5º Capítulo - Auto-Inquirição
Apesar de Ramana Maharshi não se descrever como um Guru (pelos
motivos expostos no capítulo anterior), ele de fato constantemente agia como
tal, Sempre que vinha um visitante com perguntas ele o redirecionava da teoria
à prática; e, ao explicar e prescrever métodos de prática espiritual ele era
tão acessível quanto relutante em expor mera teoria. Ele dizia com frequência
que o verdadeiro ensinamento acontecia no silêncio - o que não significava que
ele não dava exposições verbais. Estas indicavam ao buscador qual deveria ser o
sentido dos seus esforços, enquanto que a influência do seu silêncio lhes
ajudava nisso.
Como será mostrado no próximo capítulo, Sri Bhagavan autorizou
muitos métodos diferentes; entretanto, ele colocava a maior ênfase na
auto-inquirição, e a recomendava constantemente. Por isso este método será
tratado em primeiro lugar. A auto-inquirição (atma vichara) não é um método
novo. Na verdade, sendo o
método mais direto de todos deve também ser o mais antigo. Todavia, nos
tempos antigos este era um caminho reservado aos poucos que heroicamente se
retiravam do mundo e viviam na solidão, dedicando seu tempo unicamente à
meditação. Nos tempos modernos, como é de se esperar, esse método se tornou
cada vez mais raro. O que Ramana Maharshi fez foi restabelecê-lo de uma forma
nova, combinado com o caminho da ação (karma marga), de tal forma que ele
pudesse ser usado nas condições do mundo moderno. Como não requer nenhuma
ritualística ou forma exterior, ele é o método ideal para as necessidades da
contemporaneidade. E, mesmo assim, ele não foi enfraquecido nem diluído por ter
sido adaptado às condições da vida moderna, mas permanece central e direto.
Para a aquietação da mente não há nenhum outro meio mais eficaz
do que a auto-inquirição. Através dos outros métodos a mente apenas parecerá
ter se aquietado, mas ela surgirá novamente. Este é o método direto. Todos os
outros métodos só podem ser praticados retendo-se o ego, e neles surgem muitas
dúvidas, enquanto que a pergunta última é apenas atacada no final. Mas neste método,
a pergunta última é a única pergunta e ela é levantada desde o começo. A auto-inquirição o leva diretamente à Auto-Realização, pois remove os obstáculos
que fazem você acreditar que o Eu Real ainda não foi alcançado. A diferença entre a meditação e a auto-inquirição é que a
meditação requer um objeto sobre o qual se foca a atenção, enquanto que na
auto-inquirição há apenas o sujeito e nenhum objeto.
D.: Por que apenas a auto-inquirição deve ser considerada o caminho
direto para a realização?
B.: Porque todos os outros métodos (sadhanas), com exceção da
auto-inquirição, pressupõem a retenção da mente como um instrumento de prática
do caminho, e sem a mente não podem ser praticados. Com isso o ego pode assumir
formas mais sutis e elevadas nos diferentes estágios da prática, sem ser ele
mesmo destruído. A tentativa de destruir o ego ou a mente por outros métodos
que não atma vichra é como o ladrão que se torna policial para
pegar o ladrão que é ele mesmo. Apenas atma vichara pode revelar a verdade de
que nem o ego nem a mente realmente existem, assim possibilitando a realização
do Ser puro e indiferenciado do Eu Real ou Absoluto.
Essa declaração de que a mente não é utilizada no método da auto-inquirição não
era sempre compreendida. Portanto, quando lhe perguntavam, Bhagavan explicava
que isso significa que a mente não é tomada como uma entidade real, mas que a
própria existência da mente é questionada, e que esse é o caminho mais fácil
para dissolver a ilusão de sua existência.
B.: Pedir que a mente destrua a mente é como fazer do ladrão o
policial: ele irá com você e vai parecer que ele prendeu o ladrão, mas nada
será feito. Então o que você precisa
fazer é olhar para dentro e ver de onde a mente surge. Uma vez que você vir a
Fonte da mente, ela desaparecerá.
D.: Mas pedir para a mente voltar-se para dentro e buscar sua Fonte
não é empregá-la?
B.: É claro, estamos usando a mente. E de conhecimento comum que a
mente só pode ser extinta com a ajuda da mente. Mas a diferença é que ao invés
de começar dizendo que a mente existe e que eu quero destruí-la, você começa
buscando sua fonte, e quando você encontra a Fonte você vê que a mente não
existe. A mente voltada para fora resulta em pensamentos e objetos; voltada
para o interior ela se torna ela mesma o Eu Real. Pode-se dizer que a mente
cessa de existir ou que ela se transforma no Eu Real - o significado é o mesmo.
Não significa que a pessoa se toma inerte e fria como uma pedra, mas que a Pura
Consciência do Eu Real não está mais confinada aos estreitos limites de uma
mente individualizada, e que a pessoa não mais vê através de uma lente obscura
(o ego), mas com clareza e visão radiante. Através da investigação firme e
contínua da natureza da mente, a mente é transformada Naquilo a que o
"eu" se refere - e isto é o Eu Real.
A mente sempre
depende de algo grosseiro para sua existência; ela nunca subsiste por si mesma.
E a mente que também é chamada de corpo sutil, ego (ahamkara) e alma (jiva).
A mente é aquilo que surge no corpo físico como sendo o "eu". Se alguém investigar onde esse pensamento-eu
surge no corpo, descobrirá que é no Coração (hrdayam). Este é a fonte e o
suporte da mente. Ou então, se alguém repetir interiormente para si mesmo
"eu-eu" de forma contínua e com a mente toda focada no Coração,
chegará à mesma Fonte.
O primeiro pensamento a surgir na mente é o
pensamento-eu. Todos os outros inumeráveis pensamentos surgem apenas depois do
pensamento-eu e têm nele sua origem. Em
outras palavras, apenas depois do pronome de primeira pessoa, "eu", surgir, é que os pronomes de segunda e terceira pessoa, "tu" e "ele", ocorrem para a mente; estes não
subsistem sem aquele. Como todos os outros pensamentos só podem surgir depois
do aparecimento do pensamento-eu, e como a mente nada mais é do que um
conglomerado de pensamentos, é apenas através da inquirição "Quem sou eu?" que a
mente será extinta. Além disso, o pensamento-eu -
implícito na investigação "Quem sou eu?" – destruirá todos os outros
pensamentos e, como a vareta usada para avivar a pira funerária, no final ele
mesmo será consumido.
Já deve estar claro, pelo que foi exposto até agora, que a
auto-inquirição ensinada por Ramana Maharshi é algo bem diferente da
introspecção aconselhada pelos psicólogos. Na verdade, atma vichara não é um
processo mental, em absoluto. A
"introspecção" é estudar os conteúdos e a composição da mente,
enquanto que a auto-inquirição é um esforço de investigar a origem da mente a
fim de chegar ao Eu Real, que é sua fonte.
B.: Já que a mente ou ego deve ser descartada de qualquer
maneira, por que perder tempo analisando-a? Libertação é perguntar: "Quem sou eu que estou preso?" e assim conhecer sua verdadeira
natureza. Auto-inquirição é apenas manter a mente sempre voltada para dentro e
assim permanecer constantemente no Eu Real. Assim como aquele que deseja livrar-se do lixo não precisa
analisar seu conteúdo, também aquele que deseja conhecer o Eu Real não precisa
classificar e enumerar os
Tattvas (A palavra
Tattva é a junção de duas outras, Tat (significa aquilo) e Tvam (significa ti).
Tattva basicamente significa tudo, aquilo que é ti, a verdadeira forma de tudo).
que o encobrem, mas apenas os rejeitar por completo.
Ele deve considerar o mundo e a si mesmo como um mero sonho.
Assim também a auto-inquirição se diferencia da psicanálise e de
qualquer tipo de tratamento psiquiátrico. Tais tratamentos só podem ter como
objetivo a produção de um ser humano normal, integrado e saudável, mas eles não
levam a pessoa a transcender o estado de ego individual, já que aqueles que
conduzem esses tratamentos não alcançaram essa transcendência, e assim não
podem
abrir o caminho que eles mesmos não trilharam. No entanto, uma
coisa que a auto-inquirição nos seus estágios iniciais tem em comum com o
tratamento da psicanálise, é que ela traz à tona, das profundezas de nossa
mente, pensamentos e impurezas ocultos.
D.: Quando tento meditar os outros pensamentos surgem com mais
força do que o normal.
B.: Sim, todos os tipos de pensamentos surgem na meditação. Isso é
assim mesmo: tudo o que estava oculto em você é trazido à tona. Se não for
assim, como esses pensamentos poderão ser dissolvidos? Os pensamentos surgem
espontaneamente apenas para serem extintos no momento certo. Com isso a mente
vai se fortalecendo.
D.: Quando eu tento me concentrar, pensamentos de todos os tipos
surgem e me distraem. Quanto mais me esforço mais pensamentos vêm. O que devo
fazer?
B.: Sim, isso é normal. Tudo o que está dentro de você vai
tentar sair. O único jeito é deter a mente constantemente e fixá-la no Eu Real
sempre que ela se desviar, sem desanimar.
D.:
O Bhagavan disse que uma vez que se comece a investigação, os outros
pensamentos devem ser rejeitados; mas os pensamentos não têm fim. Se um
pensamento é rejeitado logo depois surge outro, e isso parece não ter fim.
B.: Eu não disse que você deve ficar rejeitando
pensamentos. Se você agarrar a si mesmo - ou seja, se você agarrar o
pensamento-eu (ou ego) - e mantiver-se interessado apenas nesse único pensamento,
então os outros pensamentos serão rejeitados e desaparecerão automaticamente. Assim como a auto inquirição não é introspecção, como esta é
entendida pelos psicólogos, ela
também não é uma especulação ou reflexão filosófica em busca de
uma conclusão racional.
D.; Quando me pergunto: "Quem sou eu?",
vem a resposta: "Eu não sou esse corpo mortal,
mas sim a Consciência, o Eu Real." Então outro pensamento surge
repentinamente: "Por que o Eu Real se manifestou?" Em outras
palavras, "Por que Deus criou o mundo?"
B.: A investigação "Quem sou eu?" significa tentar encontrar a
fonte do ego ou pensamento-eu. Então você não deve ocupar a mente com outros
pensamentos, tais como "Eu não sou o corpo", etc. Buscar a fonte do "eu" é um meio de se livrar dos
outros pensamentos. Você não deve
deixar nenhum espaço para outros pensamentos tais como os que você mencionou,
mas apenas manter toda a mente fixada na fonte do pensamento-"eu".
Toda vez que um pensamento lhe distrair dessa "auto atenção" (ahammukba),
você deve se perguntar: "Para quem surgiu este pensamento?"; e, descobrindo
que foi "para mim", deve retornar ao pensamento-"eu"
perguntando: "Quem sou eu e de onde
eu venho?
Às vezes, no entanto, Bhagavan permitia ou até mesmo usava o
trabalho intelectual para convencer o principiante da irrealidade do ego ou eu
individual, e assim levá-lo à auto-inquirição. Mas esse processo discriminativo
não era em si a auto-inquirição.
D.: Quem sou eu? Como descobrir essa resposta?
B.: Faça a pergunta a você mesmo. O corpo (annamayakosa) e suas
funções não são o "eu". Indo mais
a fundo, a mente (manomayakosa) e suas funções também não são o
"eu". O próximo passo o leva à pergunta: De onde surgem esses
pensamentos? Os pensamentos podem ser espontâneos, superficiais ou analíticos.
Eles operam na mente, mas quem está consciente deles? Com isso a existência,
surgimento e operação dos pensamentos se tornam claros ao indivíduo. Esta análise leva à conclusão de que a individualidade [o
pensamento "eu"] é aquilo que está consciente da existência dos
pensamentos e da sua sequência. Essa individualidade é o ego ou, como as pessoas dizem, é o
"eu". O intelecto (vijnanamayakosa)
é apenas um dos revestimentos do "eu", mas não é o próprio "eu".
Investigando ainda mais, surgem as perguntas: "O que é este 'eu'? De onde
ele vem?" "Eu" não
estava consciente durante o sono. Assim que o "eu"
surge o sono se transforma em sonho ou vigília.
Mas agora o estado de sonho não me interessa. Quem sou eu agora,
no estado de vigília? Se o "eu" surgiu no momento em que o sono
acabou, então o "eu" estava coberto de ignorância [durante o sono].
Tal "eu" ignorante não pode ser o Eu a que as Escrituras e os Sábios
se referem. O [verdadeiro] "Eu" está além até mesmo do sono; este Eu
deve estar aqui e agora, e deve ser o que eu era [na realidade] durante o sono
e o sonho também, não sendo afetado por esses estados. O "Eu"
[verdadeiro] deve ser, portanto, o substrato não qualificado por detrás dos
três estados (quando até mesmo o revestimento anandamayakosa é transcendido). [Duas
senhoras Parsi chegaram de Ahmedabad e tiveram o seguinte diálogo com o
Bhagavan.]
Senhoras: Bhagavan, desde crianças temos inclinação para a
espiritualidade. Nós já lemos diversos livros sobre filosofia e nos sentimos
atraídas pelo Vedanta. Por isso nós lemos os Upanishads, o Yoga Vasistha, o
Bhagavad Gita, etc. Nós tentamos meditar, mas não vemos nenhum progresso. Não sabemos
como alcançar a Realização; o Bhagavan pode nos ajudar?
B.: Como vocês meditam?
S.: Eu começo me
perguntando "Quem sou eu?", e elimino o corpo como não-eu, a
respiração como não-eu e a mente como não eu, mas não consigo ir além disso.
B.: Bem, é só até aí que a
mente pode ir. O seu processo é apenas mental. Na verdade as
escrituras apenas ensinam esse processo para guiar o buscador até a Verdade.
Mas a Verdade não pode ser indicada diretamente, então por isso se usa esse
processo mental. Veja bem, o
"eu" que elimina todo o resto como "não-eu" não pode
eliminar a si mesmo. Para poder dizer "eu não sou isto, eu sou Aquilo"
deve existir um "eu" que o diz. Esse "eu" é apenas o ego, ou
pensamento-eu (aham-vritti). Depois desse pensamento-eu surgir, todos os outros
pensamentos surgem; assim, o pensamento-eu é o pensamento raiz. Se a raiz é
cortada fora todo o resto cai também. Portanto busque a
raiz, o "eu". Pergunte a si mesma "Quem sou eu?" e descubra a fonte do
"eu". Então todos esses problemas desaparecerão e restará apenas o
puro Eu Real.
S.: Mas como eu devo
fazer isso?
B.: O "eu" está sempre aí, quer seja no sono profundo,
no sonho ou no estado de vigília. Quem dorme é o mesmo que está falando agora.
Sempre existe o sentimento de "eu". Se não fosse assim você estaria
negando a sua própria existência. Mas ninguém nega que existe. Você diz
"eu sou". Descubra quem é.
S.: Eu ainda não entendi. Você está dizendo que o
"eu" agora é o falso "eu". Como eliminar esse falso "eu"?
B.: Você não precisa eliminar nenhum falso "eu".
Como pode o "eu" eliminar a si mesmo? Tudo o que você precisa fazer é
encontrar a Fonte do "eu", e permanecer lá. O seu esforço só pode
levá-la até este ponto. A partir daí o Transcendental vai tomar conta de si
mesmo. Você não pode fazer mais nada então. Nenhum esforço pode chegar até Ele.
S.: Se "eu"
existo sempre, aqui e agora, por que não sinto isso?
B.: Quem diz que
você não sente? O Eu real ou o eu falso? Investigue e você descobrirá que é o falso
eu que o diz. Este falso eu é o obstáculo que
deve ser removido para que o verdadeiro Eu possa deixar de estar oculto. O sentimento "eu não realizei" é o obstáculo à
Realização. Na verdade já há a Realização. Não há nada mais a ser realizado. Se
houvesse, a realização seria algo novo que não existia antes, mas que
acontecerá em algum momento no futuro; mas tudo o que surge também desaparece.
Se a Realização fosse algo assim não seria eterna e, sendo transitória, não valeria
a pena ser buscada. Portanto, o que nós buscamos não é algo que vai começar a
existir, mas sim aquilo que existe eternamente, mas que está velado por nossas
obstruções mentais. èTudo o que precisamos fazer é remover a obstrução. O Eterno
só não é reconhecido como tal devido à ignorância; logo, a ignorância é o
obstáculo. Livre-se dela e tudo estará bem. A ignorância nada mais é do que o pensamento-"eu"
– descubra sua fonte e ele desaparecerá.
O pensamento-"eu" é como um fantasma que, apesar de
ser impalpável, surge simultaneamente com o corpo, vive e desaparece junto com
ele. A consciência "eu sou o corpo/este é meu corpo" é o falso eu.
Abandone-a. Você pode fazer isso buscando a fonte do sentimento "eu".
O corpo não diz "eu sou". E você que diz "eu sou o corpo".
Descubra o que é este "eu"; busque sua fonte e ele desaparecerá.
S.: Então haverá a
Bem-Aventurança?
B.: A Bem-Aventurança, ou Beatitude, é equivalente ao
Ser-Consciência. Tudo o que se diz sobre o Ser eterno aplica-se à Felicidade
eterna também. A sua [verdadeira] natureza é a Felicidade. A ignorância está
apenas temporariamente ocultando a Felicidade - basta remover a ignorância e haverá
apenas Beatitude.
S.: Nós não deveríamos
buscar descobrir a realidade última do mundo, do indivíduo e de Deus?
B.: Esses todos são conceitos do "eu". Eles só surgem
depois do pensamento-"eu". Por acaso você pensava sobre eles durante
seu sono profundo? Não; no entanto, você existia durante o sono, e é o mesmo
"eu" que existe e fala agora. Se essas três
entidades fossem
reais, não deveriam elas existir no seu sono também? Sua existência depende do
pensamento-"eu". Além disso, por acaso o mundo declara "eu sou o
mundo"? O corpo declara "eu sou o corpo"? É você que diz:
"este é o mundo", "este é o corpo", e assim por diante.
Então esses são apenas conceitos seus. Descubra o que você
é, e isto será o fim de todas as dúvidas.
S.: O que acontece com o
corpo após a Realização? Ele continua existindo ou não? Nós vemos os seres
iluminados desempenhando ações, assim como as outras pessoas.
B.: Não se preocupe com isso agora. Você pode perguntar isso depois de
iluminar-se, se ainda houver necessidade. Quanto aos seres iluminados, deixem
que eles cuidem de si mesmos. Por que se preocupar acerca de seu estado? Na verdade, após a Realização, nem o
corpo nem nada mais parecerá ser diferente do Eu Real.
S.: Se nós sempre somos Ser-Consciência-Beatitude
(Sat-chit-ananda = existência) por que Deus dificulta as coisas para nós? Por
que Ele nos criou?
B.: Por acaso Deus
vem e lhe diz que Ele o colocou em dificuldades? É você, o falso
"eu", quem diz isso. Se este "eu" desaparecer não haverá
mais ninguém para dizer que Deus criou isso ou aquilo. Aquilo que é nem mesmo
diz "eu sou"; por acaso surge alguma dúvida "eu não sou?"
Apenas se surgisse uma dúvida se o sujeito é uma vaca ou um búfalo é que ele
precisaria se lembrar "não sou um animal, sou um ser humano" - mas
isso nunca acontece para o Real. O mesmo vale para a própria existência e
realização da pessoa.
A seguinte citação nos traz de volta daquilo que a
auto-inquirição não é para o que ela é. Quando a mente
investiga a sua própria natureza incessantemente será descoberto que não existe
nada como "mente". Este é o
caminho direto aberto a todos. A mente é apenas um conglomerado
de pensamentos. De todos os pensamentos o pensamento-"eu" é a raiz. Busque
interiormente a fonte da qual surge esse pensamento-"eu",
então o eu (o ego) desaparecerá. Essa é a busca da Sabedoria; isso é a
auto-inquirição. Onde o "eu"
desaparece o "Eu Superior" brilha espontaneamente. Isto é o Infinito, o Todo (purnam):
Se o ego é, tudo o mais também é. Se o ego não é, nada mais
é. De fato, o ego é tudo. Por isso, a investigação sobre o que é o ego é a única
forma de renunciar tudo. O estado de
não-surgimento do "eu" é o estado de ser AQUILO ("Grande Alma", um grande homem ou
santo). Como se pode atingir a extinção do "eu", com a
qual o ego não mais surge, senão buscando a fonte da onde o "eu"
surge? Sem alcançar isso, como é
possível permanecer no estado verdadeiro, onde se é AQUILO? Assim como um homem
mergulha para pegar um objeto que caiu na água, também o buscador deve mergulhar
dentro de si mesmo com uma mente aguçada e unifocada, controlando a respiração e a fala, e descobrir o local de onde o "eu" surge. O método direto de alcançar a Auto-Realização é mergulhar
no Coração em busca da fonte do
"eu". A meditação "eu não sou isso; eu sou Aquilo" pode ser
uma ajuda para a auto-inquirição, mas não é a auto-inquirição em si. Se você investigar dentro de sua própria mente "Quem sou eu?", o eu individual ficará confuso e cairá por terra no
momento em que você chegar ao Coração, e imediatamente a Realidade se manifesta
espontaneamente como "Eu Superior". Embora Ela se revele como "Eu", esse
"eu" não é o ego, mas o Ser perfeito, o Eu Absoluto.
B.: As noções de prisão e libertação são meras modificações
mentais (vrittis). Elas não têm realidade independente, e por isso não podem
funcionar por si só. Como elas são a manifestação de alguma outra coisa, deve
haver uma entidade (independente delas) que seja sua fonte e suporte comum. Se,
portanto, a pessoa investigar [em busca dessa] fonte: "Para quem existe a
prisão e libertação?", será descoberto que é "Para mim", isto é,
para a própria pessoa. Se então ela investigar "Quem sou eu?" sinceramente, descobrirá que
não existe o "eu" e "meu". Aquilo que "sobra",
uma vez que o "eu" desaparece - ou melhor, é visto como não existente
-, é realizado de forma vivida e direta como o Eu que ilumina a si mesmo e que
é como é. Essa Realização viva, que é a experiência direta e imediata da
Verdade Suprema, vem naturalmente, sem nada de especial sobre ela, a todos
aqueles que, permanecendo assim como são, mergulham interiormente sem permitir
que a mente se exteriorize nem por um momento, e nem desperdiçam seu tempo em
conversas vãs. Portanto, não há nenhuma
dúvida sobre a bem estabelecida conclusão de que para aquele que alcançou a
Realização - e assim é idêntico ao Eu Real - não há nem prisão nem libertação.
B.: O Eu Real é Pura Consciência. Porém, a pessoa se identifica
com o corpo que é insensível. O corpo não diz "eu sou o corpo". O Eu ilimitado também não o faz. Alguém diz - quem é? Um "eu" imaginário surge entre a Pura Consciência
e o corpo inerte e se imagina limitado ao
corpo. èèBusque esse eu e ele desaparecerá como um fantasma. Este
fantasma é o ego, a mente, ou a individualidade. Todas as escrituras se baseiam no
surgimento desse fantasma, cuja eliminação é seu objetivo. O estado presente é uma mera ilusão; a dissolução desta é a
meta, e não qualquer outra coisa.
O Bhagavan se refere aqui ao ego como "miragem" ou
"falso eu". Na explicação dada às duas senhoras Parsi ele falou de "falso eu" e "verdadeiro Eu". Por questões práticas Maharshi
às vezes falava em "abandonar o falso eu" para se buscar o Eu Real;
no entanto, isso não significa que existem dois "eus" no homem. O que na verdade ele queria dizer é que deve-se cessar
de identificar a consciência a um "eu" individual, a fim de poder perceber que esta
consciência é idêntica ao Eu Real
e que deste se origina. Ele frequentemente insistia que não existem dois
"eus" para que um possa buscar e conhecer o outro. De acordo com a
verdade da não dualidade, ver o Eu é ser o Eu;
deoutra maneira seríamos forçados a aceitar a dualidade sujeito-objeto e a
tríade observador-visão-objeto visto.
D.: Como realizar o Eu?
B.: Eu de quem? Descubra.
D.: Meu! Mas quem sou eu?
B.: É você que deve descobrir.
D.; Eu não sei.
B.: Quem diz "eu não sei?" Quem é o "eu" na
sua afirmação? O que não é sabido?
D.: Algo ou alguém em mim.
B.: Quem é esse alguém? Em quem?
D.: Talvez algum poder...
B.: Descubra!
D.: Por que eu nasci?
B.: Quem nasceu? A resposta é a mesma para todas as perguntas.
D.: Então, quem sou eu?
B.: (Rindo) Você veio aqui para me interrogar? Você deve
descobrir quem você é.
D.: Por mais que eu tente não pareço conseguir agarrar o
"eu". O "eu" nem mesmo é perceptível claramente.
B.: Quem é que diz que o "eu" não é perceptível? Por
acaso existem dois "eus" em você, para que um não seja perceptível ao
outro?
D.: Ao invés de investigar "Quem sou eu", posso
perguntar-me "Quem é você?", para que assim minha mente permaneça
fixa em você, que eu considero Deus sob a forma de Mestre? Talvez eu ficarei
mais perto do objetivo da minha busca se fizer esta pergunta em vez de me
perguntar "Quem sou eu?".
B.: Qualquer que seja a forma que sua investigação tome, no
final você deve retornar ao Eu único, ao Ser. Todas essas distinções feitas
entre "você" e "eu", "mestre" e
"discípulo", são apenas sinais de ignorância. Apenas o Eu supremo é -
pensar diferentemente é iludir-se.
Portanto, como o seu objetivo é transcender aqui e agora essas
superficialidades através da auto inquirição, onde haverá espaço para fazer
distinções entre "você" e "eu", sendo que estas pertencem
apenas ao corpo? Quando você volta sua mente para o interior, buscando a fonte
do
pensamento, onde está o "você" e onde está o
"eu"? Você deve buscar e ser o Eu que inclui todas as coisas.
D.: Mas não é engraçado que o "eu" deva buscar o
"eu" [isto é, a si mesmo]? A investigação "Quem sou eu?"
não resultará afinal numa fórmula vazia? Ou devo ficar repetindo a pergunta a
mim mesmo interminavelmente, como um mantra?
B.: Certamente a auto-inquirição não é uma fórmula vazia; e ela
é mais do que a mera repetição de mantras. Se a auto inquirição "Quem sou eu?" fosse um mero processo mental,
aí então ela não teria muito valor. O propósito da auto inquirição é focar toda
a mente na sua fonte. Não é, portanto, o caso de um "eu" buscando
outro "eu". Muito menos é ela uma fórmula vazia, já que envolve uma intensa
atividade de toda a mente para manter-se estabelecida em pura Autoconsciência. A auto inquirição é o método infalível, o único método
direto de realizar o Ser absoluto e incondicionado que você em realidade é.
èèè As passagens que seguem
mostram ainda mais claramente que a auto inquirição é o esforço de seguir a
"pista" do pensamento-" eu" até chegar à sua Fonte - que é
a Pura Consciência ou Eu Real -, e não de um "eu" (o ego) descobrir o outro (o Eu verdadeiro).
V.: Segundo o que me foi dito, a sua escola ensina que eu
devo encontrar a fonte dos meus pensamentos. Como faço isso?
B.: Eu não tenho nenhuma escola; no entanto, é verdade que
a pessoa deve buscar a fonte de todos os pensamentos.
V.: Imagine que eu tenha o pensamento "cavalo", e
procure saber de onde ele veio. Fazendo isso eu vejo que ele vem da memória, e
que esta surgiu da percepção passada de um "cavalo", mas isso é tudo.
B.: Quem lhe pediu para pensar tudo isso? Esses também são
pensamentos...Qual é o bem que você espera ganhar pensando assim sobre a
memória e a percepção? É um processo interminável, como a discussão sobre o que
veio antes, a árvore ou a semente. Investigue quem tem essa percepção e memória.
O
"eu" que tem essa percepção e memória, de onde ele vem? Descubra.
A percepção, a memória e qualquer
outra experiência surgem sempre para este "eu". Você não tem essas experiências durante o sono e mesmo assim
você existe enquanto dorme, assim como existe agora. Isso apenas mostra que
o EU continua enquanto
as outras coisas vão e vem.
V.: Você me diz para
encontrar a Fonte do "eu", e é isto o que eu quero descobrir, mas
como? Qual é a fonte de onde eu vim?
B.: Você veio da mesma Fonte em que estava durante o sono. A diferença é que durante o sono você estava absorto no Eu
Real inconscientemente, e é por isso que você deve fazer a auto inquirição enquanto
acordado [para mergulhar no Eu Real conscientemente].
[Alguns devotos presentes na ocasião aconselharam o visitante a
ler o Who am I (Quem sou eu) e o Ramana Gita, e Bhagavan concordou. O visitante
leu os livros durante o dia e à noite perguntou:]
V: Aqueles livros prescrevem a auto-inquirição; mas como
fazê-la?
B.: Isso também está escrito
nos livros.
V.: Eu devo me concentrar no pensamento "Quem sou
eu?"
B.: èèVocê deve se concentrar interiormente e ver de onde surge o
pensamento-"eu". Ao invés de voltar-se para fora, volte-se para
dentro e veja onde surge o pensamento-"eu".
V.: E o Bhagavan diz que
se eu vir isso realizarei o Eu Superior?
B.: Não existe o "realizar o Eu Superior". Como é
possível realizar, ou "tornar real", aquilo que já é real? As pessoas
"realizam", ou encaram como real, o que é irreal, e tudo o que
precisam é desistir de fazer isso. Quando você fizer isso você permanecerá como
[realmente] é e sempre foi, e o Real será Real. Todas as religiões e suas práticas surgiram apenas para
ajudar as pessoas a desistirem de ver o irreal como real.
V.: De onde vem o nascimento?
B.: Nascimento de quem?
V.: Os Upanishads dizem: Aquele que conhece Brahman toma-se
Brahman.
B.: Não se trata de "tornar-se", mas sim de Ser.
"Não existe realizar o Eu Superior" - o Bhagavan
costumava assim lembrar, aos que perguntavam, que apenas o Eu Real é, agora e
sempre, e que não é algo novo a ser descoberto. Esse paradoxo é a essência do
não-dualismo.
Respondendo a uma pergunta sobre qual é o melhor caminho para
alcançar a meta, Bhagavan disse:
"Não há meta a ser alcançada. Não há nenhum objetivo a ser
atingido. Você é o Eu Real. Você existe sempre. Nada mais pode ser afirmado sobre o Eu
além de que ele É. Ver Deus ou o Eu Real é apenas ser o Eu Real, que é você
mesmo. Ver é Ser.
Você, já sendo o Eu Real, quer saber como alcançar o Eu Real. É como uma pessoa
que está no Ramanasramam perguntando qual é o melhor caminho para chegar ao
Ramanasramam. èèTudo o que você precisa fazer é abandonar a sua
identificação com esse corpo e abandonar todos os pensamentos de coisas
externas, isto é, de coisas que não são o Eu Real. Por mais que a mente se
exteriorize em direção aos objetos dos sentidos, detenha-a e fixe-a no Eu. Esse
é todo esforço que se requer de sua parte.
Apesar desse paradoxo, entretanto, o Bhagavan também enfatizava
a necessidade do esforço, tal como foi explicado no capítulo dois deste livro.
A prática intensa e incessante é indispensável até o
momento em que a pessoa permanece sem o mínimo esforço no estado original da
mente, no qual está livre do pensamento; em outras palavras, até o "eu", "meu", "mim" serem completamente erradicados e destruídos.
É com o propósito de
salvaguardar o ponto de vista de que não há nada novo a ser descoberto que o Advaita
explica que tudo o que é
necessário é remover o véu da ignorância. Assim como a remoção das
nuvens revela o céu azul que já estava lá, assim também a remoção da ignorância
apenas revela o Real que por ela parecia estar oculto.
Como
posso conhecer o Eu Real?
B.: O Eu Real sempre é. Não há que "conhecê-lo".
Não se trata de um novo conhecimento a ser adquirido. O que é novo, ou seja,
que já não è aqui e agora, não pode ser permanente. O Eu Real sempre é, mas o
Conhecimento (jnana) dele está obstruído, e a obstrução chama-se ignorância
(ajnana). Remova a ignorância e o Conhecimento resplandece.
Na verdade esta ignorância e este conhecimento não pertencem
ao Eu Real - eles são apenas sobreposições a serem afastadas. E por isso que se
diz que o Eu Real está além do conhecimento e da ignorância. Ele permanece como
naturalmente é - isso é tudo.
Essa concentração no Eu Real, é claro, pressupõe um grande controle
sobre a mente, e muitos reclamavam que isso não era fácil. Em uma noite um
visitante perguntou ao Bhagavan como controlar a mente que vive divagando. Ele disse
que isso era algo que particularmente o incomodava. Bhagavan respondeu rindo:
"Isso não é exclusividade sua. É
isso o que todos perguntam e que é tratado por todas as escrituras, tal como o Gita.
Que outro meio há, senão puxar a mente
de volta ao interior toda vez que ela vaguear ou voltar-se para fora, como
aconselhado no Gita? Claro que não é algo fácil de ser feito. Apenas com a prática
o controle da mente se torna possível". Então o visitante reclamou que a mente sempre se desvia para
aquilo que deseja, e que não fica focada no objeto de concentração.
=èQuando esse tipo de reclamação surgia Ramana Maharshi às
vezes respondia que a auto inquirição não dá nenhum objeto para a mente se
concentrar, mas apenas faz com que a consciência volte-se para si mesma,
buscando a sua fonte. Na presente ocasião, entretanto, ele respondeu do ponto
de vista do desejo ou da felicidade.
B.: Todos buscam apenas aquilo que lhes trará felicidade. A sua
mente divaga em direção aos objetos exteriores porque você acredita que
encontrará felicidade neles; mas descubra de onde a felicidade realmente vem,
mesmo a felicidade que você acredita originar-se dos objetos dos sentidos. Então você perceberá que toda felicidade vem apenas do Eu e, com isso, será capaz
de permanecer no Eu.
As vezes as pessoas reclamavam da dificuldade de dominar os
pensamentos. Então Bhagavan novamente os reportava à auto inquirição,
aconselhando-os a investigar quem era o pensador ou, no caso de dúvidas, quem
duvidava. Pode haver milhares de dúvidas, mas ninguém nunca duvida da existência
daquele que duvida. Quem é ele?
As dúvidas
só terão um fim quando o "duvidador"
e sua Fonte forem descobertos. É inútil buscar remover uma dúvida após a outra,
interminavelmente. Se uma dúvida for esclarecida outra surgirá em seu lugar, e
não haverá fim para isso. Mas se você buscar a fonte do "duvidador" e assim descobrir que
aquele que duvida é em si mesmo inexistente, então todas as dúvidas cairão por terra.
O controle da mente, evidentemente, implica em concentração; mas
por "concentração" ele não queria dizer se concentrar em um objeto
(embora também autorizasse esse método, como se verá no capítulo seguinte), mas
sim se concentrar no sentimento de ser, no sentimento interior "eu"
ou "eu sou", excluindo todos os pensamentos e objetos.
Concentração não é pensar sobre algo. Pelo contrário, é
excluir todos os pensamentos, já que todos os pensamentos obstruem a
experiência do verdadeiro ser da pessoa. Todo esforço tem por objetivo apenas
remover o véu da ignorância. Em
inúmeras passagens já citadas, o Bhagavan não só pede ao buscador para
investigar o pensamento-"eu", mas também para descobrir de onde ele
surge. =èIsso conecta a auto inquirição com a concentração no
coração no lado direito do peito (mencionada no capítulo um) e mostra ainda mais claramente
que atma vichara não é um processo intelectual. De fato, durante a prática da auto
inquirição, um sentimento interior de libertação pode ser experimentado
fisicamente neste centro.
B.: Concentrar a mente apenas no Eu Real resultará em Felicidade ou
Bem-Aventurança. Voltar os pensamentos para o interior, restringindo-os e
evitando que eles se desviem para fora é chamado desapego (vairagya). Fixar a consciência no Eu Real é a prática
espiritual (sadhanaa). Concentrar-se no Coração e concentrar-se no Eu Real são equivalentes
- "Coração" é apenas outro nome para o Eu Real. G.V. Subbaramiah: Está escrito em algum
livro que para alcançar a Realização última a pessoa deve, mesmo depois de
alcançar o sahasrara (o chakra do lótus de mil pétalas localizado no topo da cabeça),
retornar ao Coração, e que este se situa no lado
direito do peito.
B.: Não, não encontrei isso em livro algum. No entanto, em um
livro Malayalam de medicina eu me deparei com um verso localizando o coração no
lado direito do peito, e traduzi esse verso para o Tâmil no Suplemento aos
Quarenta Versos. Nós não sabemos nada a respeito dos outros centros. Nós não
podemos ter certeza do que alcançamos ao nos concentrar neles e realizá-los. Mas o "eu" surge do coração e, para se alcançar
a Auto-Realização, ele deve retornar ao coração. Seja como for, esta foi minha experiência. Saiba que a Autoconsciência
pura e imutável do Coração é o Conhecimento que, através da destruição do ego,
dá a Libertação. O corpo é inerte como um boneco de barro. Como o corpo em si
não tem a consciência-"eu", e como no sono, onde não há corpo, nós
experimentamos diariamente a nossa existência natural ["eu sou"], o corpo não pode ser o "eu". Quem é, então,
causa o sentimento de "eu"? Onde está ele? Na cavidade
do Coração daqueles que assim investigam e que conhecem e
permanecem como Eu Real, o Senhor Arunachala-Shiva brilha Ele mesmo como a
Consciência "eu sou Aquilo".
D.; Bhagavan ensina que o coração é o centro do Eu Real?
B.: Sim, é o centro supremo do Eu. Você não precisa
desconfiar disso. O Eu Real está lá no coração por detrás do ego (eu falso).
D.: O Bhagavan me faria o
favor de dizer onde ele fica no corpo?
B.: Ainda que eu lhe diga que fica aqui (aponta para o lado direito do
peito) você não pode conhece-lo com sua mente e nem representá-lo com sua
imaginação. O único caminho direto de realizá-lo é parar de imaginar e apenas
tentar ser você mesmo. Então automaticamente você sentirá que o centro é aí. É
o centro que é mencionado nas escrituras como "cavidade do coração".
D.: Posso ter certeza de
que os sábios antigos se referiam a este centro quando falavam em "coração"?
B.: Sim, você pode, mas você deveria se preocupar mais em
experimentá-lo do que em localizá-lo. Um homem não precisa localizar os seus
olhos para poder ver. O coração está lá, sempre aberto para você se você quiser
entrar; embora você não perceba, ele está sempre servindo de base a seus movimentos.
Talvez seja mais correto dizer que o Eu Real é o
Coração.
Realmente, o Eu é o centro e
ele está sempre consciente de Si mesmo como sendo o Coração
ou Auto-Consciência.
D.: Quando Bhagavan afirma que o Coração é o centro supremo do Espírito ou Eu Real, isso significa que ele não é um dos seis centros yóguicos
(chakras)?
B.: Os centros yóguicos, contados de baixo para cima, são uma
série de centros no sistema nervoso. Eles representam vários níveis, cada um
tendo a sua própria espécie de poder ou conhecimento, indo até o sahasrara, o
lotas de mil pétalas situado no cérebro, que é o assento do Supremo Shakti (poder).
Mas o Eu Real, que é a base de todo o movimento de
Shakti, não está lá, mas sim no centro
coração.
D.: Então é diferente da
manifestação de Shakti?
B.: Na verdade não existe nenhuma manifestação de Shakti além do Eu
Real. O Eu se transformou em todos esses shaktis. Quando o Yogui alcança o mais
alto estado de consciência espiritual (samadhi) é de fato o Eu Real no Coração
que o sustenta neste estado, quer ele esteja consciente disso ou não. Porém, se sua
consciência está centrada no Coração ele percebe isso qualquer que seja o
centro ou estado em que esteja, e ele permanece sempre a mesma Verdade, o mesmo
Coração, o Espírito onipresente, imutável e eterno: o Eu Real.
O Tantra Sastra chama o coração de "Orbe Solar" (Surya
Mandala) e o Sahasrara de "Orbe Lunar" (Chandra Mandala). Isso mostra
a importância que cada um tem.
Assim como essa concentração no Coração estabelece um ponto de
contato com o yoga, Bhagavan também apontava a afinidade da auto inquirição com
bhakti, o caminho da devoção, e dizia que ambos levam ao mesmo fim. A devoção
perfeita é a entrega completa do ego a Deus ou Mestre, que é visto como sendo o
próprio ser do devoto, enquanto que a auto inquirição leva à dissolução do ego [por
meio da realização de sua irrealidade]. Mais será dito sobre bhakti marga no
capítulo seguinte, mas cabe aqui uma explicação de como esses dois caminhos
convergem.
D.: Se o "eu" é
uma ilusão, quem é que afasta este "eu"?
B.: O "Eu" afasta a
ilusão do "eu" e mesmo assim continua sendo "Eu" - tal é o
paradoxo da Auto-Realização. Mas os seres Realizados não veem nenhum paradoxo
nisto.
Considere o caso do adorador. Ele se dirige a Deus e ora para
ser absorvido Nele. Então ele se entrega com fé através da concentração. O que
sobra depois disso? No lugar do "eu" pretérito a auto-entrega deixa
como resíduo Deus, e Nele o "eu" é perdido. Esta é a mais alta forma
de devoção e entrega, e o ápice do desapego. Você pode renunciar esta ou aquela das
"minhas" posses; mas se, em lugar disso, você renunciar o "eu"
e "meu", tudo é renunciado de uma vez só, e a própria semente da
posse é destruída. Com isso corta-se o mal pela raiz. Mas a força do desapego deve ser grande para que isso seja
possível. A ânsia de fazer isso deve ser igual à
ânsia de alguém que está sendo afogado e tem que subir à superfície para
respirar.
Se por um lado os
pensamentos que distraem são um obstáculo, por outro o sono também é. De fato, as pessoas
que começam a trilhar um caminho espiritual podem se sentir atacadas por uma
onda de sonolência sempre que comecem a meditar. E então, se elas param de
meditar, esta sonolência passa e elas se sentem despertas. Essa é simplesmente
mais uma forma de resistência do ego, e assim deve ser superada.
B.: O que é necessário é manter-se sempre fixo no Eu
Real. Os obstáculos a isso são, por um lado, as distrações
causadas pelas coisas do mundo (incluindo objetos dos sentidos, desejos e
tendências) e, por outro, o sono. O sono é sempre descrito nos livros como sendo o primeiro obstáculo
ao samadhi, e vários métodos são descritos para superá-lo, cada um de acordo com o estágio de evolução da pessoa. Um
método é abandonar todas as distrações mundanas e restringir o sono. O Gita diz
que a pessoa não precisa renunciar completamente o sono, apenas discipliná-lo:
não dormir nada durante o dia e à noite dormir apenas das 22:00 hs às 2:00 hs. Mas outro método é simplesmente não se preocupar com o
sono. Quando quer que ele venha, você não pode evitá-lo, então simplesmente
mantenha-se fixo no Eu Real, ou na sua meditação, em cada
momento da sua vida desperta, e retorne à meditação no momento em que você
acordar. Isso será suficiente. Assim, mesmo durante o sono a mesma
corrente de consciência estará trabalhando. Isso é claro; é como um homem que
vai dormir com algum pensamento muito forte em mente e que quando acorda ainda
está com o mesmo pensamento. Diz-se do homem que faz isso com a meditação que
mesmo seu sono é samadhi.
É importante lembrar disso, já que muitas vezes o Maharshi
falava do sono como um exemplo do estado sem ego. Como mostra a passagem acima,
isso não significa que ele estava encorajando o sono físico. O sono é apenas uma
contraparte obscura e inconsciente do verdadeiro estado sem ego, que é pura
Consciência.
Outra fonte de
perguntas dentre aqueles que continuavam com a prática da auto inquirição é que
eles às vezes se deparavam com um vazio, um "branco mental", ou um
sentimento de medo; nesses casos Bhagavan lhes dizia para ir em frente e para
agarrar firmemente aquele que experienciava o vazio ou o medo. A mesma resposta era dada àqueles que experimentavam um estado
de pura bemaventurança. Não pode haver nem medo nem prazer, nem visão nem
vazio, sem alguém que experimente essas coisas - e era neste que Bhagavan
estava interessado.
D.: Quando eu chego a um estado mental sem pensamentos na
minha prática eu experimento um certo prazer, mas às vezes também há um vago
sentimento de medo que não consigo descrever claramente.
B.: Você nunca deve ficar satisfeito com qualquer experiência
que tenha. Quer você sinta prazer ou medo, pergunte-se quem sente isso e
prossiga seus esforços até que prazer e medo sejam ambos transcendidos e que a
dualidade cesse, permanecendo assim apenas a Realidade. Não há nada de errado
em experimentar essas coisas, desde que você não pare por aí. Por exemplo,
quando o pensamento chega ao fim a mente experimenta o prazer de laya
(dissolução), mas você nunca deve ficar satisfeito com isso e descansar, mas
sim deve continuar se esforçando até que toda dualidade cesse.
O Sr. Bhargava, vindo da
cidade de Jhansi em Uttar Pradesh, fez as seguintes perguntas: (1) Como eu devo
buscar pelo "eu" do início ao fim? (2) Quando eu medito eu alcanço um
estágio onde há um vazio, um vácuo. Como eu devo prosseguir a partir daí?
B.: Não se importe se há visões, sons, vazio, ou qualquer outra
coisa. Você está presente nessas experiências ou não? Você deve ter estado lá
para poder dizer que experimentou um vazio. Permanecer fixo neste
"você" do início ao fim é a busca. Em todos os livros de Vedanta você
vai encontrar o discípulo relatando ao Guru essa experiência de vazio ou de
"nada", e este lhe instruindo. É a mente que vê objetos e tem
experiências que se depara com o vazio quando pára de ver e experimentar, mas
essa mente não é você. Você é a iluminação constante
que dá vida tanto à experiência quanto ao vazio. E como a luz do teatro, que lhe permite ver o palco, os atores
e a peça enquanto a encenação está acontecendo, mas que também permanece acesa
e lhe permite ver o palco vazio após o espetáculo. Ou uma outra ilustração:
agora nós vemos objetos à nossa volta, mas na escuridão completa não vemos
nada, e então dizemos "não vejo nada". Da mesma forma, você está presente
mesmo no vazio que mencionou.
Você é a testemunha dos três corpos - físico, sutil e causal -, dos três tempos - passado,
presente, futuro - e também desse vazio, Na história do décimo homem - na qual
um grupo de dez homens atravessando o rio procura, ao chegar na outra margem,
contar quantos são para ver se ninguém se afogou e, cada um, esquecendo de
contar a si mesmo, conta apenas nove - há um momento em que eles acreditam que
alguém está faltando e ninguém sabe quem é. Isso é o vazio. Nós estamos tão acostumados
com a noção de que tudo que vemos em nossa volta é permanente e de que nós
somos este corpo que, quando tudo isso cessa, imaginamos que nós mesmos
deixamos de existir, e assim sentimos medo.
Nos versos 212 e 213 do Viveka Chudamani, depois de o discípulo
dizer: "Agora que eliminei os cinco revestimentos como sendo não-Eu,
percebo que nada permanece", o Guru responde que o Eu Real, ou AQUILO,
pelo qual todas as modificações - inclusive o ego e suas criações e a ausência
delas (o vazio) - são percebidas, está sempre lá.
A natureza do Eu é a
iluminação, a Luz. Você percebe todas as
modificações e sua ausência. Como? Se você disser que essa luz vem de outra
fonte isso levantaria a questão "De onde essa outra fonte tirou essa
luz?", e não haveria um fim nessa linha de raciocínio. Então, você mesmo é
a iluminação. A ilustração mais comum disso é a seguinte: com o açúcar você faz
todos os tipos de sobremesas das mais diversas formas, mas todas elas são
doces, pois todas são feitas a partir do açúcar, e a doçura
é a natureza do açúcar. Assim também, todas as experiências bem
como a ausência de experiências contém a Iluminação, que é a natureza do Eu.
Sem o Eu elas não podem ser experimentadas, assim como sem o açúcar as
sobremesas que você faz não podem ser doces. (Depois ele continuou): Primeiro a
pessoa vê os objetos como sendo o Eu Real, depois o vazio como sendo o Eu Real,
e por último vê o Eu Real como Eu Real - e apenas aí não há "ver",
pois então ver é Ser. Antes de fechar este capítulo é conveniente dar mais
algumas regras específicas, ou melhor, indicar que existem, mas não são
essenciais. Comumente o que é chamado de
"meditação" é praticado em certas horas do dia, da manhã e da
noite, sentado no chão com a coluna reta e os olhos fechados. Eu digo "o que é chamado de meditação" porque em geral
este é o nome usado para se referir à auto inquirição - ou atma vichara, isto
é, a prática de se concentrar sobre o sentimento "eu sou"
(aham-vritti), que é o ego, até chegar à sua Fonte. Como é evidente, esta
prática não é uma reflexão mental, que é o que comumente se associa à "meditação".
èNa índia o costume é sentar-se no chão de pernas
cruzadas. No entanto, todas essas regras e técnicas são menos importantes na auto
inquirição do que são nos outros métodos menos diretos. A auto inquirição, como é óbvio,
deve ser gradualmente estendida das horas fixas da meditação imóvel até se
tornar a corrente constante de consciência por trás de todos os nossos
pensamentos e ações.
O Sr. Evans-Wentz fez algumas perguntas ao Bhagavan a respeito
do yoga. Ele queria saber se era correto matar animais como tigres e veados
para usar sua pele como assento para a prática das posturas (asanas).
B.: A mente é o tigre ou o veado.
D.: Se tudo é uma ilusão então nós podemos tirar a vida?
B.: Quem tem a ilusão? É isto o que você deve descobrir.
Na verdade todos são assassinos do Eu Real (atmahan) em cada
momento de suas vidas.
D.: Qual é a melhor postura?
B.: Qualquer postura;
possivelmente a sukhasana (sentar-se no chão com as pernas dobradas junto ao
corpo). Mas para jnana (caminho do Conhecimento) isso é irrelevante.
D.: A postura indica o temperamento?
B.: Sim.
D.: Quais são as propriedades e efeitos da pele de tigre ou do
veado usada como assento para a prática?
B.: Algumas pessoas descobriram e as descreveram nos livros
sobre yoga. Essas peles são condutores ou não-condutores de magnetismo, etc.
Mas nada disso importa no caminho do Conhecimento (jnana marga). A verdadeira
postura é a permanência no Eu Real, e ela é interna.
D.: Qual é o momento do dia mais adequado à meditação?
B.: O que é "tempo", "momento"?
D.: Me responda!
B.: O tempo é apenas um conceito. Existe apenas a Realidade. O
que quer que você pense que é, ela aparenta ser. Se você a chama de tempo ela é
tempo, se você a chama de existência ela é existência, e assim por diante.
Depois de rotulá-la tempo você a divide em dias e noites, meses, anos, horas,
minutos, e assim vai. O tempo é irrelevante para o
caminho do Conhecimento. No entanto,
algumas dessas regras e disciplinas podem ajudar os iniciantes.
D.: O Bhagavan recomenda alguma postura em especial para os
ocidentais? Não existem métodos mágicos.
B.: Isso vai depender do equipamento mental de cada pessoa.
D.: Deve-se praticar meditação com os olhos abertos ou fechados?
B.: Pode ser feita de ambas as maneiras. O importante é que a
mente se interiorize e permaneça ativa em sua busca. Às vezes acontece, quando
se medita de olhos fechados, de os pensamentos latentes surgirem com mais
força; mas, por outro lado, se os olhos forem mantidos abertos pode ser difícil
interiorizar a mente. Isso requer força mental. A mente é pura por natureza,
mas se contamina quando se envolve com os objetos. O ideal é mantê-la ativa em
sua busca sem abrir as portas para as impressões sensoriais e sem pensar em
outras coisas. Apesar de Ramana Maharshi aprovar outros métodos, quando estes
se adequavam ao temperamento do buscador, ele era muito cuidadoso em deixar
claro que essas práticas não devem ser confundidas com o método direto da auto
inquirição. Por exemplo, há caminhos indiretos que pregam o cultivo diligente
de várias virtudes; mas, quando perguntado a respeito disso ele simplesmente
respondeu que no caminho direto da auto inquirição tal abordagem não é
necessária.
D.: Alguns livros dizem que o praticante deve cultivar todas as
qualidades divinas, ou virtudes, para assim se preparar para a Auto-Realização.
B.: Todas as qualidades divinas estão contidas no
Conhecimento espiritual (jnana), e todas as qualidades demoníacas estão
contidas na ignorância (ajnana). Quando o Conhecimento vem à ignorância
desaparece, e assim todas as virtudes surgem automaticamente. Se um homem é Realizado ele não pode mentir, cometer
algum pecado ou fazer algo de errado. Sem dúvida está escrito em alguns livros
que a pessoa deve se esforçar para desenvolver uma virtude após a outra, assim
se preparando para a Iluminação, mas para aqueles que
seguem jnana marga (o caminho do Conhecimento) a auto inquirição é suficiente
para desenvolver todas as qualidades divinas - eles não precisam se preocupar
em fazer mais nada.
Em geral ele aprovava o uso de mantras por aqueles que os
achavam úteis, mas ao mesmo tempo insistia que a auto inquirição não deveria
tomar-se um mantra.
D.: Por favor me
explique: como posso realizar o Eu? Devo repetir "Quem sou eu" como
um mantra?
B.: Não. A indagação
"Quem sou eu" não é para ser usada como mantra.
No entanto, o método que mais facilmente poderia ser confundido
com a auto inquirição era o da meditação "Eu sou Ele". Por isso ele
frequentemente esclarecia este ponto. A auto inquirição é um método diferente
da meditação "Eu sou Shiva" ou "Eu sou Ele". Eu prefiro enfatizar
o auto-conhecimento, pois você está primeiro preocupado consigo mesmo, e depois
em conhecer o mundo e seu Senhor. A meditação "eu sou
Ele" ou "eu sou Brahman" é mais ou menos um processo mental,
enquanto que a busca pelo Eu de que eu falo é um método direto, e de fato superior
a essas meditações. =èPois, assim que você toma a busca e começa a se aprofundar,
o Eu Real está lá esperando para lhe receber, e então tudo o que acontece é
feito por algo além, e você não contribui para isso. Neste processo todas as
dúvidas são postas de lado, assim como aquele que vai dormir esquece
temporariamente de todas as preocupações.
Apesar de as escrituras proclamarem "Você é AQUILO que é
chamado de Supremo", é apenas um sinal de fraqueza mental meditar "Eu
sou Aquilo, e não isto [o corpo, sentidos, mente, etc.]", pois você é
AQUILO eternamente. O que você precisa fazer é investigar o que você é e
permanecer como AQUILO. Apenas se surgir o pensamento "eu sou um
corpo" é que a meditação "eu não sou isto [o corpo], sou Aquilo"
pode ajudá-lo a permanecer como Aquilo. Por que deveríamos ficar meditando infindavelmente
"eu sou Aquilo"? E necessário a um homem ficar pensando "eu sou
um homem"? Nós já não somos Aquilo?
[Um Punjabi aborda o Maharshi dizendo que foi mandado aqui por
Sri Sankaracharya de Kamakoti Peeta de Jalesvar. Ele viaja pelo mundo. Ele
praticou Hatha Yoga e um pouco de contemplação da linha "eu sou
Brahman". Ele relata que após alguns momentos de prática vem um vazio na
mente, o seu cérebro esquenta e ele é assolado por um medo de morrer. Ele busca
a orientação do Maharshi.]
B.: Quem vê o vazio?
D.: Eu sei que eu vejo.
B.: A Consciência que percebe o vazio é o Eu Real.
D.: Isso não me satisfaz. Eu não consigo realizá-lo.
B.: O medo da morte surge depois do pensamento-"eu" surgir.
Você teme a morte de quem? Para quem esse medo surge? Enquanto você se
identificar com o corpo haverá medo.
D.: Mas eu não estou consciente do meu corpo.
B.: Quem diz que não está consciente?
D.: Não estou entendendo.
(Então lhe perguntaram qual era exatamente seu método de
meditação. Ele disse: Aham Brahmasmi, "Eu sou Brahman").
B.: "Eu sou Brahman" é apenas um pensamento. Quem diz
isso? Brahman não diz - por que ele precisaria? O Eu Real também não diz isso,
pois ele é sempre Brahman. Então, "eu sou Brahman" é apenas um
pensamento. De quem é esse pensamento? Todos os pensamentos
vêm do "eu" irreal, isto é,
do conceito-"eu" [aham-vritti). Permaneça sem pensar. Enquanto houver
pensamento haverá medo.
D.: Quando eu continuo pensando nesta linha o que resulta é o
esquecimento. O cérebro esquenta e eu fico com medo.
B.: Sim, a mente está concentrada no cérebro e assim você tem
uma sensação de calor lá. Isso é por causa do pensamento-"eu".
Enquanto houver pensamento haverá esquecimento. Primeiro você se concentra no
pensamento "eu sou Brahman; depois o esquecimento surge; depois o
pensamento-"eu" aparece e, com ele, o medo da morte. Esquecimento e
pensamento existem apenas para o pensamento-"eu", ou ego -
investigue-o e ele desaparecerá como um fantasma. Então o que restará será o
verdadeiro eu, isto é, o Eu Real. Este é o Ser. O pensamento "eu sou
Brahman" pode ser um auxílio para a concentração na medida em que mantém
afastados os outros pensamentos e persiste sozinho; porém, no final das contas
você deverá perguntar "de quem é este pensamento"? Então você
descobrirá que esse pensamento vem do "eu". Mas de onde vem esse
pensamento "eu"? Investigue-o e ele desaparecerá. Então o Eu Supremo brilhará por si mesmo, e nenhum outro esforço
será necessário. Quando resta apenas o Eu
Real, este não precisa dizer "eu sou Brahman". Por acaso um homem
fica repetindo "eu sou um homem"? A não ser que ele seja
"desafiado", que necessidade tem ele de declarar-se um homem? Por
acaso alguém se confunde com um animal para ter que dizer "Não, eu não sou
um animal, sou um homem"? Da mesma forma, como apenas Brahman, ou
"Eu", existe, não há ninguém para "desafiá-lo", então ele
não precisa declarar "eu sou Brahman.
=èAo longo deste capítulo a auto inquirição foi abordada
predominantemente como um exercício espiritual ou "meditação" que
deve ser praticada em certos momentos.
De
fato começa assim e, enquanto o esforço for necessário, esses períodos de
prática intensiva continuam sendo úteis. Mas isso não é suficiente: a
autoconsciência que começa a ser experimentada durante essas "meditações"
deve ser cultivada durante os outros momentos do dia também, até que ela comece
a surgir espontaneamente e a trabalhar como pano de fundo das nossas atividades. =è O objetivo é tornar essa autoconsciência cada vez mais
firme e contínua. Isso explica a
exigência do Bhagavan, mencionada no capítulo três, de que a pessoa deve
conduzir sua busca espiritual no mundo, e não retirada em um eremitério (abrigo
de eremita).
=èD.: Boa parte do meu
tempo é dedicada ao trabalho e aos afazeres domésticos. É necessária que tenha
uma prática de meditação disciplinada e regular, a fim de fortalecer a mente?
B.: Não se você mantiver sempre a consciência de que não é
seu trabalho, nem suas ações. No início é
necessário esforço para se lembrar, mas com o tempo se torna algo natural e
contínuo. O trabalho e as atividades
continuarão por si mesmos, e sua paz permanecerá inalterada. A meditação é sua verdadeira
natureza. Agora você a chama de "meditação" pois há outros pensamentos
que lhe distraem. Quando esses pensamentos são afastados apenas você permanece
- ou seja, no estado de meditação, livre de pensamentos; e essa é a sua
verdadeira natureza que você agora tenta experimentar afastando os outros
pensamentos. Esse esforço de afastar os outros
pensamentos é chamado agora de "meditação", mas quando a prática se
tornar mais firme [e natural] a sua natureza verdadeira se revela como sendo a
meditação verdadeira.
Pelos motivos expostos no capítulo anterior, um Guru
muitas vezes mantém em segredo a técnica da prática espiritual, revelando-a
apenas àqueles que ele julga preparados e que inicia pessoalmente. No entanto,
nada disso se aplica à auto-inquirição ensinada por Ramana Maharshi. É a
própria compreensão ou falta de compreensão da pessoa que lhe abre ou fecha as
portas desse método.
D.: Posso ter certeza
que, no que se refere à técnica de prática espiritual, não existe nada mais a ser
aprendido além do que está escrito nos livros do Bhagavan? Eu pergunto isso,
pois, em outros sistemas, o Guru retém consigo algumas técnicas secretas, para
revelá-las ao discípulo apenas na ocasião da iniciação.
B.: Não há nada mais para ser aprendido além do que você
encontra nesses livros, nenhuma técnica secreta. Neste sistema tudo é um
segredo aberto.
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