7º Capítulo - A Meta


7º Capítulo - A Meta

D.: Qual é o propósito da Auto-Realização?
B.: A Auto-Realização é a meta final e é em si mesma o propósito.
D.: Quero dizer, por que eu deveria buscá-la?
B.: Por que você pergunta sobre a Auto-Realização? Por que você não está satisfeito com seu estado atual? E evidente que você não está satisfeito com ele, e essa insatisfação chegará ao fim quando você realizar o Eu. A pergunta acima era raramente feita, já que aqueles que se aproximavam do Maharshi normalmente entendiam que o estado de ignorância espiritual (ou, em termos cristãos, da
"decadência do homem") é indesejável, e que a Auto-Realização é o objetivo supremo. No diálogo abaixo, o propósito é perguntado com maior compreensão, e portanto a resposta também é mais profunda.

D.: Qual é o objetivo desse processo?
B.: Realizar o Real.
D.: Qual é a natureza da Realidade?
B.: (a) Existência sem inicio ou fim - eterna. (b) Existência em toda parte, sem limites - infinita. (c)
Existência por detrás de todas as forças, mudanças, matéria e espírito. Os muitos mudam e passam, mas o Um sempre permanece. (d) O Um substitui as tríades tais como conhecedor-conhecimento-conhecido. As tríades são apenas aparências que surgem no tempo e no espaço, enquanto que a Realidade é o que está além e atrás delas. As tríades são como miragens sobre a Realidade. Elas resultam da ilusão.
D.: Se "eu" também sou uma ilusão, quem abandona a ilusão?
B.: O "Eu" abandona a ilusão do "eu" e ainda assim permanece "Eu". Tal é o paradoxo da Auto-Realização. Os seres realizados não veem nenhuma contradição nisso. É surpreendente como muitos filósofos e teólogos falharam em compreender o que se quer dizer por "Auto-Realização", e assim a interpretaram mal e muitas vezes até a atacaram e menosprezaram. Tudo o que ela significa, como Bhagavan explicou na passagem acima transcrita, é
realizar a Realidade, realizar aquilo que é. Mas a Realidade permanece sempre a mesma, eterna e imutável, quer a realizemos ou não. Claro, nós podemos entender a irritação e frustração dos filósofos, que desejam compreender tudo com sua mente, quando ouvem que a Realidade está além e atrás da tríade conhecedor-conhecimento-conhecido, que é como que uma miragem sobre Ela - obviamente, a miragem não pode penetrar aquilo que a sustenta. É por isso que não se pode facilmente lhes responder. De fato, de um modo geral Bhagavan desaprovava indagações sobre o significado e a natureza da Realização, pois seu propósito era ajudar o aspirante a alcançá-la, e não satisfazer sua curiosidade mental. Normalmente ele lembrava às pessoas que o que era necessário era um esforço para alcançar o Auto-Conhecimento; e, quando este for alcançado, as dúvidas e confusões não mais surgirão.
B.: Algumas pessoas que vêm aqui, ao invés de perguntarem sobre si mesmas, fazem perguntas a respeito do Jivanmukta (o libertado enquanto no corpo): Ele vê o mundo? Ele está sujeito ao karma? Pode-se alcançar a Libertação enquanto neste corpo ou só após a morte? O corpo do Sábio se funde na luz ou desaparece miraculosamente do mundo? Pode alguém ser libertado após a morte? Suas perguntas são infindáveis. Por que se preocupar com essas coisas? Por acaso a Libertação consiste em saber as respostas para essas perguntas? Então eu lhes respondo: "Não se preocupe com a Libertação. Primeiro descubra se há aprisionamento. Investigue a você mesmo primeiro".

Às vezes ele apontava que mesmo falar de Auto-Realização é uma ilusão - uma saída ilusória de uma prisão ilusória.

B.: De certa forma, falar-se de Auto-Realização é uma ilusão. É apenas porque as pessoas têm vivido na ilusão de que o não-Eu é o Eu, e de que o irreal é o Real, que elas precisam ser curadas [dessa falsa percepção] por outra ilusão chamada "Auto-Realização" - pois, na verdade, o Eu Real é sempre o Eu Real, e não existe tal coisa de "realizá-lo". Quem vai realizar o quê, e como, se tudo o que existe é o Eu Real e apenas o Eu Real? Uma coisa que obstrui o entendimento, em especial dos teólogos, é o contraste entre a Auto-Realização e a santidade, e a ideia equivocada de que isso representa uma diferença substancial entre as várias tradições religiosas - umas se esforçando para alcançar a santidade e outras para alcançar a Realização. Tal ideia é completamente inconsistente. Existiram santos em todas as religiões, no Hinduísmo e nas outras também. Eles são bastante diferentes entre si, tanto nas características pessoais - do extático ao sereno, do austero ao benevolente, do filósofo sutil ao de mente simples - quanto no "nível espiritual". Alguns possuíam poderes sobrenaturais, outros viviam embriagados na beatitude divina, outros ainda se entregaram ao serviço amoroso à humanidade - mas todos tinham uma característica em comum: uma pureza além da do homem comum. Pode-se dizer que seu estado é divino mesmo morando na terra. No entanto, a Auto-Realização não está nisso tudo. Tudo isso existe num estado de dualidade, no qual Deus ou Atman (Eu Real) é o "outro", no qual a prece é necessária e a revelação, possível. Rigorosamente falando, esses santos estão tão longe da Auto-Realização quanto o homem comum, pois não existe uma escala matemática entre o Absoluto e o condicionado (relativo), entre o Infinito e o limitado. Um milhão não está mais perto do Infinito do que mil. Esse abismo completo é ilustrado pela história budista do homem que viaja ao mundo procurando a jóia perdida que sempre esteve no seu pescoço. Quando finalmente ele a "encontra", percebe que todos os seus anos de busca e peregrinação em nada lhe ajudaram para aproximá-lo da jóia. Ao mesmo tempo, se ele não tivesse saído à sua procura, nunca a teria encontrado. Da mesma forma, em sentido relativo pode-se dizer que o santo está mais perto da Realização que o homem comum, assim como é mais fácil para um homem comum alcançar a Realização do que para um cachorro, em que pese ambos estarem igualmente presos à ilusão de
existir como um ser individual.

Há níveis de realização entre os santos, assim como há uma hierarquia dos céus; e tanto estes como aqueles correspondem aos graus de iniciação nos caminhos espirituais indiretos. Bhagavan respondia questões sobre isso quando perguntado diretamente, mas normalmente não falava sobre esses níveis espontaneamente, já que seu propósito não era elevar seus seguidores de nível a nível na realidade aparente, mas sim dirigi-los rumo à Realidade una, eterna, e universal.

D.: Nós vamos a svarga (céu) como resultado das nossas boas ações aqui?
B.: O céu é tão real quanto sua vida presente. Mas se nós perguntarmos "Quem sou eu?" e descobrirmos o Eu Real, qual a necessidade de pensar sobre o céu?
D.: Vaikuntha (céu) está no Eu Supremo?
B.: Onde está o Eu Supremo ou o céu senão em você?
D.: Mas o céu pode aparecer involuntariamente para nós.
B.; E por acaso o mundo aparece voluntariamente?

Similarmente, ele reconhecia os níveis de desenvolvimento do indivíduo, mas não se detinha nisso. Os centros yóguicos, contados de baixo para cima, são uma série de centros no sistema nervoso, cada um com seu próprio tipo de poder ou conhecimento. Uma vez lhe disseram que existia um santo vivo que era constantemente inspirado por uma Encarnação de Deus (Avatar), e que suas palavras eram dirigidas por Deus. Ao lhe perguntarem se isso era verdadeiro ou não, ele respondeu: É tão real quanto tudo isso que você vê a sua volta. Pois, comparado com o Eu Real, nem esse mundo nem nenhuma esfera espiritual superior é inerentemente real, assim como, comparado ao infinito, um número grande não significa mais que um pequeno.

Um santo pode atingir um nível muito elevado sem nem mesmo conceber a Realidade última da Unidade, ou tendo apenas tido breves vislumbres extasiantes dela. Mas isso não importa; o poder da sua pureza e aspiração irá finalmente levá-lo adiante, nesta vida ou depois. Para aquele que visualiza a Meta final e se esforça em sua direção não há níveis - ou ele é realizado ou não é. Sobre isso Bhagavan falava espontânea e explicitamente, pois este era o caminho que ele prescrevia.

Não há níveis na Realização ou Mukti. Não existem estágios de Libertação.

D.: Deve haver um progresso passo a passo antes de se alcançar O Absoluto. Não existem diferentes níveis de Realidade?
B.: A Realidade não tem níveis; há apenas níveis de experiência para o indivíduo, e não de Realidade. Se algo que não estava lá antes pode ser ganho, então isso também pode ser perdido; mas o Absoluto é eterno, aqui e agora. No entanto, apesar de não haver estágios de Auto-Realização, existe o que pode ser chamado de "insights" ou vislumbres da Realidade, que ainda não estão estabilizados e nem são permanentes. As vezes, realmente, esses insights acontecem para pessoas que, nesta vida, nunca tiveram nenhuma prática espiritual. Na medida que a obscuridade do ego do aspirante é enfraquecida pela abnegação, ele se torna mais sujeito a tê-los. Mesmo grandes filósofos místicos como Plotinus e Meister Eckhart admitiram que dependiam desses vislumbres temporários, não tendo assim alcançado o estado de identidade permanente com o Real, estado este a partir do qual Bhagavan ensinava. Pode um homem se tornar um ministro de estado simplesmente porque viu um? Ele só pode se tornar um caso se esforce para isso e se prepare para a posição. Similarmente, pode o ego, que está aprisionado como mente, tornar-se o Eu Divino simplesmente por ter tido uma vez o insight de que ele é o Eu? Seria isso possível sem a destruição da mente? Pode um mendigo tornar-se rei meramente porque visitou o palácio e se declarou rei?

D.: Pode a Auto-Realização uma vez alcançada ser perdida?
B.: A Realização leva tempo para se estabilizar. O Eu Real certamente está dentro da experiência direta de todos, mas não da forma como eles imaginam. Só se pode dizer que ele / como é. Assim como a recitação de mantras e outros meios podem evitar que o fogo, que normalmente queimaria um homem, não o faça, assim também as vasanas (tendências inerentes que impelem a pessoa a desejar uma coisa e evitar outra) velam o Eu Real, que normalmente estaria manifesto. Devido à flutuação das vasanas, a Realização demora a se estabilizar. A Realização intermitente não é suficiente para acabar com o ciclo de renascimentos, e ela não pode se tornar permanente enquanto houver vasanas. Na presença de um grande mestre as vasanas deixam de ser ativas e a mente se torna quieta, de forma que o samadhi (absorção no Real) resulta, assim como na presença de vários meios [mágicos] o fogo não queima. Assim, na presença do mestre o discípulo ganha conhecimento verdadeiro e uma experiência correta. Mas para isso ser estabilizado é necessário um esforço adicional. Então o discípulo saberá que isso é seu verdadeiro Ser, e assim será libertado mesmo enquanto no corpo.

Alguns críticos, atendo-se meramente aos aspectos teóricos, argumentavam que a busca pela Auto-Realização é arrogante e pretensiosa, ou que não envolve a humildade e abnegação da santidade. Se, em lugar de teorizar, eles tomassem a prática de erradicar as vasanas, que são as raízes do ego, eles logo compreenderiam. Na verdade, a busca pela Auto-Realização está além da arrogância e da humildade, além de todos os pares de opostos; ela simplesmente é o que é. Ela não envolve meramente tornar o ego mais humilde, mas dissolvê-lo por completo.

B.: Você é o Eu Real mesmo agora, mas você confunde a sua consciência atual, ou ego, com a Consciência Absoluta, ou Eu Real. Essa falsa identificação existe devido à ignorância, e a ignorância desaparece junto com o ego. Matar o ego é a única coisa a ser feita. A Realização já existe - não é necessário tentar alcançá-la. Ela não é nada externo ou novo a ser alcançado. Ela é sempre e em toda parte - aqui e agora também.
D.: Esse método parece ser mais rápido que o método comum de cultivar as virtudes postas como necessárias à Realização.
B.: Sim. Todos os erros e defeitos estão centrados no ego. Quando o ego desaparece a Realização resulta naturalmente.

Tendo falado do santo e do filósofo místico, também deve ser mencionado o ocultista, isto é, a pessoa que busca a Realização pelos poderes sobrenaturais que ela possa trazer. Bhagavan sempre desencorajava isso. A Realização pode trazer poderes consigo, já que o maior inclui o menor, mas o desejo por poderes irá obstruir o caminho rumo à Realização, como a busca de um estado inferior nega o superior. Se o objetivo é dar ao ego novos poderes, como pode ao mesmo tempo ajudar na sua destruição? Quem busca isso não compreendeu o significado da Realização.
D.: Quais são os poderes do super-homem?
B.: Quer sejam poderes superiores ou inferiores, quer provenientes da mente ou do que vocês chamam de supermente, eles apenas existem em relação ao "eu" que os possui. Primeiro descubra o que é esse "eu".
B.: Aquele que se estabeleceu no Eu não deve nunca se desviar desse estado de atenção unifocada ao Eu, ou puro Ser, que ele realmente é. Se ele se desviar ou se afastar desse estado, vários tipos de visões criadas pela mente poderão ser vistas; mas o praticante não deve se deixai levar por essas visões - que podem ser da luz ou do espaço (akasha) - nem pelos sons sutis (nada) e celestiais
que possam ser ouvidos, nem por visões personificadas de Deus, vistas dentro ou fora dele, como se essas coisas tivessem uma realidade objetiva. Não confunda nenhuma dessas coisas com a Realidade. Quando o próprio princípio mental pelo qual essas visões e experiências são vistas e
conhecidas é falso ou ilusório, como podem os objetos assim conhecidos, e ainda as visões tidas,  serem reais? Há algumas pessoas tolas que, não percebendo que elas mesmas são movidas pelo Poder Divino, buscam alcançar todos os poderes sobrenaturais da ação. Eles são como o soldado aleijado que disse: "Eu posso vencer o inimigo se alguém me ajudar a permanecer de pé!" Já que a paz mental é permanente na Libertação, como podem aqueles que entregam sua mente aos poderes (siddhis) - que só podem ser alcançados através da atividade mental - mergulhar na Bem-Aventurança da Libertação, que acaba com toda a agitação mental?

D.: Um yogue pode conhecer suas vidas passadas?
B.: Você conhece sua vida atual tão bem para que deseje conhecer a passada? Descubra o presente, e todo o resto seguirá. Mesmo com esse seu conhecimento limitado você sofre muito; para que se sobrecarregar com mais conhecimento ainda? Não seria sofrer mais?
D.: Bhagavan utiliza poderes ocultos para ajudar os outros a realizar o Eu ou a mera Realização de Bhagavan já é suficiente para isso?
B.: A força espiritual da Realização é superior ao uso de todos os poderes ocultos juntos. Visto que não há ego no Sábio, não existem "outros" para ele. Qual é o maior benefício que pode lhe ser dado?
É a felicidade, e a felicidade surge da paz. A paz só pode reinar quando não há perturbação, e a perturbação existe por causa dos pensamentos que surgem na mente. Quando a mente está ausente, há paz perfeita. A menos que a pessoa tenha aniquilado a mente, ela não pode ter paz e ser feliz. E se a própria pessoa não for feliz ela não poderá dar felicidade aos "outros". Como, entretanto, não
há "outros" para o Sábio, que não possui mente, o simples fato de ser Realizado já é em si suficiente para fazer os "outros" felizes também.

Quando perguntado se os poderes ocultos (siddhis) são obtidos quando se alcança o estado divino (Isvaratva), como mencionado no Dakshinamurthi Stotra, o Maharshi disse: "Primeiro alcance o estado divino, e depois faça as outras perguntas. Nenhum poder oculto (siddhi) pode estender-se até a Auto-Realização, muito menos ir além dela. As pessoas que não estão contentes com a ideia de alcançar jnana desejam obter poderes ocultos. Elas assim estão inclinadas a esquecer a felicidade suprema da Realização e buscar poderes. Em busca desses, elas seguem por vias secundárias ao invés de andarem pela estrada principal, e assim se arriscam a perderem-se no caminho. A fim de guiá-las corretamente e mantê-las na via principal, lhes é dito que os poderes vêm junto com a Realização (Jnana). Na verdade, a Realização abarca tudo, e o Iluminado não desperdiça nem um único pensamento nos poderes. Que primeiro as pessoas alcancem Jnana, e depois elas podem buscar poderes se ainda os desejarem.
Os poderes (siddhis) podem aparecer antes ou depois da Realização, ou podem nem vir, de acordo com a natureza da pessoa, mas eles não devem ser estimados nem buscados. A presença ou a ausência de visões e outras experiências místicas não deve set causa de desânimo no caminho.

D.: Não é necessário ou pelo menos desejável tornar o corpo invisível para o progresso espiritual?
B.: Por que você pensa isso? Você é o corpo?
D.: Não, mas uma espiritualidade avançada deve acarretar alterações no corpo físico, não é?
B.: Que mudança você deseja no corpo, e por quê?
D.: A invisibilidade não é sinal de Sabedoria (Jnana)?
B.: Se fosse assim então todos aqueles que ensinaram, escreveram, e passaram suas vidas à vista dos outros deveriam ser considerados ajnanis (ignorantes).
D.: Mas os sábios Vasishta e Valmiki possuíam tais poderes.
B.: Pode ter sido seu destino (prarabdha karma) desenvolver tais poderes (siddhis) lado a lado com a sabedoria (jnana). Por que você deveria buscar aquilo que não é essencial e que pode, ainda, ser um obstáculo à Sabedoria? Por acaso o Sábio (jnani) se sente oprimido pelo fato do corpo ser visível?
D.: Não.
B.: Um hipnotizador pode se fazer invisível aos olhos dos outros. Ele é um Sábio por isso?
D.: Não.
B.: Visibilidade e invisibilidade referem-se apenas àquele que vê. Quem vê? Resolva essa questão primeiro. As outras questões são irrelevantes. Um visitante norte-americano estava desanimado, pois não tinha alcançado nenhum poder e nem tido nenhuma experiência extraordinária.
D.: Eu tenho me interessado por metafísica por mais de vinte anos, mas nunca tive nenhuma experiência fantástica como muitos outros alegam ter tido. Eu não tenho poderes de clarividência, clariaudiência, nem nada do gênero. Sinto-me trancado neste corpo, e isso é tudo.
B.: Está tudo bem. A Realidade é apenas uma - o Eu Real. Todas as outras coisas são simples fenômenos nela, dela, e por ela. O observador, a visão, e o objeto visto são apenas o Eu Real. Pode alguém ver ou ouvir sem o Eu Real? Que diferença faz se você vê e ouve perto ou longe? Os órgãos de visão e audição são necessários em ambos os casos, e a mente também. Nenhum deles pode ser dispensado. Em ambos os casos você depende deles. Por que, então, deveria haver uma fascinação pela clarividência ou clariaudiência? Além disso, o que quer que seja alcançado também será perdido com o tempo. Nunca será permanente. A única coisa permanente é a Realidade, e esta é o Eu (atman). Você diz: "eu sou", "eu estou indo", "eu estou falando", "eu estou trabalhando", e assim por diante. Destaque o "eu-sou" em todos eles. Logo: "EU-SOU". Esta é a Realidade fundamental permanente. Essa verdade foi ensinada a Moisés por Deus: "EU-SOU o que EU-SOU" e "Permaneça quieto e saiba que EU-SOU DEUS". Então, "EU-SOU" é Deus. Do que foi dito até agora se percebe que a Auto-Realização é a coisa mais simples e natural, na verdade a única coisa simples e natural, simplesmente o estado de ser o que se é. No entanto, é um
estado muito raro, desconhecido aos santos e apenas rapidamente vislumbrado pelos místicos. "Dentre mil talvez haja um que busque a perfeição espiritual. Dentre mil que buscam a perfeição espiritual, talvez haja um que Me conhece como Eu-sou" (Bhagavad-Gita, VII-3). Infelizmente na nossa época muitos falsamente pretendem ter alcançado esse estado. O aspirante deve, por isso, ter discernimento.

Uma vez alcançado, o Estado supremo é o mesmo, independente de por qual caminho ou religião ele foi abordado, sendo, por sua própria natureza, além da diferenciação. Uma vez alcançado, o estado de Auto-Realização é o mesmo, independente de por qual caminho ele foi abordado. Existem três aspectos de Deus, de acordo com a abordagem da Realização. São eles: Sat (Ser), Chit (Consciência), Ananda (Bem-Aventurança, Beatitude). O aspecto do Ser é enfatizado pelos jnanis, que repousam na Essência do Ser após sua busca incessante, e que tem sua individualidade dissolvida no Supremo. O aspecto da Consciência é abordado pelos yoguis, que se esforçam em controlar sua respiração a fim de estabilizar a mente, e que vêem a Glória (Consciência do Ser) de Deus como a Luz
irradiando-se em todas as direções. O aspecto da Beatitude é abordado pelos devotos (bhaktas), que se inebriam com o néctar do amor Divino e perdem a si mesmos na experiência da Beatitude. Desinclinados a deixar esse estado, eles permanecem para sempre imersos em Deus. Os quatro margas (caminhos) - Kama, Bhakti, Yoga, e Jnana –não são mutuamente excludentes. Eles são descritos separadamente nas obras clássicas apenas para transmitir a ideia de que cada um representa um aspecto de Deus, para que assim o aspirante se sinta atraído por um dos aspectos de acordo com seu temperamento.

A experiência da Realização é chamada samadhi. Muitos acreditam que o samadhi implica cm um transe, mas isso não é necessariamente assim. Também é possível estar em estado de samadhi mesmo retendo todas as faculdades humanas. Na verdade, um Sábio Auto-Realizado como o
Maharshi mora permanentemente nesse estado. Nem mesmo os vislumbres da Realização mencionados anteriormente necessariamente implicam em transe. Do comentário editorial do Five Stanzas to Sri Arunachala.
[Um sannyasin visitante, Swami Lokesananda, perguntou sobre o samadhi.]

B.: 1. Manter-se na Realidade é samadhi.
2. Manter-se em samadhi por meio do esforço é savikalpa samadhi
3. Mergulhar na Realidade e permanecer alheio ao mundo exterior é nirvikalpa samadhi.
4. Mergulhar na ignorância e permanecer alheio ao mundo exterior é o sono.
5. Permanecer no estado natural original e puro sem esforço é sabaja nirvikalpa samadhi.

D.: É necessário passar pelo nirvikalpa samadhi antes de alcançar o sahaja samadhi?
B.: Enquanto nós temos vasanas que estamos tentando abandonar, ou seja, enquanto ainda somos imperfeitos e precisamos fazer esforços conscientes para manter a mente unifocada ou livre de pensamentos, o estado sem pensamentos que nós com isso alcançamos é nirvikalpa samadhi. Quando pelo poder da prática, permanecemos sempre neste estado, e não ficamos mais entrando e saindo do samadhi, esse é o estado sahaja (natural). No sahaja o sujeito vê apenas o Eu Real, e vê o mundo como uma forma assumida pelo Eu Real.

A questão da natureza do samadhi traz à tona a questão da atividade. Inutilmente tentando imaginar o que significa alcançar o samadhi ou Realização, em vez de esforçar-se em alcançá-la, as pessoas conjeturam se o homem Realizado pode ser ativo ou não.

D.: Pode um homem que alcançou a Realização andar, agir e falar?
B.: Por que não? Você acha que a Realização significa ser inerte como uma pedra, ou se tomar um nada?
D.: Eu não sei, mas dizem que o estado mais elevado é o abandono de toda atividade dos sentidos, bem como dos pensamentos e experiências; na verdade: cessação de toda atividade.
B.: Então como se diferenciaria do sono profundo? Além disso, se assim fosse seria um estado que, por mais elevado que fosse, seria impermanente e instável, não sendo assim o estado normal e natural - então, como isso poderia representar a presença eterna do Eu Supremo, que persiste através de todos os estados e os sobrevive? É verdade que existe tal estado, e que para algumas pessoas é necessário passar por ele. Pode ser uma fase temporária na sua busca ou pode continuar até o fim de sua vida, se assim for a vontade Divina ou seu destino mas, de qualquer forma, você não pode dizer que é o estado mais elevado. Se fosse, você teria que admitir que não só os Sábios, mas
mesmo Deus não teria alcançado o estado mais elevado, pois não apenas os Sábios Realizados são muito ativos como também o Deus Pessoal (Isvara) o é, já que Ele governa o mundo e dirige suas atividades.

D.: O que é samadhi?
B.: No yoga o termo é usado para indicar certo tipo de transe (ou absorção meditativa), e há vários tipos de samadhi. Mas o samadhi do qual lhe falo é diferente; é sahaja samadhi. Nesse estado você permanece calmo e sereno durante a atividade. Você percebe que é movido pelo Eu Real dentro de você, e permanece não afetado por qualquer coisa que você faça, diga, ou pense. Você não tem mais preocupações, ansiedades ou cuidados, pois você percebe que nada pertence a você como ego, e que
tudo é feito por algo com o qual você está em união consciente. Depois da Realização a pessoa pode continuar levando uma vida de atividade mundana ou não; não faz nenhuma diferença para seu estado.

Visitante: Geralmente os Jnanis (Iluminados) se retiram da vida em sociedade e se abstém de toda atividade mundana.
B.: Eles podem fazer isso ou não. Alguns, mesmo após a Realização, continuam trabalhando no comércio ou então reinam uma nação. Outros se retiram a locais solitários e se abstém de toda atividade além da mínima necessária para manter a vida no corpo. Não se pode fazer uma regra
geral a respeito. A incapacidade de compreender a aparente inatividade do Sábio é uma das dificuldades de muitos escritores ocidentais. Firmemente convencidos de que Cristo estava equivocado ao dizer que Maria escolheu a melhor parte, os cristãos modernos estão inclinados a representar Marta, aquela que é exteriormente ativa, como sendo superior, e criticar o Sábio (Cristo) por aquilo que eles consideram como inércia. Quando um aspirante lhe perguntou se sua Realização, se alcançada, ajudaria os outros, Bhagavan respondeu:
Sim, e é a melhor ajuda que você pode lhes dar. Mas então acrescentou: Mas na verdade não há "outros" para ajudar. O mesmo paradoxo é proclamado no Budismo onde, por exemplo, no Sutra do Diamante, após falar de compaixão, o Buda explica que na verdade não existem outros com os quais devemos ser compassivos. O Senhor Buda continua: "Não pense, Subhuti, que o Tathagatha (isto é, o Buda) considera no seu interior: 'Eu vou libertar os seres humanos'. Isso seria um pensamento degradante. Por quê? Porque na realidade não existem seres sencientes a serem libertados pelo Tathagatha. Se houvesse algum ser senciente a ser libertado pelo Tathagatha, isso significaria que o Tathagatha estaria acalentando em sua mente concepções arbitrárias de fenômenos tais como seu 'eu', o 'eu' dos outros, os seres sencientes, e o eu universal. Mesmo quando o Tathagatha refere-se a si mesmo, ele não está apegado a nenhum desses pensamentos arbitrários. Apenas os seres humanos terrestres pensam do 'eu' como sendo uma posse pessoal. Subhuti, mesmo a expressão 'seres terrestres', como usada pelo Tathagatha, não significa que tais seres existam. É apenas uma figura de linguagem".

As pessoas muitas vezes pensam que um Iluminado deveria andar de lá para cá pregando sua mensagem. Elas perguntam como alguém pode permanecer na quietude da Realização quando há tanta miséria à sua volta. Mas o que é o Realizado? Ele vê alguma miséria fora de si mesmo? Essas pessoas pretendem determinar Seu estado sem elas mesmas o terem alcançado - Do ponto de vista do Iluminado, a opinião dessas pessoas se resume a isso: um homem tem um sonho, no qual vê inúmeras pessoas. Então, ao despertar ele pergunta, "Aquelas outras pessoas do sonho também já despertaram?" É ridículo. Ou então, alguns bons homens dizem: "Não importa nem mesmo se eu não alcançar a Realização. Que eu seja a última pessoa no mundo a alcançá-la, para que eu possa ajudar os outros a se Iluminarem antes de mim mesmo!" Isso é como o sonhador dizer: "Que essas pessoas no sonho acordem antes de mim!" - não seria mais absurdo que aqueles amáveis filósofos.

De "A Buddhist Bible", por Dwight Goddard. Passagem citada em "Buddhism and Christianity in the light of Hinduism, por Arthur Osborne, p. 114 Paradoxalmente, entretanto, o Sábio é intensamente ativo, apesar de parecer inativo. Uma máxima de Lao-Tsé, extraída do Tao Te King, foi lida em voz alta no salão: "Por meio de sua não-ação, o Sábio a tudo governa".

Sri Bhagavan comentou: "Não-ação é atividade incessante." O Sábio é marcado pela atividade eterna e incessante. Sua imobilidade é como a imobilidade aparente de um pião: o pião está se movendo rápido demais para o olhar perceber, então ele parece estar imóvel.

Entretanto, ele está girando. Assim também é a aparente inatividade do Sábio. Isso precisa ser explicado porque as pessoas normalmente confundem sua quietude com inércia. Não é isso. Semelhante a essas preocupações com a ação era a questão de se o Ser Realizado é limitado ao karma (destino). Na verdade essa pergunta não faz sentido. Seu corpo é preso ao destino, mas como ele não se identifica com o corpo, o karma deste não pode limitá-lo. Sendo um com o Eu Eterno - dentro do qual este corpo, sua vida, e este mundo surgem como uma aparência ilusória - ele não pode ser limitado por nada.

Visitante: O homem Realizado não tem karma; ele não é preso ao destino. Então, por que ele deveria manter um corpo?
B.: Quem faz essa pergunta? O homem Iluminado ou o não iluminado? Por que se preocupar sobre o que o Iluminado faz ou por que ele faz algo? É melhor pensar sobre você mesmo. [Após permanecer alguns minutos em silêncio, Bhagavan continuou:] Você tem a impressão de que é o corpo, então você também pensa que o Iluminado tem um corpo. Ele diz que tem corpo? Para você Ele pode parecer que tem um corpo, e que faz coisas com ele, assim como as outras pessoas fazem. As cinzas de uma corda queimada parecem uma corda, mas não podem ser usadas para amarrar nada. Enquanto você se identificar com o corpo, tudo isso será difícil de entender. É por isso que às
vezes, em resposta a tais perguntas, se diz que o corpo do Iluminado continua existindo até que seu destino (prarabdha karma) se esgote, e que uma vez que isso ocorre o corpo é abandonado. Um exemplo dado para ilustrar isso é o de uma flecha que foi atirada pelo arco (destino), e que deve continuar seu curso até atingir o alvo, mesmo que o animal que ali estava tenha se movido e um outro veio em seu lugar (ou seja, a Realização foi alcançada). Mas a verdade é que o Iluminado transcendeu todos os três tipos de karma, e não está limitado nem pelo corpo nem pelo destino deste. Igualmente atrás desse ponto está a questão de se o Iluminado pode sentir prazer e dor (se pode sentir prazer, então dor também, pois os dois estão juntos; eles são um par de opostos).

Tanto o homem Realizado quanto o não Realizado tem sensações. A diferença é que o não realizado se identifica com o corpo que tem sensações, enquanto que o Iluminado sabe que tudo isso é o Eu Real, que tudo é Brahman (O Absoluto). Se há dor deixe-a ser; ela também faz parte do Eu, e o Eu é perfeito. Ou então se ele pode cometer pecados. O surgimento dessa pergunta implica numa falta de compreensão do significado da "Auto-Realização". O pecado é uma ação do ego, ou ser individual, agindo em seus próprios interesses e contra a harmonia universal ou Vontade de Deus. Mas quando não há ego, quando há apenas o Eu Universal, quem vai agir contra quem?

B.: Uma pessoa não realizada vê um ser Realizado e o identifica com o corpo. Como ela não conhece o Eu Real e confunde o corpo pelo Eu Real, ela estende o mesmo erro ao corpo do Ser Realizado. Este, então, é considerado como sendo a forma física. Além disso, o homem não realizado, apesar de na verdade não ser o originador de suas ações, imagina sê-lo, e por tanto pensa que o Iluminado também se sente assim, já que seu corpo é ativo. Mas este conhece a verdade e não é enganado. O estado do Iluminado não pode ser compreendido pela pessoa não-realizada, e por isso a questão das ações de um Iluminado surge apenas aquele que não é iluminado. Todas as qualidades boas ou divinas estão incluídas em Jnana (Iluminação espiritual), e todas as qualidades más ou demoníacas estão incluídas em ajnana (ignorância espiritual). Quando jnana vem ajnana vai embora, então todas as qualidades divinas vêm automaticamente. Se um homem é um Jnani ele não pode mentir nem cometer qualquer pecado.

A afirmação de que não há ego ou de que a mente está morta às vezes gera incompreensões. O que se quer dizer é que a mente ou ego, enquanto criador ou originador aparente de planos, ideias e ações, está morto. A compreensão permanece, junto à Consciência pura e radiante.

D.: Podemos pensar sem a mente?
B.: Os pensamentos podem continuar, assim como as outras atividades. Eles não perturbam a Consciência Suprema. As pessoas supõem a existência da mente pura no jivanmukta e no Deus pessoal. Elas perguntam, "Se eles não possuíssem mente, como poderiam viver e agir?" Mas isso é apenas uma concessão feita para fins de argumentação. A mente pura na verdade é a Consciência Absoluta. O objeto a ser testemunhado e a testemunha finalmente se fundem e apenas a Consciência Absoluta permanece. Não é um estado de vazio ou de ignorância, mas sim o Eu Supremo. A mente do Ser Realizado é às vezes comparada à luz da lua durante o dia. A lua brilha refletindo a luz do sol. Quando o sol se põe, a luz da lua é útil para fazer os objetos visíveis. Quando o sol nasce ninguém mais precisa da lua, apesar de seu disco ainda ser visível no céu. Assim também é a relação entre a mente e o Coração. A mente é útil devido à sua luz refletida, que é usada para ver os objetos. Quando voltada ao interior, a mente mergulha na fonte da Luz que brilha por si mesma, tornando-se assim [desnecessária] como a luz da lua em pleno dia.

Às vezes as pessoas demonstravam medo ao pensar sobre abandonar o ego, mas Bhagavan lembrava que elas fazem isso toda vez que vão dormir.

B.: As pessoas temem que quando o ego ou a mente for destruído o resultado será um mero vazio, e não a felicidade. O que na verdade acontece é que o pensador, o objeto do pensamento e o próprio pensamento, mergulham todos na Fonte única, que é em si mesma Consciência (chit) e Felicidade (ananda)\ assim, esse estado não é inerte e nem é um vazio. Eu não compreendo porque as pessoas deveriam ter medo de um estado no qual todos os pensamentos cessam e a mente é morta. Elas experimentam isso diariamente no sono. Durante o sono profundo não há mente nem pensamento. Mesmo assim, quando a pessoa acorda ela diz, "Dormi bem". Além disso, no sono profundo elas entregam o ego para cair em um mero vazio, enquanto que a Realização é o mergulho na pura Consciência, que é a Bem-Aventurança suprema.

Respondendo a um visitante, Bhagavan fez a seguinte observação: "Você pode ter, ou melhor, ser, a mais alta felicidade imaginável. Todas as outras formas de felicidade - que você mencionou como "prazer", "alegria", "felicidade", "bem-estar" - são apenas reflexos de Ananda (Bem-Aventurança) que, na sua verdadeira natureza, você é. É impossível descrever o samadhi, já que ele transcende a mente. Ele pode apenas ser experimentado.

Uma senhora norte americana perguntou ao Bhagavan qual era sua experiência de samadhi. Quando lhe sugeriram que ao invés disso ela deveria relatar suas próprias experiências e perguntar se elas estavam corretas, ela respondeu que as experiências de Sri Bhagavan eram as corretas e deveriam ser conhecidas, enquanto que as suas próprias não eram importantes. Ela queria saber se Sri Bhagavan sentia calor ou frio no seu corpo durante o samadhi, se ele passou mesmo seus primeiros três anos e meio em Tiruvannamalai em prece, etc.
B.: O samadhi transcende a mente e a linguagem, e não pode ser descrito. O estado de sono profundo já não pode ser descrito; muito menos o de samadhi.

D.: Mas eu sei que estava inconsciente no sono profundo.
B.: Consciência e inconsciência são fases da mente, mas o Samadhi está além da mente.
D.: Mesmo assim, você pode me dizer como é.
B.: Você saberá apenas quando estiver em samadhi Às vezes ele mencionava a tela do cinema como ilustração.
D.: Se tanto o Iluminado (jnani) quanto o não Iluminado (ajnani) igualmente percebem o mundo, qual é a diferença entre eles?
B.: Quando o Iluminado vê o mundo, ele vê o Eu Real que é o substrato de tudo que é visto. Quer o não iluminado veja o mundo ou não, ele não conhece o seu verdadeiro ser, o Eu Real. Tome o exemplo do filme na tela de cinema. O que está lá na sua frente antes do filme começar? Apenas a tela. Nesta tela você vê todo o espetáculo, e suas cenas parecem reais. Mas se você tentar tocá-las, no que você toca? A tela na qual as imagens projetadas pareciam tão reais! Quando o filme acaba e as imagens desaparecem, o que sobra? Novamente a tela. Assim é com o Eu Real - apenas Ele existe; as imagens vão e vêm. Se você agarrar-se ao Eu Real, o surgimento das imagens não irá enganá-lo. Também não vai mais importar se as imagens aparecem ou desaparecem.

Uma vez que o sahaja samadhi, permanente e imperturbável, seja alcançado, esse estado é Mukti, ou libertação. As pessoas falam de jivanmukti (Libertação enquanto no corpo) e videhamukti (Libertação após a morte), mas Bhagavan explicava que essa diferença só existe do ponto de vista do observador; para o próprio Iluminado não faz a mínima diferença se ele tem um corpo ou não.

Sr. Bannerjee: Qual é a diferença entre ojivanmukta e o videhamukta?
B.: Não há diferença. Para aqueles que perguntam, a resposta é dada de que o Iluminado com o corpo é ojivanmukta, e que ele alcança videhamukti quando abandona o corpo; mas essa diferença existe apenas para o observador, e não para ele. Seu estado é o mesmo antes e depois de abandonar o corpo. Nós pensamos que ele é a forma humana ou que está nela, mas Ele sabe que é o Eu, a Realidade Única, que é tanto interior como exterior, e que não é limitado por nenhuma forma. I lá um verso no Bhagavata (aqui Bhagavan cita o verso em Tâmil) que diz que assim como um bêbado não percebe se está usando seu casaco ou se o perdeu, assim também o Iluminado mal está consciente de seu corpo, e para Ele não faz nenhuma diferença se o corpo permanece ou cai à terra. 2

Não há estágios na Realização ou Mukti. Não existem níveis de Libertação. Então não pode existir um estágio de Libertação com o corpo e outro quando o corpo for abandonado. O Iluminado sabe que ele é o Eu Real e que nada, nem seu corpo nem nada mais, existe a não ser o Eu. Para alguém assim, que diferença faria a presença ou a ausência do corpo? Às vezes a Realização é chamada Turiya, o "Quarto Estado", pois ela é a Realidade que subjaz e dá suporte aos três estados de vigília, sonho, e sono profundo.

B.: Não há diferença entre o estado de vigília e o sonho, a não ser de que este é curto e aquele é longo. Ambos são produtos da mente. Como a vigília dura mais tempo nós imaginamos que ela é o nosso estado real; mas, na verdade, o nosso estado real é o que é às vezes chamado de Quarto Estado, que é sempre como é, e permanece intocado pela vigília, sonho, e sono. Como nós chamamos
estes três de "estados", nós chamamos aquele de estado também; entretanto, ele é apenas o estado natural do Eu Real. Dizer que é um "quarto" estado implicaria ser algo relativo, enquanto que na verdade ele é transcendental.
Na verdade, não há prisão.

A nossa verdadeira natureza é Libertação, mas nós imaginamos que estamos presos e fazemos um grande esforço para nos libertar, apesar de sermos sempre livres. Mas isso só é compreendido quando nós chegamos àquele estado. Então nós ficaremos surpresos ao descobrir que nós estávamos lutando freneticamente para atingir algo que nós sempre fomos e somos. Uma ilustração esclarecerá esse ponto. Um homem vai dormir nesta sala. Ele sonha que está fazendo uma viagem pelo mundo, atravessando montanhas e vales, florestas e planícies, mares e desertos, passando por vários continentes e, após vários anos, fatigado com essas viagens tão árduas, retorna a este país,
chega até Tiruvannamalai, entra no Ashram e caminha até esta sala. Então naquele momento ele acorda e percebe que não tinha saído dali o tempo todo, e que tudo fora um sonho. Ele não voltou a esta sala depois de grandes esforços - ele esteve aqui o tempo todo. E exatamente assim. Se você perguntar por que, estando lealmente livres, imaginamos que estamos presos, eu respondo, "Por quê, estando aqui na sala, você imaginou que viajava o mundo, atravessando montanhas e vales, mares e desertos?" Tudo é [o jogo da] mente ou maya.

Qualquer que seja o nome e forma sob o qual alguém possa adorar a Realidade Absoluta, isso é apenas um meio de Realizá-la, ela que é sem nome e forma. Apenas isso é a verdadeira Realização, com a qual você se conhece em relação a essa Realidade, alcança a paz, e realizar sua identidade com ela. A dualidade de sujeito e objeto, e a tríade de observador, observação, observado, só podem existir se sustentadas pelo Um. Se a pessoa se voltar ao interior em busca dessa Realidade Una, elas desaparecem. Aqueles que vêem isso são aqueles que vêem a Sabedoria. Eles nunca estão em dúvida. Qual é a verdade das escrituras que declaram que se alguém vir o Eu Real, verá Deus? Como alguém pode ver o próprio Eu? Se, já que nós somos um único ser, não podemos ver nosso próprio Eu, como podemos ver Deus? Apenas entregando-se a Ele.

O Divino dá luz à mente e brilha dentro desta. Exceto voltando-se a mente ao interior e fixando-a no Divino, não há nenhum outro meio de conhecê-Lo através da mente. Se alguém investigar "Quem sou eu?" dentro da mente, o "eu" individual cairá por terra transtornado assim que a consciência alcançar o Coração, e então imediatamente a Realidade manifesta-se espontaneamente como "Eu-Eu". Embora ela se revele como "Eu", não se trata do ego, mas sim do Ser perfeito, do Eu Absoluto. Para aquele que está imerso na beatitude do Eu Real, nascida da extinção do ego, o que resta a ser alcançado? Ele não está consciente de nada a não ser do Eu Real. Como pode o seu Estado, que é sem mente, ser compreendido pela mente? Apesar de as escrituras proclamarem "Você é Aquilo", é apenas um sinal de fraqueza mental meditar "Eu sou Aquilo, e não isto", porque você é eternamente Aquilo. O que precisa ser feito é investigar o que se realmente é, e permanecer Aquilo.

É ridículo dizer tanto "Eu não realizei o Eu Real" como "Eu realizei o Eu Real" - por acaso existem dois "eus", para que um seja objeto da realização do outro? E uma verdade dentro da experiência de cada um que há apenas um Eu.
E devido à ilusão nascida da ignorância que as pessoas falham em reconhecer e permanecer Naquilo que é sempre e para todos a Realidade inerente habitando como Eu Real em seu centro natural, o Coração, e que, ao invés disso, elas discutem se Ela existe ou não existe, se tem forma ou não tem forma, se é dual ou não dual. Buscar e permanecer na Realidade - o Eu verdadeiro – que está sempre conquistada é a única Conquista. Todas as outras conquistas (siddhis) são como as que são obtidas nos sonhos. Podem aqueles que estão estabelecidos na Realidade e livres de maya serem iludidos por elas? 1
Enquanto o homem se considerar o agente ele também colherá os frutos de suas ações; mas assim que ele realiza o Eu através da investigação "Quem age?", seu sentimento de ser o agente desaparece, e o karma triplo se extingue. Esse é o estado de Libertação eterna.

1 Neste verso Ramana Maharshi faz um jogo de palavras em Tâmil que clama por esclarecimento. A palavra siddhi significa, literalmente, "conquista", e em geral é utilizada significando "poder sobrenatural". Neste sentido, os siddhis são faculdades mentais extraordinárias obtidas por meio
de exercícios especiais de meditação, austeridades físicas (tapas), e rituais mágicos, O que Bhagavan quer apontar, aqui, é que todos esses "poderes" pertecem ao mundo da relatividade, de Maya, e que portanto são ilusórios; eles dependem, para sua existência, da utilização e perpetuação da mente, que é ela mesma uma entidade desconhecidacuja irrealidade o aspirante espiritual busca
evidenciar. Portanto, o único siddhi que vale a pena ser buscado, a única conquista real, é o Auto-Realização, ou atma-siddhi - o poder de conhecer (ou melhor, ser) o Eu Real. [N.T.] Apenas enquanto o sujeito se considera limitado é que os pensamentos "prisão" e "libertação" continuam. Quando a pessoa investiga interiormente "Quem sou eu que estou preso?", o Eu eternamente livre e auto-luminoso será realizado. Quando o sentimento de prisão chega ao fim, pode o pensamento de Libertação persistir? Se é dito que a Libertação é de três tipos - com forma, sem forma, e com e sem forma -, então deixe-me dizer-lhes que a extinção do ego que pergunta qual forma de Libertação é a correta, é a única verdadeira Libertação.


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