corpórea. É a
partir desse ponto de vista que se faz referência ao corpo físico. Na verdade a
pura Consciência é indivisível; ela não possui "partes". Ela não tem
forma nem condições, nem "dentro" nem "fora". Para ela não
há esquerda e direita... A Pura Consciência - que é o Coração - a tudo inclui, e
nada existe fora ou separado dela. Essa é a verdade última.
D.: Como devo entender a afirmação de Sri Bhagavan de que a
experiência do centro-Coração acontece em um lugar específico no peito?
B.: A Pura Consciência completamente não relacionada ao corpo
físico e que transcende a mente é uma questão de experiência direta. Os Sábios
conhecem sua existência eterna e além do corpo, assim como as pessoas não
realizadas conhecem sua existência corporal. Mas a experiência da Consciência
pode ser vivida com a percepção do corpo ou sem ela. Na experiência da Pura Consciência
sem a percepção do corpo o Sábio está além do tempo e do espaço, e assim não
surge nenhuma questão sobre a posição do Coração, em absoluto. Como,
entretanto, o corpo físico não pode subsistir (com vida) separado da
Consciência, a consciência corpórea deve ser sustentada pela pura Consciência.
A consciência corpórea é por natureza limitada, e nunca pode equiparar-se com a
pura Consciência, que é Infinita e Eterna. A consciência do
corpo é um mero reflexo em miniatura da pura Consciência com a qual o Sábio
realizou sua identidade, portanto, para ele, a consciência do corpo é como que
apenas um raio refletido da própria Consciência infinita e auto-luminosa que é
ele mesmo. É apenas nesse sentido que o Sábio está consciente de sua existência
corporal.
D.: Para homens como eu, que nem tive a experiência direta do
Coração e nem a lembrança disso, esse ponto parece ser de difícil compreensão.
Talvez nós dependamos de alguma conjectura ou adivinhação para poder determinar
a posição do Coração.
B.: Se a determinação da posição do coração dependesse, mesmo no
caso de homens não realizados, de alguma conjectura, então certamente não seria
algo que valesse a pena considerar. Não, você não depende de nenhuma conjectura
ou adivinhação, mas apenas de sua intuição infalível.
D.: Quem tem essa intuição?
B.: Todos.
D.: Então Bhagavan está dizendo que eu tenho um conhecimento
intuitivo do Coração?
B.: Não, não do Coração em si, mas sim da posição deste em
relação à sua identidade.
D.: Sri Bhagavan diz que eu conheço intuitivamente a posição do
Coração no corpo físico?
B.: Por que não?
D.: (Apontando para si mesmo) O Bhagavan está se referindo a mim
mesmo?
B.: Sim, Essa é a intuição! Como você se referiu a si mesmo com
um gesto neste momento? Você não colocou o dedo no lado direito do peito? É
exatamente ai o local do centro-Coração.
D.: Então, na ausência do conhecimento direto do centro-Coração,
tenho que depender dessa intuição?
B.: Qual é o problema? Quando um garoto afirma, "Fui eu que
fiz a soma corretamente", ou quando ele pergunta a você, "Quer que eu
vá correndo pegar o livro para você?", ele aponta para a cabeça que
acertou a conta ou para as pernas que vão correr até o livro? Não, em ambos os
casos ele aponta seu dedo naturalmente para o lado direito do peito, assim
expressando inocentemente a profunda verdade de que a fonte do sentimento
"eu" nele encontra-se ali. É uma intuição infalível que o faz
referir-se a si mesmo, ao Coração que é o Eu Real, dessa maneira. O ato é
inteiramente involuntário e universal, isto é, é o mesmo para todos os indivíduos.
Que prova mais segura que essa
você espera obter quanto à posição do Coração no corpo físico?
D.: Mas a questão é a seguinte: qual é a visão correta: (1) a de
que o centro da experiência espiritual
é o ponto entre as sobrancelhas, ou (2) que é o Coração?
B.: Para fins de prática você pode se concentrar no ponto entre
as sobrancelhas se desejar; isso então seria bhavana, ou contemplação
imaginativa da mente. No entanto, o estado supremo de anubhava ou Realização -
com o qual você se torna completamente identificado e sua individualidade é
inteiramente dissolvida - transcende a mente. Então não pode existir nenhum
centro objetivo a ser experimentado por você, como sujeito distinto e separado
daquele.
D.: Gostaria de colocar minha pergunta de forma diferente: pode
o ponto entre as sobrancelhas ser o assento do Eu Real?
B.: Você concorda que o Eu Real é a fonte última da Consciência
e que ele subsiste igualmente durante os três estados da mente. Mas veja o que
acontece quando uma pessoa em meditação é tomada pelo sono: sua cabeça começa a
balançar ou pender para frente. Isso não poderia acontecer se o Eu Real
estivesse situado entre as sobrancelhas, pois isso implicaria que o Eu às vezes
abandona o seu assento, o que é absurdo. O fato é que o sadhaka (buscador) pode
ter sua experiência em qualquer centro ou chakra sobre o qual concentre sua
mente, sem que isso signifique que aquele centro é o assento do Eu...
D.: Já que o Bhagavan diz que o Eu Real pode funcionar em
qualquer centro ou chakra, enquanto que seu assento é no Coração, não é
possível que por meio da prática intensiva de concentração (dhyana) sobre o
ponto entre as sobrancelhas este venha a se tornar o assento do Eu?
B.: Enquanto for apenas um estágio da prática da concentração -
com o objetivo de manter toda a atenção num só ponto – qualquer consideração
sobre o assento do Eu Real será apenas teorização. Você se considera o sujeito,
o observador, e o ponto no qual você fixa a sua atenção se torna o objeto
visto. Isto é apenas bhavana. Quando, ao contrário, você vê o próprio
observador, você
mergulha no Eu Real e torna-se um com ele - isso é o Coração.
D.: Então, é aconselhável praticar a concentração sobre o ponto
entre as sobrancelhas? B.: O resultado da prática de qualquer tipo de dhyana
(meditação) é que o objeto no qual o aspirante fixa sua atenção cessa de
existir de forma distinta e separada dele mesmo, o sujeito. O sujeito e o objeto
se tornam o Eu Real, e isso é o Coração. A prática de se concentrar no centro
entre as sobrancelhas é um dos métodos de treinamento, e com ele os pensamentos
são efetivamente controlados temporariamente. O motivo disso é que todo
pensamento é uma atividade exterior da mente; e o pensamento primeiramente
segue a visão, física e mental. É importante, entretanto, que essa prática de
fixar a atenção no ponto entre as sobrancelhas (ajna chakra) seja acompanhada
de recitação de mantras. Isso porque depois do olho da mente o mais importante
é o ouvido da mente
(ou seja, a "fala interior", mental), que pode ajudar
a controlá-la - e assim fortalecê-la - ou distraíla - e assim dissipar sua
energia. Portanto, enquanto você fixa o olho da mente em um centro, por exemplo,
o centro entre as sobrancelhas, você também deveria praticar a repetição mental
de um Nome Divino ou mantra. Senão você rapidamente perderá o objeto de
concentração. Esse tipo de prática o leva a identificar o Nome, Verbo, ou Eu -
como quer que você o chame - com o centro escolhido para a meditação. A Pura
Consciência, Eu Real ou Coração, é a Realização final.
O Sahasrara
Os caminhos tântricos ensinam o desdobramento gradua da
kundalini, ou corrente espiritual do homem. A medida que ela se desdobra e sobe
pela coluna ela desperta uma série de chakras (centros espirituais do corpo), e
cada um deles confere certos poderes e percepções, ate culminar no Sahasrara, o
lótus de mil pétalas situado no cérebro ou no topo da cabeça. Quando perguntado
a respeito, Bhagavan respondia que, qualquer que seja a experiência obtida, o
assento final do Eu Real, e por tanto da Realização, é o Coração.
D.: Por que Bhagavan não nos orienta a praticar a concentração
em algum chakra (centro) em particular?
B.: Os Yoga Sastras dizem que o Sahashara, ou cérebro, é o
assento do Eu. O Purusha Sukta declara o Coração como sendo seu assento. A fim
de afastar qualquer possível dúvida do aspirante, eu lhe digo para pegar o
rastro ou a pista do sentimento "eu" e segui-la até sua Fonte. Isso
porque, em primeiro lugar, é impossível qualquer pessoa ter alguma dúvida a
respeito dessa noção "eu"; em segundo lugar, qualquer que seja o meio
adotado, o objetivo final é a Realização da Fonte do sentimento "eu
sou", que é o ponto de partida de toda sua experiência. Portanto, se você
praticar a auto-inquirição você alcançará o Coração, que é o Eu Real.
D.: O Jivanadi (o nervo sutil da coluna) realmente existe ou é
apenas uma invenção da imaginação?
B.: Os Yoguis dizem que existe um nadi chamado jivanadi,
atmanadi o u paranadi. Os Upanishads falam de um centro de onde mil nadis se
ramificam. Alguns localizam esse centro no cérebro, e outros em outros pontos.
O Garbhopanishad descreve a formação do feto e seu desenvolvimento no útero.
Ele considera que o ego "entra" na criança através da moleira, no
sétimo mês de gravidez.
Como prova disso assinala-se que a moleira do bebê é mole e que
também parece pulsar. Demora alguns meses para ela ossificar. Assim o ego vem
de cima, entra pela moleira e trabalha através dos milhares de nadis que estão
espalhados no corpo inteiro. Por isso o buscador da verdade deve se concentrar
no Sahasrara, ou seja, o cérebro, a fim de retomar sua fonte. O controle da
respiração também ajuda o Yogui a despertar o poder Kundalini, que está
dormente no plexo solar. O Shakti sobe através de um nervo chamado sushumna,
que está embutido no centro da medula espinhal e que se estende até o cérebro.
A concentração no Sahasrara sem dúvida resultará em êxtase ou
samadhi. No entanto, as vasanas - ou seja, as tendências mentais – não são com
isso destruídas. Assim o Yogui deverá sair do samadhi, pois a libertação
completa ainda não foi alcançada. Ele ainda deve se esforçar para erradicar as vasanas
para que com isso as tendências latentes que ainda lhe são inerentes não mais
perturbem a
paz de seu samadhi. Então ele desce do Sahasrara até o coração
através do canal jivanadi, que é uma continuação do sushumna. O sushumna,
assim, é uma curva. Ele começa no plexo solar, sobe através da medula espinhal
até o cérebro, e de lá ele faz uma volta e termina no coração. Quando o Yogui
alcança o coração o samadhi se torna permanente. Vemos, assim, que o coração é
o centro
final. Alguns Upanishads também falam de cento e um nadis que
surgem do coração, espalhando-se por todo o corpo, sendo um deles sendo o nadi
vital. Se o ego vem de cima e é refletido no cérebro, como dizem os Yoguis,
isso implica a existência de uma superfície refletora. Isso então limitaria a Consciência
Infinita às fronteiras do corpo - ou seja, o Ser Universal estaria limitado na
forma de um ego. Tal meio refletor é ocupado por um agregado de vasanas do
indivíduo. Ele age como a água em um pote, refletindo um objeto. Se a água é
retirada do pote o fenômeno da reflexão não ocorre; o objeto vai permanecer sem
reflexo. Aqui o objeto é o Ser-Consciência (Sat-Chit) universal, que a tudo
permeia e é imanente em todas as coisas. Ele não necessita ser conhecido apenas
por meio do reflexo. Ele brilha por si mesmo. Portanto, a meta do buscador deve
ser retirar as vasanas do coração, assim não deixando nenhum meio refletor
obstruir a luz da Consciência Eterna. A maneira de fazer isso é buscar a origem
do ego e mergulhar no coração. Esse é o caminho direto para a Auto-Realização.
Quem o adota não precisa se preocupar com os nadis, sahasrara, sushumna, kundalini,
controle da respiração e os seis centros dos Yoguis.
O Eu Real não vem de lugar algum, e nem entra no corpo pelo topo
da cabeça. Ele é como é: imutável, imóvel, sempre estável e brilhando
eternamente. As mudanças percebidas não são inerentes ao Eu, pois o Eu mora no
coração e é auto-luminoso como o sol. As mudanças são vistas a partir da Sua
luz. A relação entre o Eu Real e o corpo ou mente pode ser comparada com a
relação entre um cristal puro e seu ambiente. Se o cristal é colocado em cima
de uma flor vermelha ele brilha vermelho, se em cima de uma flor verde brilha
verde, e assim por diante. O indivíduo se confina aos limites do corpo e da
mente transitórios, sendo que estes derivam sua própria existência do Eu Real,
que é imutável. Tudo o que é necessário é abandonar essa identificação errônea.
Uma vez que isso for feito o Eu eternamente luminoso será visto como a
Realidade única, não-dual.
Silencio
Em geral, o Maharshi não aprovava os votos de silêncio. Se a
mente for controlada as palavras inúteis serão naturalmente evitadas; mas a
renúncia da fala por si só não aquietará a mente. O efeito não pode produzir a
causa.
D.; Não é útil fazer um voto de silêncio?
B.: Um voto é apenas um voto. Ele pode ajudar a meditação até
certo ponto; mas qual é a utilidade de meramente manter a boca fechada se você
permite à sua mente mover-se desenfreadamente? Por outro lado, se a mente está
envolvida na meditação qual a necessidade da fala? Nada é tão bom quanto a
própria meditação. Qual é a utilidade de um voto de silêncio se a pessoa está
absorta na atividade [mental]?
Alimentação
Apesar de geralmente dar pouca importância às ajudas físicas
para a meditação, Ramana Maharshi insistia nas vantagens de se manter uma
alimentação puramente sattvica - ou seja, de não comer carnes nem alimentos
estimuladores (como cebola, alho, pimenta, etc). A regulação da alimentação,
restringindo-a a alimentos sattivicos tomados com moderação, é a melhor das
regras de conduta, e é o que mais ajuda o desenvolvimento das qualidades
sattvicas (puras) da mente. E uma mente sattvica ajuda na prática da
auto-inquirição. O seguinte é a conclusão de Self-enquiry, o primeiro livro que
ele escreveu. Todos nós somos capazes de adotar uma alimentação simples e
nutritiva e, com constante e intenso
esforço, erradicar o ego - a fonte de toda miséria -, abandonando
toda a atividade mental nascida do ego.
Podem os pensamentos obsessivos surgir sem o ego? E pode haver
ilusão sem esses pensamentos? Ele também confirmava isso quando indagado pelos
seus devotos.
D.: O que ajuda a (1) concentração e (2) a superação das
distrações? B.: Fisicamente, o sistema digestivo e demais órgãos devem estar
livres de irritação. Para isso a alimentação deve ser regulada em qualidade e
quantidade. Deve-se ingerir alimentos não estimulantes, evitando a pimenta, a cebola,
o alho, o vinho, o ópio, o excesso de sal, etc. Evite a constipação e o
entorpecimento, e todos os alimentos que os induzem. Mentalmente, tenha
interesse em apenas uma coisa e fixe sua mente nisso. Deixe esse interesse
absorvê-lo completamente excluindo todo o resto. Isso é desapego (vairagya) e
concentração.
Sra. Piggot: Qual é a alimentação adequada para a pessoa
envolvida com a prática espiritual?
B.: Alimentos sattvicos em quantidade moderada.
Sra. Piggot: Que tipo de comida é sattvica?
B.: Pão, frutas, vegetais, leite e derivados, etc.
Sra. Piggot: Algumas pessoas no norte [da índia] comem peixe.
Isso é permitido?
Bhagavan não respondeu essa pergunta. Ele sempre evitava
criticar os outros, e essa pergunta convidava-o a fazê-lo ou a se contradizer.
Sra. Piggot: Nós europeus estamos acostumados a certo tipo de
alimentação, e uma mudança radical
pode afetar a saúde e enfraquecer a mente. Não é necessário
cuidar da saúde física?
B.: Sim, muito necessário. Quanto mais fraco estiver o corpo
mais forte se torna a mente.
Sra. Piggot: Na ausência de nossa alimentação usual nossa saúde
sofre e a mente perde força. Será percebido que Bhagavan e a Sra. Piggot
estavam usando o termo "força da mente" com significados diferentes.
Por "forte" Bhagavan queria dizer "incontrolável,
desenfreada", enquanto que a Sra. Piggot queria dizer
"poderosa". Por isso Bhagavan fez a seguinte pergunta, para que ela pudesse
expressar seu ponto de vista.
B.: O que você quer dizer por "força da mente"?
Sra. Piggot: O poder de eliminar o apego mundano.
B.: O tipo de comida influencia a mente. A mente se alimenta a
partir da comida ingerida. Sra. Piggot: De fato! Como os europeus podem se
acostumar à alimentação sattvica?
B.: (Voltando-se para o Sr. Evans-Wentz) Você anda vivendo e
qcomendo aqui. A nossa comida lhe traz algum inconveniente?
E.W.: Não, pois me habituei com ela.
B.: O hábito é apenas uma adequação ao ambiente. O que importa é
a mente. A verdade é que a mente foi treinada para achar certos alimentos bons
e apetitosos. A mesma nutrição e energia pode ser obtida na alimentação
vegetariana e na não vegetariana – é apenas a mente que deseja um certo tipo de
comida, com o qual está acostumada e que considera saborosa. Sra. Piggot: Essas
restrições são aplicáveis ao ser realizado também?
B.: Não. Ele está estabilizado, e não é afetado pela comida que
ingere. Era algo bem característico do Bhagavan que, ainda que ele respondesse
firmemente sobre a alimentação quando perguntado, ele nunca aconselhava a
alimentação vegetariana para ninguém que não lhe perguntasse a respeito. Também
acontecia que, devido à sua influência silenciosa, alguém que nem mesmo
perguntava a respeito começava gradualmente a sentir aversão às carnes e uma
inclinação de mudar sua alimentação para uma mais pura.
Como Bhagavan desaprovava rodos os extremos, também desaprovava
o jejum.
D.: Pode o jejum ajudar no caminho rumo à Realização?
B.: Sim, mas é apenas uma ajuda temporária. A verdadeira ajuda é
o jejum mental. O jejum não é um fim em si mesmo; o desenvolvimento espiritual
deve ser concomitante. O jejum total também enfraquece a mente e lhe deixa sem
a força necessária para a busca espiritual. Portanto, o melhor é comer
moderadamente e prosseguir a busca.
D.: Dizem que dez dias depois de se quebrar um jejum de trinta
dias a mente se torna pura e estável e permanece sempre assim.
B.: Sim, mas apenas se a busca espiritual for corretamente
mantida durante todo o jejum.
Celibato
Não resta muito a se dizer sobre o celibato, já que ele foi
comentado no capítulo três. É normal na índia que todos aqueles que não
renunciam o mundo para se tornarem sadhus se casem. Bhagavan sempre insistia
que o verdadeiro brahmacharya é viver constante em Brahman. Ele não encorajava
a adoção formal do manto amarelo-laranja (o sannyasa exterior). Ele nem
prescrevia nem desencorajava a castidade; ocasionalmente ele demonstrava
interesse em nascimentos e casamentos entre seus devotos, bem como por aqueles
que espontaneamente renunciavam o desejo sexual.
Devoção
Chegamos agora ao bhakti marga, o caminho do amor e da devoção,
da adoração e da entrega. Esse é normalmente considerado a antítese da
auto-inquirição, já que é um caminho baseado na presunção da dualidade
adorador-adorado, amante-amado, pai-filho, enquanto que a auto-inquirição
pressupõe a não-dualidade. Por isso os teóricos podem acabar presumindo que se
um desses está baseado na verdade o outro deve estar baseado no erro, e, assim,
expondo um caminho eles frequentemente condenam o outro. Bhagavan não apenas
reconhecia a validade desses dois caminhos como também guiava seus seguidores
nos dois. Ele frequentemente dizia: existem dois caminhos: ou investigue “Quem
sou eu?' ou se entregue." Muitos de seus seguidores tomaram esta segunda
via.
D.: O que é a entrega incondicional?
B.: Se a pessoa se entregar completamente, não sobrará ninguém
para fazer perguntas ou para ser levado em consideração. Ou os pensamentos são
eliminados agarrando-se o pensamento raiz, o "eu", ou a pessoa se
entrega incondicionalmente ao Poder Maior. Esses dois são os únicos caminhos
rumo à Realização. A auto-inquirição, buscando a fonte do ego, descobre-o
inexistente - e assim, "elimina-o"; já a devoção o abandona por meio
da entrega. Assim, ambos levam ao estado livre de ego, que é tudo o que se
busca.
B.: Há apenas duas maneiras de conquistar o destino (karma) ou
ser independente dele. Uma é investigar quem está submetido a esse destino, e
assim descobrir que é apenas o ego que está preso a ele, e não o Eu Real, e que
o ego é não-existente. A outra forma é matar o ego através da entrega absoluta
a Deus, compreendendo sua própria impotência, dizendo constantemente: "Não
eu, mas Vós, Oh meu Senhor!", assim renunciando todo sentimento de
"eu" e "meu", e deixando que Deus faça o que quiser com
você. Enquanto o devoto desejar isso ou aquilo de Deus, a entrega não será completa.
A verdadeira entrega é amar a Deus pelo próprio amor, e não a fim de ganhar
alguma coisa, nem mesmo a salvação. Em outras palavras, para conquistar o
destino é necessário apagar o ego completamente, quer você faça isso por meio
da auto-inquirição ou por meio do caminho da devoção (bhakti-marga).
B.: A centelha do conhecimento espiritual (Jnana) consumirá toda
a criação como se fosse um castelo de palha. Como todos os inumeráveis mundos
são construídos sobre as bases fracas e irreais do ego, eles todos se
desintegram completamente quando a bomba atômica de Jnana cai sobre eles. Tudo
o que se fala sobre a entrega é como roubar açúcar de uma imagem de açúcar de
Ganesha e depois oferecê-lo ao mesmo Ganesha. Você diz que oferece seu corpo e
alma e todas as suas posses a Deus - mas eles são seus para você poder
oferecer? No máximo você pode dizer: "Eu erroneamente imaginei até agora
que essas coisas, que na verdade são Vossas, eram minhas. Agora percebo que
elas pertencem a Vós, e não mais agirei como se minhas fossem". E esse
conhecimento
de que não existe nada além de Deus (Brahman) ou Eu Real
(Atman), de que "eu" e "meu" são meras ficções, e que
apenas o Eu Real existe, é Jnana. Ele com frequência explicava, entretanto, que
a verdadeira devoção é a devoção ao Eu Real, e portanto ela se equivale à
auto-inquirição.
B.: Basta que você se entregue. A entrega é abandonar-se à Fonte
do seu ser. Não se iluda pensando que essa Fonte é algum Deus fora de você. A
Fonte está dentro. Entregue-se a ela. Isso significa que você deve buscar a
Fonte e mergulhar nela. Como você se imagina fora dela você pergunta; "Onde
está a fonte?" Alguns sustentam que assim como o açúcar não pode provar de
sua própria doçura –pois deve existir alguém para prová-la e desfrutá-la -,
também um indivíduo não pode ao mesmo tempo ser o Supremo e ainda desfrutar da
Beatitude desse Estado; portanto a individualidade deveria ser mantida separada
de Deus, para que assim o gozo dessa Bem-Aventurança seja possível. Mas por
acaso Deus é como o açúcar, desprovido de consciência? É possível entregar-se e
ainda assim reter sua individualidade para o deleite divino? Além disso, essas pessoas
também dizem que a alma, ao alcançar a região divina e permanecer lá, serve o
Ser Supremo. Por acaso o som da palavra "serviço" engana o Senhor?
Por acaso Ele não conhece? Ele está esperando o serviço das pessoas? Não iria
Ele, sendo Pura Consciência, em resposta perguntar: "Quem é você que
pretende Me servir senão Eu mesmo? Se, por outro lado, você mergulhar no Eu
Real, não restará nenhuma individualidade - você se tornará a própria Fonte. E
então o que é a entrega? Quem se entregaria, e para quem? Isso é devoção,
auto-inquirição, e sabedoria. É possível encontrar isso também entre os
Vaishnavitas; segundo as palavras do Santo Nammalwar: "Eu estava em um
labirinto, apegado a "eu" e "meu"; eu vagava sem conhecer a
mim mesmo. Ao conhecer a mim mesmo compreendi que eu mesmo sou Vós, e que o
"meu" (isto é, minhas posses) é apenas Vosso." Assim, você vê
que devoção nada mais é do que
conhecer a si mesmo. A escola do monismo qualificado também
admite isso; no entanto, apegados à sua doutrina tradicional, eles insistem em
afirmar que os indivíduos são parte do Supremo - como se fossem seus membros. A
sua doutrina tradicional também diz que a alma deve ser purificada, e depois
entregue ao Supremo; então o ego é perdido e a pessoa vá para o reino de Vishnu
após a morte, e então lá, finalmente, haveria o deleite da união com o Supremo
(ou Infinito). Dizer que a pessoa está separada da fonte original já é
pretensioso; dizer ainda que uma vez que a alma se livra do ego ela se torna
pura mas ainda retém sua individualidade para desfrutar da união com Deus ou para
servi-lo, é um artifício enganoso. A heresia é dupla - primeiro apropriar-se do
que de fato é Dele, e depois pretender experienciá-lo ou servi-lo! Por acaso
Ele não conhece tudo isso?"
Como você pretende me servir se você não é nada além de Mim
mesmo", seria outra forma de traduzir essa passagem. A ideia é que apenas
Deus, ou Eu Real, é- sendo assim, nada existe que não seja Ele, e portanto a
ideia de "serviço" implica em uma falsa noção de dualidade, e
pertence ao ego. [N.T.] É evidente que a entrega incondicional e completa que
Bhagavan exigia não é fácil.
B.: A entrega não é fácil. Toda vez que você tenta entregar-se o
ego tenta impedi-lo, e assim você deve afastá-lo. Matar o ego não é fácil. A
entrega completa só pode ser alcançada quando o próprio Deus, por meio de Sua
Graça, puxa a mente do devoto para o interior.
Dr. Syed: A entrega total ou completa não implica que mesmo o
desejo pela libertação deveria ser abandonado?
B.: A entrega completa implica que você não tenha nenhum desejo
próprio, que apenas a vontade de Deus é a sua vontade, que você não tem vontade
própria.
Dr. Syed: Agora que estou esclarecido quanto a esse ponto,
gostaria de saber: quais são os passos por meio dos quais eu posso atingir a
entrega?
B.: Há dois caminhos. Um é buscar a fonte do "eu" e
mergulhar nessa Fonte; o outro é sentir "eu sou impotente sozinho; apenas
Deus é todo-poderoso, e a única maneira de estar seguro é me atirando completamente
Nele", assim desenvolvendo gradualmente a convicção de que apenas Deus
existe, e de que o ego é irrelevante. Ambos os métodos levam ao mesmo objetivo.
A entrega completa é
apenas outro nome para Jnana ou Libertação. Entretanto, a pessoa
pode começar com uma entrega parcial, e gradualmente ir se entregando mais e
mais completamente.
D.: Para mim a entrega é impossível.
B.: A entrega total é impossível no início, mas a entrega
parcial certamente é possível para todos. Com o tempo ela o levará à entrega
completa. Os dualistas podem argumentar, entretanto, que o caminho devocional
aprovado por Bhagavan não é o que eles tinham em mente, já que o caminho deles
pressupõe uma dualidade permanente entre Deus e o devoto. Em tais casos, assim
como na última frase do diálogo baixo, o Bhagavan elevava a discussão acima da
teoria, propondo que eles primeiro alcançassem a entrega total a um Deus "separado"
- do qual eles falavam - e depois verificassem se ainda lhes resta qualquer
dúvida.
B.: O estado que nós chamamos de Realização é o estado de
simplesmente ser o que se é, sem saber de nada nem tornar-se nada. Se a pessoa
alcançou a Iluminação, então ela é AQUILO que é a única coisa que existe e a
única coisa que sempre existiu. Ela não pode descrever esse estado. Ela pode apenas
ser AQUILO. É claro que nós falamos livremente de "Auto-Realização",
por falta de um termo mais apropriado - mas como alguém pode realizar, ou seja,
"tornar real", aquilo que é a única coisa Real? O que nós estamos
fazendo é "realizando", ou tomando como real, aquilo que é irreal.
Esse hábito deve ser abandonado. Todo o esforço espiritual,
prescrito por todos os sistemas, é orientado apenas para esse fim. Quando nós
desistirmos de considerar o irreal como real, apenas a Realidade permanecerá e
nós seremos AQUILO.
Swami: Essa exposição está correta dentro da estrutura da
doutrina da não-dualidade, mas existem outras escolas que não enfatizam a
necessidade do desaparecimento da tríade
conhecedorconhecimento-conhecido como condição para a
Auto-Realização. Há escolas que acreditam na existência de duas ou até três
entidades eternas. O bhakta (devoto), por exemplo - para que ele possa adorar
deve haver um Deus [separado dele].
13.: Quem critica o fato de ele ter um Deus separado? Enquanto
ele precisa disso para sua devoção, está bem. Através da devoção ele se
desenvolve até o ponto em que começa a sentir que apenas Deus existe, e que ele
mesmo não conta. Ele chega num nível em que diz: "Não eu, mas Vós; não a minha
vontade, mas a Vossa". Quando esse nível - que no caminho de bhakti é
chamado de entrega completa - for alcançado, o devoto percebe que a anulação do
ego é a conquista do Eu Real. Nós não precisamos discutir se há duas entidades
eternas ou apenas uma. Mesmo de acordo com os dualistas e com bhakti marga a
entrega total é necessária. Faça isso primeiro e depois veja por si mesmo se existe
apenas o Eu único ou se há dois ou mais.
[Bhagavan depois acrescentou:] Independente do que seja dito
para se adequar às diferentes capacidades dos diferentes homens, a verdade é
que o estado de Auto-Realização está além da tríade
conhecedor-conhecimento-conhecido. O Eu é apenas o Eu - isso é tudo o que se
pode dizer a respeito. Swami: Pode um Jnani reter seu corpo após alcançar a
Auto-Realização? Dizem que o impacto da
iluminação é tão forte que o corpo físico não pode suportá-lo
por mais de vinte e um dias.
B.: O que você acha que é o Jnani? Ele é o corpo ou é outra
coisa além dele? Se ele está além do corpo, como poderia ser afetado por ele?
Os livros falam de diferentes tipos de Libertação: videhamukti (sem o corpo)
jivanmukti (com o corpo). Pode haver diferentes níveis no caminho, mas não
existem níveis de Libertação.
Às vezes perguntavam ao Bhagavan como o caminho do amor e do
conhecimento podem ser idênticos se o amor postula a dualidade.
D.: O amor postula a dualidade. Como pode o Eu Real ser objeto
de amor?
B.: O amor não é diferente do Eu Real. O amor por um objeto é um
amor inferior e impermanente, enquanto que o Eu Real é Amor. Deus é Amor. Para
aqueles cujo temperamento e estado de desenvolvimento exigiam, o Maharshi
aprovava a adoração ritualística, que é um elemento que geralmente acompanha o
caminho da devoção.
Visitante: Os sacerdotes prescrevem vários rituais e formas de
adoração, e dizem que é pecado não observá-los. Tais adorações ritualísticas
são necessárias? B.: Sim, elas também são necessárias. Elas podem ser inúteis
para você, mas isso não significa que ninguém precisa delas e que elas não
possam ajudar. O que é necessário na primeira série não é necessário na
faculdade. Mas mesmo o universitário precisa usar o alfabeto que aprendeu na primeira
série. Ele conhece toda a sua utilidade e significado. A adoração também pode
tomar a forma de concentração em um deus hindu. O politeísmo é uma das
formas dos hindus conceberem Deus.
D.: Quais são os passos do treinamento prático?
B.: Depende da qualificação e da natureza do buscador.
D.: Eu faço adoração de imagens de deuses.
B.; Continue fazendo. Isso o ajudará a concentrar sua mente.
Torne-se unifocado. Tudo vai dar certo no final. As pessoas pensam que a
Libertação (moksha) é algo que deve ser buscado fora delas mesmas. Estão
erradas. Você deve apenas conhecer o Eu em você. Concentre-se, e será capaz de fazê-lo.
O ciclo de nascimentos e mortes (samsara) é apenas a sua mente.
D.: Minha mente é muito instável. O que devo fazer?
B.: Fixe sua atenção em uma única coisa e tente permanecer com
ela. Tudo vai dar certo.
D.: Para mim a concentração é muito difícil.
B.: Continue praticando, e com o tempo, sua concentração se
tornará tão fácil quanto respirar. Isso será o ápice de sua conquista.
No entanto, ele não aprovava o desejo de ter visões ou
experiências místicas. Na verdade, ele não aprovava nenhum desejo, nem mesmo o
desejo de alcançar rapidamente a Realização. Senhorita Uma Devi, uma mulher
polonesa que tinha se tornado hinduísta, disse a Sri Bhagavan:
"Antes eu contei a Sri Bhagavan como eu tive uma visão de
Shiva no momento em que me tomei hinduísta. Tive uma experiência semelhante em
Courtallam. Essas visões são passageiras, mas trazem beatitude. Eu quero saber
como torná-las permanentes e contínuas. Sem Shiva tudo à minha volta fica sem
vida. Eu fico tão feliz quando penso Nele. Por favor, diga-me como fazer essas
visões tomarem-se contínuas.
B.: Você fala da visão de Shiva, e uma visão sempre presume a
existência de um objeto e de um sujeito. A visão vale tanto quanto aquele que a
vê. Ou seja, a natureza da visão está no mesmo plano que a natureza do
observador. Surgimento implica também desaparecimento. Por isso, uma visão nunca
poderá ser eterna. Mas Shiva é eterno. A visão de Shiva implica na existência
dos olhos que a vêem, do intelecto por detrás da visão, e finalmente da
Consciência por detrás do observador. Essa visão não é tão real quanto você
imagina, porque ela não é íntima e inerente; não é de primeira mão. Ela é o
resultado de sucessivas fases de Consciência. Apenas a Consciência em si é
imutável, eterna. Ela é Shiva. Uma visão implica em alguém para vê-la, mas este
alguém não pode negar a existência do Eu. Não há um único momento em que o Eu
Real, sendo Consciência, não exista, e nem pode o observador permanecer
separado da Consciência. Esta Consciência é o Ser Eterno e é apenas o Ser. O
observador não pode ver a si mesmo. Por acaso o observador nega sua própria
existência porque não pode se ver como vê uma visão? Não; então a visão
verdadeira não significa ver, mas sim ser. SER é realizar - logo, "EU SOU
O QUE EU SOU". "EU SOU" é Shiva. Nada mais pode ser sem Ele. Todas
as coisas têm seu ser em Shiva, por causa de Shiva. Portanto investigue: Quem
sou eu?" Mergulhe profundamente no interior e permaneça como Eu Real. Isso
é Shiva como SER. Não espere ter mais visões Dele. Qual a diferença entre os
objetos que você vê e Shiva? Ele é tanto o sujeito como o objeto. Você não pode
existir sem Shiva. Shiva é sempre realizado, aqui e agora. Se você pensa que não
O realizou você está errado. Este é o obstáculo à Realização. Abandone esse pensamento
e a Realização está aí.
D.: Sim, mas como posso fazer isso o mais rápido possível?
B.: Isso já é outro obstáculo à Realização. Pode haver um ser
individual sem Shiva? Mesmo agora Ele é você. Não há o problema do tempo. Se
existisse algum momento de não-realização, então a questão da realização
poderia surgir. Mas você não pode ser sem Ele. Ele já é realizado, eternamente
realizado, e nunca não-realizado. Entregue-se a Ele e sujeite-se à Sua vontade,
quer
Ele apareça ou desapareça; aguarde Seu capricho. Se você espera
que Ele aja como você quer, isso é ordem e não entrega. Você não pode pedir que
Ele lhe obedeça e ainda assim pensar que se entregou. Ele sabe o que é melhor
para você, e como e quando fazê-lo. Deixe tudo inteiramente com Ele. O fardo é
Dele. Você não deve mais se preocupar. Todas as suas preocupações são na
verdade Dele. Isso é entrega. Isso é bhakti.
D.: Mas a visão de Deus é algo glorioso.
B.: A visão de Deus é apenas a visão do Eu Real objetivada como
o Deus da sua fé particular. O que você precisa fazer é conhecer o Eu real. Muitas
vezes Bhagavan dizia: "Conhecer a Deus é amar a Deus, portanto os caminhos
de jnana (conhecimento) e bhakti (devoção) são equivalentes".
Japa
Japa, ou seja, a prática de usar mantras e invocações do Nome de
Deus, é uma das técnicas mais populares de treinamento espiritual. Ela tem uma
afinidade particular com o caminho bhakti da devoção e amor. O Maharshi
aprovava esse método, desde que, como ilustrado na história do rei e do
ministro (da página 64), a pessoa que o praticava tivesse sido devidamente
autorizada a fazê-lo por um guru qualificado. O próprio Bhagavan ocasionalmente
autorizava o uso de mantras, mas apenas muito raramente.
O objetivo é afastar todos os outros pensamentos exceto o
pensamento OM, ou Ram, ou Deus. Todos os mantras e invocações ajudam a fazer
isso. Quanto mais devoção for posta nessa prática, mais eficiente é a invocação
ou a repetição do mantra.
D.: Quando eu invoco o Nome Divino por uma hora ou mais, eu caio
em um estado semelhante ao sono. Ao acordar percebo que a invocação foi
interrompida, então a recomeço.
B.: "Semelhante ao sono", está correto. É o estado
natural. Como você agora se identifica com o ego, você olha para o estado
natural como se fosse algo que interrompesse seu trabalho ou prática. Então
você deve ter essa experiência repetida até que você perceba que esse estado é
seu estado natural. Então você verá que a invocação é algo exterior,
extrínseca, mas mesmo assim ela continuará [interiormente] de forma automática.
Essa sua dúvida existe devido à sua falsa identificação com a mente que faz a
invocação. A invocação na verdade significa "agarrar um pensamento e
excluir todos os outros". Esse é seu propósito. Ela leva à absorção
(dhyana) e esta culmina na Auto-Realização ou jnana.
D.: Como eu devo praticar a invocação?
B.: Não se deve meramente repetir o nome de Deus mecânica e
superficialmente, sem nenhum sentimento de devoção. Quando alguém usa o nome de
Deus, ele deveria chamá-lo com fervor e entrega incondicional. Apenas depois de
tal entrega é que o nome de Deus permanecerá sempre com você. No início a
invocação pode até ser acompanhada por uma visualização da forma do Guru ou de
uma imagem mitológica de Deus.
D.: Minha prática tem sido a invocação constante dos nomes de
Deus ao inspirar, e do nome de Sai Baba ao expirar. Simultâneo a isso eu sempre
vejo a forma do Baba. Mesmo em Bhagavan eu vejo o Baba. A aparência exterior
também é parecida: Bhagavan é magro, e Baba era um pouco corpulento. Eu devo
continuar com esse método ou mudá-lo? Algo dentro de mim diz que se eu me
apegar ao
nome e à forma eu nunca serei capaz de transcendê-los, mas ao
mesmo tempo eu não sei o que fazer se desistir deles. Por favor, Bhagavan, me
esclareça.
B.: Você pode continuar com o seu método atual. Quando o japa se
torna contínuo todos os outros pensamentos cessam, e a pessoa permanece na sua
verdadeira natureza, que é japa o u dhyana (absorção). Nós voltamos a mente ao
exterior, em direção às coisas do mundo, e por isso não estamos conscientes que
japa é a nossa verdadeira natureza. Quando, por meio do esforço consciente –
invocação (japa) ou meditação (dhyana) - nós impedimos nossa mente de pensar
outras coisas, então o que permanece é a nossa natureza real, que é japa ou
dhyana. Enquanto você pensar que é nome e forma você não poderá escapar do nome
e forma da invocação também. Quando você perceber que não é nome e forma, nome
e forma desaparecerão por si mesmos. Nenhum outro esforço é necessário. A
invocação ou a meditação o levará naturalmente a esse ponto. Japa (invocação),
que é agora tomado como meio, será então descoberto como o próprio fim. Não há diferença
entre Deus e Seu nome.
Como mostra a passagem acima, japa é combinado com dhyana que,
na falta de um termo melhor, é traduzida como "meditação". Por esse
motivo, a invocação silenciosa é, por ser mais voltada ao interior, melhor que
a invocação verbal.
D.: A invocação mental não é melhor que a oral?
B.: A encantação oral consiste em sons, e estes surgem dos
pensamentos, já que a pessoa deve pensar antes de expressar seus pensamentos em
palavras. Os pensamentos formam a mente.
Portanto, a invocação mental é melhor que a oral.
D.: Mas nós não deveríamos contemplar a invocação e repeti-la
oralmente também?
B.: Quando a invocação se torna mental, qual é a necessidade de
sons? Ao se tornar mental, ela se torna a contemplação. Meditação,
contemplação, e invocação mental são o mesmo. Quando os pensamentos deixam de
ser fortuitos e um só pensamento persiste excluindo todos os outros, isso é contemplação.
O objetivo da repetição de mantras e da meditação é excluir todos os vários pensamentos
e manter-se fixo num só objeto ou pensamento. Então finalmente mesmo este pensamento
único desaparecerá em sua Fonte, que é a pura Consciência ou Eu Real. Com isso
a mente primeiro se envolve na invocação ou nos mantras e depois [já tendo se
tornado pura e unifocada], mergulha em sua própria Fonte.
Isto é certo: adoração, mantras, e meditação são praticados
respectivamente com o corpo, fala, e mente, e estão nessa ordem ascendente de
valores. Você pode olhar esse universo óctuplo como uma manifestação de Deus, e
qualquer adoração que for feita nele é tão boa quanto a adoração de Deus. A
repetição em voz alta do Seu nome é melhor que o louvor. Melhor ainda é o
sussurro tênue. Mas o melhor é a repetição com a mente - e isso é meditação,
acima referida. Melhor do que esses pensamentos intermitentes é o fluxo
contínuo e estável, como o fluxo do óleo ou de um rio perene.
Karma
Marga
Pouco resta a dizer sobre karma marga, o caminho da ação, já que
ele já foi abordado num capítulo anterior. Ramana Maharshi desencorajava tanto
o engajamento em atividades desnecessárias como a renúncia completa à
atividade, prescrevendo apenas a realização das atividades rotineiras necessárias
da vida de maneira desapegada, simultaneamente à prática da auto-inquirição ou devoção.
D.: Swami, como pode o domínio do ego ser afrouxado?
B.: Não se acrescentando novas vasanas (tendências mentais) a
ele.
D.: Como a atividade pode ajudar? Ela não apenas torna mais
pesado o fardo que carregamos e que buscamos remover?
B.: Ações feitas sem a noção de ego purificam a mente e
ajudam-na a concentrar-se na meditação,
D.: Mas e se eu fosse apenas meditar constantemente sem nenhuma
atividade?
B.: Tente e veja. Suas tendências mentais inatas não lhe
deixarão em paz. A meditação (dhyana) vem apenas gradualmente, através do
enfraquecimento das vasanas por meio da Graça do Guru.
Métodos
Nivelados
Apesar de o Maharshi reconhecer a validade de todos os métodos,
ele os classificava como mais ou menos diretos e efetivos, como mostra a
citação acima dos versos 4-7 do Essence of Instruction. A seguinte exposição
também esclarece isso, O exame da natureza transitória das coisas exteriores
leva ao desapego (vairagya). Assim, a investigação ou inquirição é o primeiro e
mais importante passo. Quando ela se torna automática resulta em indiferença à
riqueza, fama, conforto, prazeres, etc. Então o pensamento-"eu" é investigado
até chegar-se à fonte do "eu", o Coração, que é a meta final. No
entanto, pode ser que o aspirante não tenha um temperamento compatível com a
prática da auto-inquirição. Nesse caso ele deve desenvolver a devoção. Pode ser
devoção a Deus, ao Guru, à humanidade como um todo, às regras éticas, ou até
mesmo a um ideal de beleza. Quando estiver possuído por um desses sentimentos,
os seus outros apegos enfraquecerão e ele desenvolverá o desapego. O apego ao
objeto da devoção cresce até que domine o sujeito completamente, e com isso cresce
a concentração (ekagrata), seja com visões ou sem, com outras ajudas ou não.
Se nem a auto-inquirição nem a devoção lhe atraem, ele pode
conquistar a serenidade por meio do controle da respiração. Esse é o caminho do
yoga. Se a vida de um homem está em perigo todo o seu interesse gira em torno
de preservá-la. Se a respiração for mantida sob controle a mente não tem como
pular para fora em busca de seus amados objetos, e por tanto não o faz. Assim,
há paz mental enquanto a respiração for mantida. Como toda a atenção da pessoa
está concentrada na respiração, os outros interesses são abandonados. Também,
qualquer paixão resulta em respiração irregular. Um ataque de alegria é na
verdade tão doloroso e prejudicial quanto um ataque de tristeza, e ambos produzem
uma respiração perturbada. A paz verdadeira é a felicidade; os prazeres não
trazem a felicidade.
Se um aspirante é incompatível com os dois primeiros métodos por
causa do seu temperamento, e com o terceiro por causa de sua idade avançada ou
condição de saúde, então ele deve tentar karma marga, o caminho das boas ações
e serviço social. Com isso seus instintos superiores são desenvolvidos e ele
deriva uma felicidade impessoal de suas ações. Seu ego se torna menos dominador
e seu lado positivo é desenvolvido. O aspirante, assim, com o tempo se torna
qualificado para seguir um dos três primeiros métodos. Ou então desenvolve a
sua intuição espiritual apenas com karma marga.
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