Nota do tradutor
Na realização do presente trabalho tivemos como objetivo
fornecer uma tradução fiel e acessível do livro original, The Teachings of
Ramana Maharshi in His Own Words, tendo como paradigma o ponto de vista do
leitor que nada conhece a respeito.
Tal orientação não nos impediu, entretanto, de buscar as fontes
originais das quais foram tiradas as inúmeras citações que compõem este livro
e, num processo de comparação crítica entre as versões às quais tivemos acesso,
escolher a melhor forma de expressar os ensinamentos de Ramana Maharshi.
Principalmente no que se refere aos trechos extraídos dos textos filosóficos e
poéticos que o próprio Bhagavan (= Mestre
ou professor) escreveu,
consultamos a tradução inglesa de mais de um autor – sempre dando preferência
àqueles que viveram com o Mestre (Guru) e dele receberam ensinamentos e esclarecimentos
diretos. Isso porque os textos originais, compostos em Tâmil ou outra língua de
origem dravidiana, seguidamente frustram as tentativas de tradução literal de
seu conteúdo.
Assim, todos os trechos retirados das seguintes obras foram
comparados com as traduções presentes no The Path of Sri Ramana de Sri Sadhu
Om, e no Maha Yoga de Sri Lakshmana Sarma, sendo a nossa tradução final um
produto deste processo: Essence of Instruction (Upadesa Undyar); Forty Verses e
Supplementary Forty Verses (Ulladu Narpadu) e Wbo am I? (Nan Yar?). Também, algumas
transcrições feitas do Talks with Sri Ramana Maharshi foram comparadas com o
original.
Cada palavra foi cuidadosamente escolhida, de forma que não raro
nós consultamos os dicionários mesmo quando traduzindo palavras e expressões já
conhecidas. Os trechos entre parênteses já estavam contidos no original em
inglês; já o que se encontra entre colchetes foi acrescentado por nós com a
intenção de esclarecer o significado do ensinamento, quando uma tradução
literal não bastava, ou quando a comparação com outras fontes indicasse ser
desejável tal medida.
O texto original não continha um glossário, como é indicado no
Prefácio. Entretanto, atentando ao fato de que muitos termos que já são
conhecidos aos leitores de língua inglesa interessados no assunto não o são ao
público geral brasileiro, achamos oportuna a inclusão de um glossário ao final do
livro, onde as palavras de origem estrangeira estão brevemente explicadas. O
glossário foi desenvolvido com base nos glossários presentes em outros livros
do Ramana Maharshi (tais como: The Collected Works of Ramana Maharshi 1; Be As You Are 2; Ensinamentos Espirituais 3, Ramana Maharshi e o Caminho do Autoconhecimento (livro para ser lido) 4; Maha Yoga 5 e também por meio de livre pesquisa do tradutor em outras fontes
relacionadas.
O nome completo pelo qual o mestre era conhecido é Bhagavan Sri Ramana Maharshi. No texto ele é em geral chamado Bhagavan, mas, a fim de evitar
a deselegância e o desgaste da repetição, também por vezes o chamamos Sri Ramana, Ramana Maharshi ou apenas
Maharshi.
Outras palavras também frequentemente utilizadas no texto são Sat e Ananda. Sat foi às vezes traduzida como "Existência", outras vezes como "Ser", tendo
também o significado de "Verdade"
e "Realidade".
Ananda foi em geral traduzida como "Bem-Aventurança",
tendo-se às vezes usado as palavras "Felicidade" e "Beatitude" a fim de evitar a repetição.
Todos esses termos devem ser entendidos como sinônimos.
Um dos pontos mais difíceis da tradução foi a palavra Atma. Em
outros livros já publicados no Brasil (sobre Yoga, filosofia oriental, e sobre Ramana Maharshi
também), Atma foi traduzida como "Eu Superior", "Si", "Si-Mesmo", "Espírito" e "Verdadeiro Eu".
Em inglês o termo utilizado é sempre Self, para Atma e I ou self (com minúscula) para o ego (em
sânscrito, ahamkara). Em português é mais difícil manter essa distinção.
Optamos por traduzir ahamkara (ou self) por "ego" ou "eu"
(letra minúscula); e Atma (Self) por "Eu Real", ou "Eu". Isso porque Sri Ramana
era categórico ao afirmar que não existem dois "eus", um superior e
outro inferior, mas que existe apenas um Eu, e que o ego, o que os seres não
iluminados tem como seu "eu", é irreal, sendo apenas um reflexo do
verdadeiro Eu.
Que esta obra sirva como uma luz para orientar os buscadores da
Verdade. Niraj
(=Iluminado)
1 Editado por Arthur Osborne. Edição de 1997 por Red
Wheel/Weiser LLC (Boston, EUA). 2 Editado por David Godman e publicado em 1985
por Penguin Arkana (Londres, Inglaterra). 3 Publicado no Brasil pela Editora
Pensamento. 4 Editado por Arthur Osborne e publicado no Brasil pela Editora
Pensamento. 5 Publicado no Brasil em 1950 pela Editora Record.
6 Maharshi significa "Grande Sábio",
sendo um título dado àqueles Mestres que inauguram um novo caminho espiritual
para a humanidade. Pronuncia-se "maharixi", com o h aspirado.
7 "É ridículo dizer "realizei o Eu (Atmari)" ou
"não realizei o Eu (Atman)". Por acaso existem dois eus, para um ser
objeto da realização do outro? A verdade da experiência de
todos é que existe apenas um Eu." (Verso 33 do Ulladu Narpadu, tradução de Arthur Osborne).
"Geralmente se diz: 'Conhece-te a ti mesmo'. Mas mesmo isso
não está correto, pois se nós falamos em conhecer o Eu, devem existir dois Eus,
um que conhece, o outro que é conhecido, e o processo do conhecimento. [Mas] o estado que nós chamamos de Realização é simplesmente
ser quem você é, [e] não conhecer algo ou
tornar-se algo. Se alguém alcançou a Realização, ele é apenas aquilo que é e
que sempre foi." - Thus Spake Ramana, 67.
Uma
vida de luz
Venkataraman foi o nome dado por Sundaram Ayiar e Alagammal, ao garoto que
nasceu em Tiruchuzi, pequena aldeia no Sul da índia, em 30 de dezembro de 1879,
e que mais tarde seria conhecido no mundo como Bhagavan Sri Ramana Maharshi.
Nada havia de anormal no
rapaz. Possuía um corpo forte, se destacando no futebol, artes marciais, natação,
entre outros esportes. O único fator incomum a respeito de Venkataraman era o
seu sono profundo, inabalável, e sua assombrosa força física. Seu sono era tão
profundo que em certas ocasiões seus colegas - que jamais tinham a oportunidade
de vencê-lo em um combate - aproveitavam-se de seu estado para carregá-lo para
fora de sua cama, dar-lhe uma surra, e então "devolvê-lo" ao seu quarto,
sem que Venkataraman jamais suspeitasse do ocorrido.
Aos 12 anos seu pai faleceu, e a família foi viver em Madurai
com seu tio paterno Subbaiyar. Lá ele foi enviado para a escola Scott de ensino
médio e depois para a escola Missão Americana. Ele era um aluno indiferente,
nem um pouco aplicado em seus estudos.
O garoto não manifestava nenhum interesse em espiritualidade,
meditação ou religião. No final do ano de 1895, o jovem Ventakaraman, ao
encontrar um parente mais velho que vinha de uma peregrinação, abordou-o com a
pergunta: "De onde está vindo?", ele respondeu "de
Arunachala". O nome Arunachala encontrou profundo eco em Seu coração, como
se lhe despertasse alguma sutil recordação e assim fez a pergunta: "Ah! De
Arunachala! Onde fica isto?" a resposta foi "em Tiruvannamalai".
Essa conversa, e a leitura da obra Periyapuranam - que é uma coleção de
biografias de 63 santos seita Saiva [adoradores de Shiva] da religião hindu -
foram os únicos contatos que o
jovem Venkataraman teve com a vida espiritual. Entretanto, aos
seus 16 anos de idade, em julho de 1896, ocorreu uma experiência que
transformou a sua vida para sempre, na qual ele percebeu claramente que ele não
é o corpo, mas sim o Espírito eterno, que não nasce nem morre.
Essa "experiência" foi o divisor de águas em sua vida.
Neste momento sua individualidade
dissolveu-se no Eu Real, e aquele jovem indiano que nada tinha de
promissor transforma-se em um dos maiores Sábios que a índia já conheceu. A
Realização aconteceu para ele na forma de um súbito insight. Ele percebeu a
verdade diretamente. O Ser era algo verdadeiramente real, a única coisa real.
Na
terminologia espiritual, ele havia "Realizado o Eu",
ou "Alcançado a Iluminação/Libertação"; o que normalmente surge
apenas como resultado de anos de intensa prática espiritual (sadhana), para o jovem Sábio surgiu
espontaneamente, sem nenhum prática ou desejo prévios. O medo da morte desapareceu
para sempre. O ego foi perdido na explosão da Auto-Consciência.
Movido por um chamado interior, Venkataraman abandona seus
estudos e sua vida em sociedade, e parte em rumo a Tiruvannamalai, a cidade em
que se situa a lendária montanha de Arunachala. Chegando ao seu destino, o
garoto iluminado joga fora todo o seu dinheiro e posses, e entrega-se a desfrutar
profundamente o estado de Paz e Beatitude recém descoberto. Sua absorção nesta Consciência
era tão profunda que ele permanecia desligado de seu corpo e de todo o mundo
exterior por dias a fio. Durante os dois ou três anos em que permaneceu imerso
neste profundo estado de samadhi, mosquitos e escorpiões comiam parte de seu corpo, seu cabelo e
unhas cresceram enormemente, sendo que se alimentava apenas quando um
transeunte apiedado com o estado deplorável do seu corpo lhe oferecia algo para
ingestão. No final deste período Venkataraman começou aos poucos a retomar a
sua vida física normal, transição esta que se completou apenas alguns anos
depois, mas sem nunca perder a consciência de seu verdadeiro Eu.
Uma descrição mais detalhada dessa experiência é encontrada no
prefácio do livro, feito pelo editor original.
Na medida em que o jovem Sábio foi retomando consciência do
mundo exterior, passou a irradiar uma aura de Paz que começou a atrair
buscadores interessados em beneficiar-se de sua presença. Em seus primeiros
anos Venkataraman permanecia em completo silêncio, sendo que eventuais perguntas
de buscadores que o visitavam ou moravam em sua proximidade eram respondidas
sendo escritas em pedaços de papel ou na areia. Aquela época, um de seus
primeiros seguidores, impressionado pela sabedoria e santidade daquele garoto,
deu-lhe o nome de Bhagavan Sri Ramana Maharshi, pelo o qual passou a ser
conhecido desde então. "Bhagavan" é um título honorífico dado a grandes mestres iluminados,
significando "Senhor"; "Sri" é um prefixo de respeito; "Ramana" é contração de seu nome de batismo; "Maharshi" significa "Grande
Sábio".
Mesmo depois de vários anos, quando Sri Ramana voltou a falar,
falava muito pouco, de forma que seus ensinamentos eram transmitidos por outros
meios. Ao invés de dar instruções verbais ele constantemente emanava uma força
silenciosa que aquietava as mentes daqueles que estavam em sintonia com ela, e
ocasionalmente até mesmo lhe davam uma experiência direta do estado no qual ele
mesmo estava perpetuamente imerso. Anos depois ele tornou-se mais disposto a
dar ensinamentos verbais, mas, mesmo então, os ensinamentos silenciosos sempre
estavam à disposição daqueles que sabia fazer bom uso deles. Ao longo de sua
vida Sri Ramana insistia que esse fluxo silencioso de energia representava seus
ensinamentos em sua forma mais direta e concentrada. A
importância que ele dava a isso é indicada por suas assertivas
frequentes no sentido de que seus ensinamentos verbais serviam apenas àqueles
que não podiam compreender seu silêncio.
Na medida em que os anos foram passando ele tornou-se cada vez
mais famoso. Uma comunidade cresceu em volta dele, milhares de visitantes
vinham vê-lo, e durante os últimos vinte anos de sua vida ele era largamente
conhecido como o Santo mais popular e reverenciado da índia. Alguns desses milhares
eram atraídos pela paz que eles sentiam em sua presença, outros pela
propriedade com a qual ele guiava buscadores espirituais e interpretava
ensinamentos religiosos, e outros simplesmente vinham falar de seus problemas e
sofrimentos. Quaisquer que fossem as razões, praticamente todos que tinham
contato com ele saiam impressionados com a sua simplicidade e humildade. Quando
uma vez o então presidente da índia prestou uma visita a Mahatma Gandhi, este lhe
disse "se você está buscando a Paz sugiro que visite Ramana
Maharshi".
Bhagavan estava disponível aos visitantes vinte e quatro horas
por dia, uma vez que dormia e vivia em um espaço comunitário, o qual estava
sempre acessível a todos, e seus únicos bens eram a sua roupa do corpo, um pote
de água, e sua bengala. Embora fosse adorado por milhares como uma encarnação
divina, ele se recusava a permitir que qualquer um lhe tratasse como alguém
especial, e recusava receber qualquer coisa que não fosse igualmente dividia
entre todos a sua volta. Sri Ramana trabalhava junto em sua comunidade e por
muitos anos acordava diariamente às 3:00 da manhã para preparar comida aos residentes no ashram. Seu sentimento de
igualdade era legendário. Os visitantes eram todos tratados com respeito e
consideração iguais, fossem eles mendigos, executivos, membros da realeza, ou
animais. Sua preocupação igualitária se estendia até mesmo às árvores locais:
ele desencorajava seus seguidores a arrancarem flores ou folhas das árvores, e buscava
assegurar-se que toda e qualquer fruta que fosse retirada das árvores o fosse
feito da maneira que a árvore sofresse apenas a quantidade mínima de dor.
Assim, ao longo de mais de 50 anos, vivendo aos pés da montanha
Arunachala, Sri Ramana deu ensinamentos e transformou as vidas de inúmeros
visitantes e buscadores. Ele ensinou o caminho do auto-conhecimento através da
auto-inquirição - a pergunta "Quem sou eu?". Em lugar de procurar saber isto ou aquilo da vida
fenomênica, ele aconselhava seus devotos a praticar seu caminho direto, através
da Auto-inquirição. Sri Bhagavan
sempre enfatizou a única Verdade essencial necessária para a Libertação dos
problemas do cotidiano: "Há apenas o SER, e nada além do SER!". Boa parte de seus ensinamentos foram anotados e publicados,
constituindo assim uma herança espiritual inestimável para a humanidade,
apontando um caminho direto e eficaz, acessível a todos aqueles que
desejem alcançar o estado de Liberdade do qual tais ensinamentos
emanaram.
Sri Ramana Maharshi deixou o corpo físico [Maha Samadhi] em 14 de abril de 1950, padecendo de câncer. Em nenhum momento,
entretanto, demonstrou qualquer espécie de preocupação ou aflição com a grande
dor física que seu corpo sofreu nos últimos anos, ou com a perda do mesmo, permanecendo
sempre com o mesmo olhar imerso em Paz.
Embora, durante a sua vida, milhares de pessoas de todo o mundo
tenham sido atraídas para o seu Ashram (comunidade espiritual) no sul da índia, hoje em dia o número de visitantes é ainda
maior. Eles viram nele um sábio sem o menor traço mundano, um santo de
incomparável pureza, uma testemunha da eterna Verdade do Vedanta. Não é sempre
que um gênio espiritual da magnitude de Sri Ramana visita a Terra, mas quando
tal evento acontece, a humanidade inteira se beneficia e uma
nova era de esperança se abre.
Om Namo
Bhagavate Sri Ramanaya
1 O resumo bibliográfico acima
foi elaborado em com base nos seguintes textos: GODMAN, David (editor). Be As
You Are, Londres: Penguin, 1985. MAHADEVAN, T.P.M Bhagavan Ramana.
Tiruvannamalai: Sri Ramanasramam, 2005. RAMANASRAMAM, Sri. The Eternal Light -
Bhagavan Sri Ramana Maharshi (DVD). Tiruvannamalai: Sri Ramanasramam, 2003. SADHU
OM. The Path of Sri Ramana - Part I. Tiruvannamalai: Sri Ramana Kshetra, 1997
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