Introdução
JOHN VAN DRUTEN
Sentado diante de uma folha de papel em branco, pensando no que
iria escrever como introdução para este livro que conheço tão bem, folheei suas
páginas em busca de alguma frase ou passagem que me servisse como início;
percebi que meus pensamentos galopavam para longe, para o mistério fundamental
da minha profissão de escritor — o mistério de como começou a me chegar o fluxo
de palavras, destas palavras que iria escrever, das palavras que escrevo agora.
Preciso mesmo dizer que esta não foi a primeira vez que esta questão me surgiu;
aliás, ela ressurge toda vez que me encontro sem idéia do que irei escrever a
seguir, e me faz indagar de onde elas me vêm, os muitos milhares de palavras e
pensamentos que escrevi, reproduzidas pela imprensa ou expostas em um palco.
Este é o tipo de pergunta que alguém se faz
apenas em tais momentos de perplexidade; na maior parte das vezes, tomamos como
óbvias estas coisas que são na realidade os milagres diários da vida, tais como
o brotar e o crescer, espalhar sementes num jardim e não se maravilhar que surjam
flores destas coisinhas pretas, no próximo verão.
Esta atitude é aquela que G.K. Chesterton
sempre censurava ao mundo, por tornar seus mistérios e seus milagres como
coisas corriqueiras. Este é o tema do seu pouco conhecido trabalho Manalive,
cujo herói vivia em estado de permanente deslumbramento diante do milagre da
vida e era tão ansioso para manter vivo tal deslumbramento que deu a volta ao
mundo para reviver a emoção de chegar à sua própria casa, diante da sua porta,
cortejar, raptar e casar com sua própria mulher, com seis nomes diferentes, de
modo a nunca deixar murchar a incrível maravilha que é o amor.
E trágico que nós vivamos neste estado de
passividade, embora as necessidades da vida diária pareçam solicitar a
continuidade de nossos negócios ou trabalho. Usei
"pareçam" propositalmente, pois eu acho que, de fato, a verdade é
exatamente o contrário, e aquilo que foi chamado de uma "vida plena e
rica" é impossível de acontecer nessas bases.
Mesmo uma vida comum e monótona torna-se
difícil; seus mecanismos enguiçam e as adversidades e infortúnios tornam-se
sólidos obstáculos contra os quais se quebra inutilmente a cabeça.
Nesses momentos, o homem começa a se questionar
sobre o mundo em que vive buscando explicações, socorro ou apoio.
As religiões, em suas formas convencionais que
apresentam um Deus pessoal, a quem são dirigidas as preces e petições, provaram
ser estéreis e conduzem a uma resignação piedosa e sombria; e a filosofia do
puro materialismo, aceitando que "as coisas são assim mesmo", leva apenas
a um calamitoso desespero.
Algo mais se faz necessário; sempre foi
necessário e, embora sempre esteja presente, parece que os homens nunca o
encontram.
Este algo escapou ao homem por entre os
escritos dos que buscaram a Verdade sobre o eterno mistério, desde os orientais
Lao-Tsé e Shankara, passando por Jesus, pelos místicos europeus da Idade Média
e pelos pensadores do Novo Mundo.
Em essência, ensinaram todos as mesmas coisas
e por isso Aldous Huxeley chamou a sua Antologia do Pensamento Religioso de “Filosofia
Eterna”.
Mas as respostas, embora tenham sido
reveladas, ficaram distantes, "lá longe", desligadas do viver
quotidiano do homem e de seus fatos e disso resultou um tipo de esnobismo
infeliz, como se fosse errado esperar da vida resultados práticos e tangíveis.
Assim o homem foi induzido a um dualismo
fatal, tentado a viver simultaneamente em dois planos distintos, o plano
material e o espiritual, ambos aparentemente reais mas sem relação compreensível
entre si, como se fossem dois sócios de uma firma que nunca se falassem.
Posto isso, parece-me que este livro vai além,
desmascarando a dualidade, mostrando que os dois sócios são apenas um, que o
mundo é apenas um e que as verdades eternas estão entretecidas em nossa vida
diária, expandindo sua harmonia e anulando as discórdias.
Mas que é este livro? Os leitores de hoje
querem um título, querem saber o que estão comprando. Mas um título poderia
desorientá-los e, por isso, acho muito difícil qualificar este trabalho.
Metade da humanidade, embora necessite
desesperadamente de uma resposta, conscientemente, para seus problemas, não
abrirá um livro classificado como religioso.
Se arranjasse um título do tipo "Como ser
mais saudável, mais rico e mais feliz", provavelmente seria um sucesso de
vendas, mas os leitores exigentes e de maior discernimento se afastariam dele
como de algo malcheiroso. Se usasse a palavra "metafísica", soaria
como algo distante e intelectualizado.
Se o apresentar como um volume de ensaios,
teremos a compreensão do porque hoje Emerson é lido quase exclusivamente como
literatura, e não porque tenha as respostas para tais perguntas.
Será possível atingir a todos pelo mesmo
caminho? A própria palavra Deus é para muitos aterradora; e ela perpassa este
livro todo.
O impulso que tenho de me justificar por
escrever tudo isso, dá bem uma idéia do meu problema.
Ora, se é difícil rotular o livro, mais
difícil ainda é rotular seu autor. Quem é e o que é Goldsmith? Um Mestre? Um
curador? Tais palavras são no mínimo suspeitas e inquietantes para a maioria e
seriam também repudiadas pelo próprio autor, visto que sua filosofia aponta
para a renúncia de qualquer elemento pessoal tanto no ensino como na cura.
Relembrando uma passagem deste livro:
"Sempre houve homens que trouxeram a divina mensagem da presença de Deus e
da irrealidade do mal, que trouxeram a Luz da Verdade aos homens, e sempre
estes entenderam tais mensageiros como sendo a própria Luz, por não conseguir ver
que aquele que tomavam como alguém 'de outro mundo' era a Luz da Verdade dentro
de sua própria consciência".
Deixarei, pois, por ora, o homem e o livro de
lado para voltar ao ponto de partida.
Nos momentos de apuro e frustração, o homem
começa a se questionar, mesmo que sejam só perguntas como estas: "Por que
deveria acontecer isto comigo?" ou "Como posso evitar tais acontecimentos?".
Busca uma explicação para o mundo e, creio eu, a encontrará aqui, neste livro. Ele
espera que tal esclarecimento possa, de algum modo, agir como cura para suas
mazelas. Creio também que, se a compreensão for correta, isso acontecerá.
Contudo, devo novamente deixar aqui um alerta:
logo nas primeiras páginas, o leitor encontrará um paradoxo que poderá
assustá-lo. Ele se acerca deste livro tendo um problema humano, na esperança de
encontrar uma solução. Mas está dito que se procurar usar a verdade espiritual
para melhorar a condição humana, não terá nem poder nem vontade para fazê-lo.
E isso lhe será mostrado com argumentos
lógicos. Mas também está dito que se procura a verdade por si mesma, sua
condição humana melhorará. Isto se parece com algo de fabuloso, algo como um
desafio impossível proposto por um mago malicioso.
Contudo, é notável que muitas vezes
haja um fundo de verdade universal nos contos de fada.
Há uma lenda sobre um alquimista que prometera
transformar qualquer coisa em ouro, "desde que ninguém do auditório
pensasse em um macaco azul". Pelas condições, poderia substituir por "contanto
que ninguém pensasse em ouro".
Isto parece impossível, mas pode acontecer.
Deve acontecer. "Buscai primeiro o reino de Deus e a sua
justiça, e todas essas coisas vos serão dadas de acréscimo."
Mas não vos deveis preocupar com estas outras coisas.
O importante deste livro é que ele ensina a
olhar para fora dos problemas, em vez de olhar para eles e, assim fazendo,
encontrar as soluções, tal como eu, que deixando de olhar para o meu problema
do que escrever como introdução deste livro, bem ou mal a escrevi.
Não é uma tarefa fácil o que se propõe, mas a
reputo como essencial. Acho que sem um pouco de compreensão dos ensinamentos
deste livro, simplesmente não vale a pena viver.
Próximo è Prefácio do Autor
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