3º Capítulo - A vida no mundo

3º Capítulo - A vida no mundo

Uma vez que alguém decida começar a praticar os ensinamentos de Bhagavan, uma pergunta que pode surgir é como isso irá afetar a sua vida no mundo. O Hinduísmo não necessariamente prescreve uma renúncia física como condição para uma vida espiritual ativa, tal como prescrevia o ensinamento original de Cristo e do Buda. Pelo contrário, a condição da família é honrada e o caminho da ação correta é visto como legítimo, De fato, o sistema clássico na índia antiga era que um homem só deveria se entregar à vida sem lar de um renunciante depois de ter cumprido os seus deveres como chefe de família e de ter um filho adulto para lhe substituir.

No entanto, a doutrina da não-dualidade, junto com o caminho da auto-inquiriçao (que será descrito no capítulo cinco), que nela se baseia, era tradicionalmente reconhecido como adequado apenas àqueles que renunciavam à vida no mundo. Então é natural que os seguidores de Bhagavan lhe perguntassem se eles deviam renunciar ao mundo. Isso também era uma indicação notável da força da determinação espiritual que ainda existe na índia moderna, pois renunciar ao mundo não significava viver uma vida solitária em uma casinha num sítio isolado, como pode parecer no Ocidente, e nem se retirar para a segurança austera de um mosteiro, mas viver sem casa e sem dinheiro, dependendo da caridade alheia para ganhar comida e roupas, dormindo em cavernas, templos, ou onde fosse possível. Acontece às vezes nos dias de hoje de um sadhu receber um pequeno dote de sua família - dote suficiente para comprar comida e a mais simples vestimenta; mas mesmo assim é uma vida dura e crua. Apesar de tudo isso havia pedidos constantes de pessoas que desejavam tomar esse modo de vida, mas o Bhagavan sempre negava permissão. O trabalho era interno e deveria ser feito na mente, independente das condições exteriores de vida.

B.: Por que você se considera uma pessoa do mundo? Se você se tornar um sannyasin (renunciante) você será perseguido pelo pensamento de que é um sannyasin. Sua mente irá persegui-lo quer você viva em casa quer renuncie ao mundo para viver numa floresta. O ego é a fonte do pensamento; ele cria o corpo e o mundo, e faz você acreditar que é uma pessoa do mundo. Se você renunciar, o ego simplesmente substitui a ideia "sou uma pessoa mundana" pela ideia "sou um renunciante", e o ambiente da casa pelo da floresta. Mas os obstáculos mentais estarão lá à sua espera. Eles até aumentam bastante em novos ambientes. Mudar de ambiente não ajuda. O único obstáculo é a mente, e essa precisa ser superada, em casa ou na floresta. Se você pode vencê-la na floresta, por que não em casa? Então para que mudar de ambiente? Os seus esforços podem ser feitos agora mesmo, qualquer que seja o ambiente.

D.: É possível desfrutar o samadhi mesmo enquanto estamos ocupados com o trabalho mundano?
B.: O sentimento "eu trabalho" é o obstáculo. Pergunte-se: "Quem trabalha?". Lembre-se quem é você. Então o trabalho não irá aprisioná-lo; ele prosseguirá automaticamente. Não faça nenhum esforço nem para trabalhar nem para renunciar ao trabalho; o seu esforço é que é a prisão. O que está destinado a acontecer irá acontecer. Se você está destinado a trabalhar não poderá evitar o trabalho; você será forçado a se envolver com ele. Se você está destinado a não trabalhar, não conseguirá encontrar trabalho. Portanto, deixe isso nas mãos do Poder Maior. Não é, na verdade, escolha sua se você renuncia ou não. Quando as mulheres que carregam vasos d'água na cabeça param para conversar elas são muito cuidadosas, mantendo suas mentes voltadas aos vasos d'água. Da mesma forma, quando um sábio se dedica à atividade sua mente permanece fixada no Eu Real, e sua atividade não o distrai.
D.: Acredito que a castidade é necessária para o sucesso na auto-inquirição, mesmo para aqueles que levam uma vida de família. Estou certo?
B.: Primeiro descubra quem é o marido e quem é a esposa. Então essa pergunta não vai surgir.
D.: O Brahmacharya (celibato) não é necessário para a Realização?
B.: Brahmacharya significa "viver em Deus" e não propriamente "celibato" como é geralmente entendido. Um verdadeiro Brahmachari é alguém que vive em Deus e encontra a felicidade em Deus, que é idêntico ao Eu Real. Então por que deveria ele procurar outras fontes de felicidade? De fato, afastar-se do Eu Real é a causa de toda infelicidade.
D.: Mas o celibato não é necessário para o Yoga?
B.: Ele é uma ajuda entre outras.
D.: Então ele não é indispensável? Pode um homem casado alcançar a Compreensão do Eu Real?
B.: Com certeza. É uma questão de aptidão mental. Casado ou não o homem pode realizar o Eu Real, pois este está aqui e agora. Se não estivesse, mas fosse apenas atingível em um tempo futuro por meio de um esforço especial, se fosse algo novo a ser ganho, então não valeria a pena buscá-lo, porque aquilo que não é natural não pode ser permanente. O que estou dizendo é que o Eu está aqui
e agora e que apenas Ele é.
D.: É necessário tornar-se um sannyasin (renunciame) a fim de obter a Realização?
B.: "Sannyasa" significa renunciar à sua individualidade, e não raspar a cabeça e vestir um manto ocre. Uma pessoa pode ser alguém do mundo, mas se ela não tiver nenhum pensamento a respeito disso e abandonar as noções "eu sou um chefe de família", "eu sou um trabalhador", "eu sou assim e assim", "eu faço tal e tal coisa", então na verdade ela é um sannyasin. Da mesma forma, mesmo que alguém se vista como um renunciante e viva como tal, se ele tiver a noção "sou um renunciante" então não o é. Pensar sobre a própria renúncia frustra a sua finalidade.

O que você quer dizer por "tomar o sannyas"? Você acha que isso significa abandonar a sua casa ou usar um manto de uma cor específica? Onde quer que você vá, mesmo que flutue no ar, sua mente não vai com você? Você pode deixá-la para trás e partir sem ela? Por que os seus deveres ou ocupações na vida deveriam atrapalhar o seu esforço espiritual? Por exemplo, há uma diferença entre suas atividades em casa e no trabalho. No trabalho você está desapegado: você apenas cumpre o seu dever e não se importa com o que vai acontecer, não está preocupado com o ganho ou perda do seu chefe ou empregador. Os seus deveres com a família, por outro lado, são desempenhados com apego: você está sempre preocupado se as suas ações vão trazer benefício a você e sua família. Mas é possível desempenhar todas as atividades da vida com desapego e ver apenas o Eu Superior como real.

É errado pensar que se você permanecer fixado interiormente no Eu Real as obrigações da vida não serão bem desempenhadas. É como um ator no palco: ele se veste do personagem, age como ele e até sente que é parte da peça, mas na verdade sabe que na vida real não é o personagem, mas outra pessoa. Da mesma maneira, por que deveria a consciência do corpo ou o sentimento "eu-sou-o-corpo" lhe perturbar, uma vez que você saiba que na
verdade você não é o corpo mas sim o Eu Real? Nada que o corpo faça deveria afastá-lo da permanência como Eu real. Permanecer fixado no Eu Real não irá interferir com o desempenho adequado e efetivo de quaisquer deveres que o corpo tenha, assim como o fato de o ator saber a sua verdadeira identidade não interfere no personagem que ele representa no palco.

D.: Já foi dito claramente que enquanto houver mesmo que o mínimo traço da noção "eu sou o agente" não pode haver a Realização. Mas é possível para uma pessoa do mundo, que tem trabalho e família, e que deseja intensamente a Libertação, desempenhar suas atividades sem ter esse sentimento?
B.: Não há nenhuma lei que diga que as ações só podem ser feitas com base no sentimento "eu-souo-agente", então não há motivo para perguntar se elas podem ser feitas e os deveres serem cumpridos sem essa noção. Pegue como exemplo o caso de um contador que trabalha o dia inteiro no escritório e cumpre suas tarefas diligentemente. Pode parecer aos olhos dos outros que ele está carregando nas costas todas as responsabilidades financeiras da instituição; porém, se ele estiver consciente que não é pessoalmente afetado pelas entradas e saídas de capital ele conseguirá permanecer desapegado e livre da noção "eu-sou-o-agente", embora desempenhe suas tarefas perfeitamente bem. Da mesma forma, é possível a um sábio chefe de família que busque ardorosamente a libertação cumprir seus deveres sem nenhum apego, considerando a si mesmo apenas como um mero instrumento para isso. Uma atividade assim não é um obstáculo ao Caminho da Sabedoria (Jnana-marga), e nem é a Sabedoria um fator que impeça o cumprimento dos deveres da vida. A Sabedoria e a atividade nunca são mutuamente excludentes - uma não atrapalha a outra.

D.: Qual é o significado da vida de uma pessoa voltada para a espiritualidade mas que precisa dedicar todo o seu tempo apenas para sobreviver e sustentar a família, e que benefício ela e sua família recebem?
B.: Uma pessoa que assim cumpre seus deveres, e que trabalha para o sustento de sua família, ignorando o seu próprio conforto físico e conveniência pessoal, presta um serviço abnegado à sua família, cujas necessidades é seu destino atender. No entanto, pode-se perguntar qual é o benefício que uma pessoa assim recebe da família. A resposta é que a família como tal não lhe traz nenhum benefício, já que esse buscador cumpra os seus deveres para com ela como um meio de prática espiritual. O seu verdadeiro benefício está em alcançar a Bem-Aventurança e Felicidade perfeitas da Libertação, que é o objetivo último de todos os caminhos e sua recompensa suprema. Portanto, esse buscador não precisa de nada da sua família e nem de sua vida familiar.

D.: Como pode um chefe de família, que está constantemente envolvido no cumprimento ativo de seus deveres familiares – que naturalmente o levam a ser ainda mais ativo - obter a suprema paz da solidão e a liberdade das ansiedades inerentes à ação enquanto estiver assim envolvido?
B.: Apenas aos olhos dos outros é que parece que o chefe de família iluminado está envolvido com suas tarefas domésticas – embora pareça estar envolvido com elas, interiormente ele está imóvel e nada faz. As suas atividades exteriores não o impedem de viver a paz perfeita da solidão, e ele é livre da ânsia de agir mesmo em meio às suas atividades.
Visitante: Eu deveria me afastar do trabalho e me dedicar ao estudo do Vedanta?
B.: Se os objetos tivessem uma existência independente, ou seja, se existissem fora e separados de você, então seria possível você se afastar deles. Mas eles não existem assim - a sua existência depende de você, do seu pensamento. Então onde você pode ir para fugir deles? Quanto a estudar o Vedanta, você pode continuar lendo quantos livros quiser sobre o assunto - os livros só podem lhe dizer para realizar o Eu Real que está dentro de você. O Eu Real não pode ser encontrado nos livros. Você precisa encontrá-lo por você mesmo, em você mesmo.

D.: É útil fazer um voto de silêncio?
B.: A entrega é o silêncio interior, e entregar-se significa viver sem um sentido de ego.
D.: A solidão é necessária para um renunciante?
B.: A solidão está na mente do homem. Um homem pode estar em meio a uma multidão e mesmo assim manter uma perfeita serenidade mental. Uma pessoa assim está sempre em solidão. Outra pode viver em uma floresta, mas mesmo assim ser incapaz de controlar sua mente - não se pode dizer que ele vive em solidão. A solidão é uma atitude da mente. Um homem apegado às coisas da vida não está sozinho nunca, não importa onde ele esteja, enquanto que um homem desapegado vive sempre na solidão.

Como isso implica, o Bhagavan não aprovava fazer voto de silêncio como às vezes os buscadores fazem para criar uma espécie de reclusão, mesmo vivendo na sociedade. O verdadeiro silêncio, ele ensinava, é a quietude mental. Se a mente está ativa é inútil simplesmente não falar. É preciso
controlar ambos: fala e mente. O silêncio da solidão é forçado. Restringir a fala na vida em sociedade equivale ao silêncio, pois com isso o homem controla sua fala. Antes de existir a fala deve haver aquele que fala. Se a mente for utilizada de outra forma a fala é naturalmente restrita. Quando a mente se interioriza, ela permanece ativa de uma forma diferente, e então a pessoa não está ansiosa por falar. A finalidade do voto de silêncio é limitar as atividades mentais provocadas pela fala, mas se a mente é controlada diretamente isso se torna desnecessário e o silêncio passa a ser natural. Não é nem mesmo possível abandonar as atividades se a mente não estiver madura para isso.

D.: Como a atividade pode nos ajudar? Ela não acaba simplesmente aumentando o pesado fardo que precisamos abandonar?
B.: A ação feita abnegadamente purifica a mente e a ajuda a concentrar-se na meditação.
D.: Mas e se eu fosse apenas meditar constantemente sem fazer mais nada?
B.: Tente e veja. As suas tendências mentais inerentes não lhe deixarão em paz. A meditação só acontece passo a passo, com o enfraquecimento gradual dessas tendências por meio da graça de Deus.
Mesmo no caso de alguém que já tivesse cumprido o seu destino como chefe de família e tivesse filhos crescidos para lhe substituir, e que assim pudesse renunciar ao mundo (de acordo com a tradição hindu clássica), Bhagavan também não lhe autorizava fazê-lo.

D.: Eu não sinto mais nenhum prazer em minha vida familiar. Não me resta mais nada para fazer lá; eu fiz tudo o que deveria ser feito e agora já tem netos e netas na casa. Eu devo continuar lá ou deveria abandonar a casa e ir embora?
B.: Você deve ficar onde você está agora. Mas onde está você? Você está na casa ou a casa está em você? Existe alguma casa separada de você? Se você se estabilizar na sua própria morada você verá que todas as coisas desaparecerão em você e perguntas como essas se tornarão desnecessárias.
D.: Então eu devo continuar em casa?
B.: Você deve continuar no seu verdadeiro estado.

Às vezes perguntavam-lhe por que ele havia renunciado ao mundo se ele não aprovava esse caminho para os outros; e ele respondia simplesmente que esse era seu destino. Deve ser lembrado que o caminho que ele ensinou - a prática da auto inquirição combinada com a ação harmoniosa - é um novo caminho, criado por ele para satisfazer as necessidades do nosso tempo. Ele mesmo primeiro teve que alcançar a Realização, para depois ensinar o caminho rumo a ela.
D.: Eu posso fazer a prática espiritual mesmo tendo uma vida no mundo?
B.: Sim, com certeza; é isso o que deve ser feito,
D.: A vida no mundo não é um obstáculo? Todos os livros não estimulam a renúncia?
B.: O mundo está apenas na mente. Ele não declara: "Eu sou o mundo!". Se o fizesse, ele deveria ser algo permanente e sempre presente, mesmo no seu sono. Como o mundo não está presente durante o sono, ele é impermanente. Sendo impermanente, não é real. Não sendo real, ele é facilmente absorvido pelo Eu Real. Apenas o Eu é permanente. Renúncia é a não-identificação do Eu com o não-Eu. Quando a ignorância desaparece, o não-Eu cessa de existir. Essa é a verdadeira renúncia.
D.: Então por que você deixou sua casa quando era jovem?
B.: Esse era meu prarabdha-karma (destino desta vida). A trajetória de vida de cada pessoa é determinada pelo seu prarabdha. Meu prarabdha é desta maneira; o seu, dessa.
D.: Eu não deveria renunciar também? (prarabdha - A parte do karma passado cujo efeito será experimentado nesta vida. Às vezes é traduzido como "destino". Veja karma.)
B.: Se esse fosse o seu destino (prarabdha) essa pergunta não teria surgido.
D.: Então me parece que eu devo continuar no mundo junto com a minha prática espiritual. Mas se eu fizer isso será possível alcançar a Realização ainda nesta vida?
B.: Isso já foi respondido. Você é o Eu Real sempre. Os esforços sinceros nunca falham – com certeza eles resultarão em sucesso.

Com muitos visitantes europeus e com alguns indianos surgia a pergunta oposta - não se eles deveriam renunciar ao mundo, mas o que poderiam fazer para ajudá-lo. Para esses, "permanecer no mundo sem ser do mundo", interiormente seguindo a busca espiritual e exteriormente se adaptando às condições de vida, parecia reclusão de mais e não de menos. Até certo ponto as respostas de Ramana Maharshi variavam de acordo com o nível de compreensão do ouvinte; se este fosse capaz da compreensão espiritual, o Bhagavan lhe conduziria ao trabalho interior.

D.: Por que o mundo está envolto em ignorância?
B.: Cuide de si mesmo e deixe que o mundo cuide dele mesmo. O que é o seu eu? Se você é o corpo então também existe um mundo físico, mas se você é o Espírito então apenas o Espírito existe.
Visitante: O que o Bhagavan acha da reforma social?
B.: A auto-reforma automaticamente reforma a sociedade. Cuide de sua reforma interior e a reforma social irá cuidar de si mesma.

No entanto, geralmente as pessoas que levantavam esse tipo de objeção eram de um temperamento mais devocional, e precisavam de práticas de adoração e de uma religião dualista; para essas o Bhagavan prescrevia a submissão total a Deus. Tudo o que é necessário, então, é se submeter completamente à vontade de Deus e cumprir seus deveres, representando com total confiança seu papel no palco da vida. Isso é tudo o que se espera da pessoa - ela não é responsável pelos resultados das suas ações, só Deus é.
B.: Agora eu lhe farei uma pergunta: quando um homem entra no trem onde ele coloca sua bagagem?
D.: No bagageiro.
B.: Ele não a carrega na sua cabeça ou no colo, não é?
D.: Seria tolice fazer isso.
B.: No entanto, é mil vezes mais tolo querer carregar o seu próprio fardo uma vez que se tenha iniciado a busca espiritual, quer seja pelo caminho do conhecimento (jnana) quer pelo da devoção (bhakti).
D.: Mas eu posso realmente abandonar todas as minhas responsabilidades e compromissos?
B.: Você lembra da torre do templo? Nela há várias estátuas, não é mesmo? Bem, na base da torre tem quatro estátuas grandes, uma em cada ponta. Já reparou nisso?
D.: Sim.
B.: Bem, eu lhe digo que a torre gigante é sustentada por essas quatro estátuas.
D.: Como isso seria possível? O que Bhagavan quer dizer?
B.: Eu quero dizer que afirmar isso não é tão tolo quanto dizer que você carrega e sustenta todos os cuidados, fardos e responsabilidades da vida. O Senhor do universo carrega todo o fardo – você apenas imagina fazê-lo. Você pode seguramente entregar todos os seus fardos e problemas a Ele.
Então o que quer que você precise fazer acontecerá no momento certo, e você será apenas um instrumento para isso. Não imagine que você não possa agir a não ser que tenha o desejo de fazê-lo. Não é o desejo que lhe dá a força necessária (para agir) - a força é a de Deus.

Às vezes existia uma certa ansiedade sobre o estado do mundo e um desejo de assumir uma responsabilidade.

D.: O Bhagavan faria a gentileza de dar a sua opinião a respeito do futuro do mundo, já que estamos vivendo em tempos de crise?
B.: Por que se preocupar com o futuro? Você nem conhece o presente direito. Cuide do presente e o futuro cuidará de si próprio.
D.: O mundo vai entrar logo em uma nova era de solidariedade e ajuda mútua ou vai decair em caos e guerras?
B.: Existe um Ser que governa o mundo e é Sua tarefa cuidar dele. Aquele que deu vida ao mundo também sabe como cuidar dele. Ele carrega o fardo do mundo, e não você.
D.: Mas se eu olho ao meu redor com olhos despidos de ideias pré-concebidas é difícil enxergar onde está esse cuidado benevolente.
B.: Como você é, assim é o mundo. Qual é a utilidade de tentar entender o mundo sem entender a si mesmo? Os buscadores da Verdade não precisam se preocupar com isso. As pessoas desperdiçam sua energia com essas perguntas desnecessárias. Primeiro descubra a Verdade por trás de você, e então você estará em uma posição melhor para entender a Verdade por trás do mundo do qual você é uma parte.

Outro visitante pediu que Bhagavan escrevesse um prefácio para um livro que ele tinha escrito, chamado O Destino da Liberdade, ou algo do gênero. Ele disse que outra pessoa já havia concordado em escrever uma introdução, mas que ficaria grato se o Bhagavan escrevesse algumas palavras contendo sua mensagem e benção. Bhagavan explicou-lhe que ele nunca tinha feito isso, e que por tanto ele não deveria esperar isso dele. O visitante insistiu, e eu me esforcei para mostrar para ele que era inútil continuar insistindo. Então o visitante começou dizendo que o mundo precisa urgentemente de uma mensagem espiritual, e que os jovens da índia e do mundo não estão sendo bem educados, já que não aprendem a respeito dos valores espirituais, etc. Com isso eu lhe disse que na visão de Bhagavan uma pessoa deve conhecer a si mesma antes de tentar reformar o mundo,e que depois disso, se ela se sentir inclinada, pode começar a reformar o mundo. Eu senti que o visitante queria continuar discutindo, mas felizmente era hora do Parayanam (recitação dos Vedas) e ele teve que parar.

D.: Eu deveria tentar ajudar esse mundo miserável?
B.: O Poder que criou você também criou o mundo. Se Deus criou o mundo é tarefa Dele cuidar do mundo, e não sua. Entretanto, isso não significa que o ensinamento de Ramana Maharshi incentivava a frieza ou indiferença ao sofrimento humano. Aqueles que sofriam deveriam ser ajudados, mas ajudados num espírito de humildade. O que era desencorajado era o sentimento de auto-importância inerente ao esforço de tentar fazer o papel da Providência. Isso fica muito claro na seguinte passagem:
D.: Mas nós vemos sofrimento no mundo. Por exemplo: um homem passa fome. Isso é uma realidade física, é muito real para ele. Nós deveríamos, então, chamar isso de sonho e permanecermos indiferentes ao seu sofrimento?
B.: Do ponto de vista de Jnana ou Realidade, o sofrimento do qual você fala certamente é um sonho, assim como o mundo inteiro, do qual esse sofrimento é uma parte ínfima, também o é. No sonho que você tem enquanto dorme você sente fome e vê os outros sofrendo de fome. Você se alimenta e, movido por compaixão, alimenta os outros que também passam fome. Enquanto o sonho durava, todo esse sofrimento era tão real quanto é o sofrimento que você vê no mundo agora. Foi só depois de acordar que você descobriu que esse sofrimento era irreal. Você pode ter comido bastante antes de dormir, mas mesmo assim você sonhou que estava trabalhando o dia inteiro sob o sol ardente e que estava cansado e com sono. Então você acorda e descobre que seu estômago estava cheio e que você não saiu da cama. Mas isso não significa que enquanto você está no sonho você pode agir como se o sofrimento que sentisse não fosse real. A fome no sonho deve ser satisfeita pela comida do sonho.

As outras pessoas famintas que você encontra no sonho devem ser alimentadas com comida do sonho. Você nunca pode misturar os dois estados, o sonhar e o estar desperto. Da mesma forma, até que você alcance o estado de Realização, e assim desperte desse mundo fenomênico ilusório, você deve aliviar o sofrimento alheio sempre que entrar em contato com ele. Mas mesmo assim você deve
agir sem ego (ahamkara), isto é, sem o sentimento de que é você quem está agindo e ajudando. Em vez disso você deve sentir: "Eu sou o instrumento de Deus". Você também não deve ser vaidoso e pensar: "Eu estou ajudando um homem que está numa situação pior que eu. Ele precisa de ajuda e eu posso ajudá-lo. Eu sou superior e ele é inferior". Você deve ajudá-lo como um meio de venerar a existência de Deus nele. Todo serviço feito assim é um serviço prestado ao Eu Real, e não a ninguém em particular. Você não está ajudando ninguém além de si mesmo.

Em geral o Bhagavan desencorajava a atividade política dentre aqueles que se dedicavam à busca.

D.: Não é nosso dever sermos patriotas?
B.: O seu dever é Ser, e não ser isso ou aquilo. "Eu sou o que sou" resume toda a Verdade. E o método é a quietude.

Quando pessoas que já estavam envolvidas em atividades políticas o interpelavam, entretanto, ele simplesmente aconselhava que elas prosseguissem com as suas atividades com um espírito de entrega e serviço, buscando eliminar qualquer noção egoísta que tivessem em relação a isso.
D.: É correto desejar a independência (swaraj)
B.: Tal desejo sem dúvida começa com um interesse pessoal. Porém, o trabalho prático para esse objetivo gradualmente alarga o ponto de vista, de modo que o [eu do] indivíduo é absorvido pelo [eu da] nação. Tal absorção do indivíduo é desejável, e o karma envolvido é altruísta (nishkarma).
D.: Se, depois de muito esforço e sacrifício, a independência for dada à índia, não seria certo nós nos alegrarmos e nos orgulharmos com isso?
B.: Durante o seu trabalho a pessoa deve se render ao Poder Maior e nunca perder de vista que é este Poder que faz tudo. Então como ficar orgulhoso? A pessoa não deveria nem se preocupar com o resultado de suas ações. Só assim o karma será altruísta. Mahatma Gandhi se rendeu ao Poder Divino e trabalha sem nenhum interesse pessoal. Ele não se preocupa com os resultados de suas ações, mas aceita-os como eles vêm. Essa deve ser a atitude de todos aqueles que trabalham pela nação.

Pergunta: Então o trabalho terá sucesso?
B.: Essa pergunta surge porque quem pergunta não se rendeu.
P.: Então nós não deveríamos pensar sobre, e trabalhar pelo, bem estar social?
B.: Primeiro cuide de si mesmo. Depois o resto surge naturalmente.
P.: Eu não estou falando por mim, mas pela nação!
B.: Primeiro entregue-se e depois veja o que acontece. As dúvidas surgem porque você não se entregou. Fortaleça-se por meio da entrega e você descobrirá que tudo à sua volta irá melhorar na proporção da força adquirida por você.

As pessoas que tinham um temperamento mais voltado à atividade e que achavam difícil entender que espiritualmente não existem "outros", perguntavam se não era algo egoísta buscar sua própria Realização. Elas não compreendiam que a expressão "sua própria" não é aplicável à Realização, e que não apenas o egoísmo, mas o próprio ego deveria ser renunciado. Também perguntavam ao Bhagavan porque ele não pregava seus ensinamentos publicamente.

D.: Por que Bhagavan não prega o seu ensinamento para grandes públicos?
B.: Como você pode dizer que eu não faço isso? Por acaso pregar significa subir numa plataforma e fazer sermões? Pregar é simplesmente transmitir o Conhecimento, e isso pode ser feito em silêncio também. O que você pensa de alguém que fica uma hora ouvindo sermões e depois vai embora sem ter sido impressionado por eles a ponto de mudar sua vida? Compare essa pessoa com outra que se senta por um tempo na presença silenciosa de um ser Iluminado, e depois vai embora completamente transformado. O que é melhor: pregar em voz alta sem provocar nenhum efeito, ou sentar-se silenciosamente e emanar força intuitiva para agir nos outros? Além disso, como surge a fala?
Primeiro existe o Conhecimento abstrato (não manifestado). Desse surge o ego, que por sua vez dá origem aos pensamentos e palavras. Então temos:
Conhecimento Abstrato – Ego - Pensamentos – Palavras As palavras, assim, são os bisnetos da fonte original. Se as palavras produzem algum efeito, imagine quão mais poderoso não é o ensinamento por meio do silêncio.

O Bhagavan respondia, àqueles que duvidavam disso, que a Realização é a melhor ajuda que se pode dar aos outros. De fato, o próprio Bhagavan era prova disso: inúmeras pessoas eram ajudadas no seu âmago mais profundo, elevadas acima da confusão e do sofrimento, e direcionadas a um caminho seguro de paz e compreensão, tudo pela graça de sua influência silenciosa. Paradoxalmente, ele também sempre as lembrava que, do ponto de vista do Conhecimento, não há outros para ajudar.

D.: A minha Realização ajudará os outros?
B.: Sim, com certeza. E a melhor ajuda que você pode lhes dar. Mas na verdade não há "outros" a serem ajudados, pois o Ser Realizado vê apenas o Eu Real, assim como o ourives vê apenas o ouro ao avaliar as várias jóias feitas de ouro. Os nomes e formas separados existem apenas enquanto você se identifica com o corpo. Todavia, quando você transcende a consciência do corpo, os "outros" também desaparecem.
D.: O mesmo vale para as plantas e árvores?
B.: Por acaso elas existem separadas do Eu Real? Descubra. Você pensa que as vê; esse pensamento é projetado por você. Descubra de onde ele surge. Então, [quando você chegar à Fonte] os pensamentos não mais surgirão e apenas o Eu Real permanecerá.
D.: Eu entendo isso teoricamente, mas os pensamentos ainda estão lá.
B.: Sim, é como um filme no cinema. Tem a luz projetada sobre a tela, e as imagens que passam rapidamente entre a luz e a tela dá a impressão de movimento, e criam o filme. Então imagine que na história desse filme também aparece uma audiência assistindo um [outro] filme. Aqueles que veem e o filme visto estarão ambos na tela. Agora aplique isso a si mesmo: você é a tela, o Eu Real criou o ego, e o ego tem suas acreções de pensamentos, que são projetados como o mundo e as árvores e plantas, sobre os quais você pergunta. Na realidade tudo isso nada mais é que o próprio Eu Real. Se você compreender o Eu Real verá que ele é tudo, em todos os lugares e em todos os momentos. Nada existe além do Eu Real.

O mesmo foi explicado ao Sr. Evans-Wentz, o famoso escritor sobre o Tibete. E.W.: Dizem que há vários santos no Tibete que vivem solitariamente e mesmo assim ajudam muito o mundo. Como pode isso?
B.: Isso é perfeitamente possível. A Realização do Eu é a maior ajuda que pode ser dada à humanidade. Por isso é que se diz que os santos ajudam, mesmo que eles vivam sozinhos em florestas. Mas deve ser lembrado que a solidão não está apenas nas florestas: mesmo em meio à
grande atividade mundana a pessoa pode estar interiormente em silêncio.
E.W.: Não é necessário que os santos se misturem com os outros?
B.: O Eu Real é a única Realidade; o mundo e o resto não são [reais]. O Ser Realizado não vê o mundo como algo diferente de si mesmo.
E.W.: Então isso significa que quando um homem alcança a Realização isso eleva a humanidade mesmo sem esta estar consciente disso?

B.: Sim; a ajuda é imperceptível, mas está lá. Um ser Realizado ajuda a humanidade como um todo, mesmo que ela não perceba.
E.W.: Mas não seria melhor que ele se misturasse com os outros?
B.: Não existem "outros" com quem se misturar. O Eu Superior é a única Realidade.
E.W.: Se existissem cem pessoas que realizaram o Eu Real, isso não seria um benefício maior ao mundo?
B.: Quando você diz "Eu Real" você está se referindo ao ilimitado, mas quando você fala em "pessoas" você limita o significado. >>>>>>Há apenas um Eu Infinito.<<<<<<
E.W.: Sim, entendo. Sri Krishna disse no Gita que o trabalho deve ser feito sem apego, e que trabalhar assim é melhor do que permanecer na inércia. Isso é karma yoga?
B.: O que é dito é adaptado ao temperamento do ouvinte.
E.W.: Na Europa as pessoas não entendem que um homem pode ajudar a humanidade mesmo vivendo isolado. As pessoas imaginam que apenas aqueles que trabalham no mundo podem ser úteis. Quando essa confusão vai terminar? A mente dos europeus vai continuar patinando na lama ou vai compreender a Verdade?
B.: Esqueça-se de "Europa" ou "América". Onde eles estão senão na sua própria mente? Compreenda o seu verdadeiro Eu e então tudo mais é compreendido. Se você vê inúmeras pessoas em um sonho e depois acorda e se lembra do sonho, você vai tentar descobrir se essas pessoas que você criou no sonho também estão acordadas? Uma pessoa Auto-Realizada não pode deixar de ajudar o mundo nem que queira. A sua própria existência é o maior bem.

Nenhum comentário:

Postar um comentário