C A P Í T U L O V
A alma
A Alma é a parte do homem pouco conhecida e só raramente
percebida. Muitas vezes, aqueles que estão imersos em profunda aflição rompem a
névoa do sentido material até o recesso do seu ser interior, onde descobrem a
Alma, ou a Realidade do ser. Tornam-se conscientes da Alma, encontram novos
valores, novos recursos, uma força nova e diferente e uma maneira de ser de natureza
totalmente diferente.
Exercer as faculdades da Alma resulta na
quebra da ilusão dos sentidos. Toda discórdia humana é o produto do sentido
material e é vivenciada através dos cinco sentidos físicos — isto é, todas as
desarmonias mortais são vistas, ouvidas, sentidas, saboreadas ou cheiradas. Por
existirem apenas neste estado material de consciência, as discórdias e as
doenças têm o seu ser em falsas ideias, em ilusões, embora naturalmente pareçam
muito reais aos nossos sentidos.
Há muitos meios que nos proporcionam alívio
temporário para as condições falazes de suprimento, de saúde ou outras
desarmonias que se apresentam na vida diária. A destruição completa e
definitiva do erro, porém, só é obtida ao se encontrar e exercitar as
faculdades da Alma. A Alma é a parte do homem que jaz enterrada mais
profundamente dentro dele, e por isso é raramente percebida. Nós usamos nossas
faculdades matemáticas ou musicais porque jazem mais próximas à superfície do
nosso ser, e, muito mais do que estas, nossas faculdades habituais de comércio,
ou o nosso sentido de orientação, ou mesmo o nosso senso artístico; mas os
artistas, os autores e os músicos de talento vão mais fundo dentro do seu ser,
e de lá trazem à luz as grandes harmonias da boa música, a boa literatura,
pintura, escultura ou arquitetura.
Escondida ainda mais profundamente, embora ao
alcance de nossa consciência, jaz a Alma com suas faculdades. Quando tocamos
tais poderes da Alma, estes emanam do nosso interior e atingem todos os
caminhos da nossa vida quotidiana, trazendo inspiração, beleza, paz, alegria e harmonia
para cada instante da nossa existência, e revestem todos os acontecimentos da
vida com amor, compreensão e sucesso.
Aqueles, contudo, que estiverem demais
envolvidos com as dores e os prazeres dos sentidos não chegarão, com certeza,
até o reino da Alma. Ao longo da história, este convite para se dessedentar na
fonte de águas vivas foi estendido a toda a humanidade, e todas as gerações têm
produzido muitos homens e mulheres que encontraram a eterna paz e juventude
dentro se si mesmos. E assim sempre surge aquele que bebeu mais profundamente
na fonte da Alma, e todos estes videntes sempre deram notícias do reino
interior e da vida que pode ser vivida pela Graça, uma vez atingida esta
consciência. Por outro lado, muitos respondem que têm grandes encargos humanos
que lhes ocupam todo o tempo; outros despendem tempo demais no prazer dos
sentidos, passatempos e recreações; outros ainda estão ocupados em realizar e
adquirir.
Cada vez mais, as pessoas começam a perceber que
a libertação do medo, da insegurança, da necessidade, e da pouca saúde não se
encontra no reino da matéria. As guerras não acabam com a guerra; as aplicações
não garantem segurança contra a falta. A medicina alivia as dores, mas não traz
uma saúde verdadeira. Devemos extrair um poder maior daquele que é encontrado
no corpo ou nos pensamentos humanos, que nos dê a felicidade, a harmonia e a
paz que são direitos nossos de nascença. Tal poder está disponível para todos,
pois ele já faz parte do nosso ser — na verdade, é a parte maior do nosso ser.
Como um iceberg, que mostra apenas uma parte de si fora da água, assim os
poderes humanos do corpo e da mente não representam senão uma parcela de nossos
poderes e faculdades.
As forças da Alma são mais reais e tangíveis
do que qualquer poder material da natureza ou da capacidade inventiva. Elas
trabalham num nível mais elevado de consciência, mas se tornam visíveis nas
coisas chamadas de humanas. As forças da Alma agem sobre o corpo humano para
produzir e manter a saúde e a harmonia. Permeiam todos os caminhos da vida
quotidiana com influências protetoras e são a fonte de suprimento infinito.
As pessoas deste mundo que são conscientes de
sua Alma vivem uma vida interior de paz, de contentamento e domínio, e uma vida
exterior em completa harmonia consigo mesmas e com o resto do mundo dos homens,
dos animais e das coisas. Estão sintonizadas com seus poderes da Alma, e isto
constitui sua unificação com toda a criação.
Todos podemos ter acesso à Alma. Ela jaz nas
profundezas íntimas do nosso próprio ser. O desejo de realizações mais elevadas
da vida é o primeiro requisito, e, a partir daí, deve-se manter uma constante
orientação para o próprio interior até que a meta tenha sido alcançada.
Um bom
começo pode ser a percepção da verdade que há muito mais na existência humana do
que saúde física e suprimento material. Quando temos o vislumbre do fato de que
mais dinheiro, mais casas ou automóveis não constituem o suprimento, que mais
viagens não são recreação, que a ausência de doença não significa
necessariamente saúde — em outras palavras, que "meu reino não é deste
mundo" —, estamos na direção correta para descobrir o reino da Alma.
Todos sabemos como empregar a força física,
como quando usamos o esforço muscular para erguer algum peso, ou fazemos força
com os braços ou as pernas; e sabemos também como exercer pressão mental, como
em profunda meditação ou pela vontade pessoal.
Sabemos que há um poder da Alma, mas saber que
este poder pode fazer muito mais por nós do que os poderes materiais e mentais
juntos, isto poucos sabem. Talvez uma razão pela falta de interesse por parte
do mundo neste tema tão vasto seja o fato de que este imenso reservatório de poder
que está em nós não possa ser utilizado para fins egoístas. Pensemos na
grandeza disso — um grande e maravilhoso poder à mão, mas que jamais pode ser
usado para satisfazer a fins egoístas. Nisto está o segredo do porquê tão
poucos atingirem a consciência da Alma. Só podemos perceber a presença da Alma
após nos termos libertado dos desejos egoístas, e termos individualizado este poder
infinito dentro de nós mesmos na medida do nosso desejo de servir aos
interesses da humanidade.
É justo, natural e normal que vivamos
uma vida plena, próspera e feliz, mas nós podemos viver isto sem nos
preocuparmos conosco, com nosso suprimento e mesmo com nossa saúde. Todo o bem necessário ao nosso bem-estar nos
será fornecido em grande abundância quando pudermos aceitar que temos de
abandonar nossos esforços e desejos de ter, de conseguir ou realizar, e nos aprofundarmos
no desejo de cumprirmos apenas nosso destino sobre a terra. Estamos aqui como parte de um plano divino.
Somos Consciência, que realiza e expressa a si mesma de forma individual; e se aprendermos
a desprender o nosso pensamento de nós mesmos, ou da preocupação com nosso
lugar, nosso suprimento ou saúde, e a deixar que Deus cumpra seus desígnios
através de nós ou como cada um de nós, acharemos de fato que todas as coisas
nos serão acrescentadas.
A Bíblia é literalmente verídica quando
afirma: "Do Senhor é a terra, e tudo o que nela se contém" e
"Filho... tudo que é meu é teu". Não há, pois, necessidade de ter
qualquer ansiedade quanto ao nosso bem-estar. Esquecendo de nós mesmos e aprendendo
a manter um estado de receptividade, perceberemos estar plenificados pelo poder
da Alma, da consciência e recursos da Alma, e nossa vida será aquinhoada com a
companhia de outros homens e mulheres que partilharão conosco a alegria de sua
descoberta.
A mente que estava em Jesus Cristo não é algo
afastado, tampouco é ela a mente de uns poucos líderes religiosos: a mente que
estava em Cristo Jesus é a sua, e está pronta para se manifestar em você na
medida em que se esqueça do seu ego e se torne receptivo à divina sabedoria que
está em seu íntimo. Os recursos da Alma estão à porta de nossa consciência,
prontos a se derramar em nós, mais do que possamos receber, mas não para
satisfazer algum desejo pessoal ou
egoísta. Tais falsos desejos são as pedras de
tropeço do nosso desenvolvimento espiritual, e não devemos pensar em usar
nossos poderes espirituais para fins pessoais ou egoístas. A canção da Alma é
liberdade, alegria e eterna felicidade; a canção da Alma é amor para toda a
humanidade; a canção da Alma é você.
Por que demoramos tanto para obter a
libertação da doença, da discórdia e de outras mazelas do mundo material?
Inteiramente por causa de nossa incapacidade de apanhar a grande revelação — não
há realidade no erro.
Pusemos tanta atenção na fé em Deus como nosso
benfeitor, ou na fé em algum curador ou mestre que passamos por cima da grande
verdade: o erro não é real — não existe matéria, pois a substância da matéria é
de fato mental.
Aprendemos com os cientistas físicos, e também
com os metafísicos, que aquilo que tem sido chamado de matéria é uma
interpretação equivocada da mente. A mente é um instrumento de Deus, e Deus é
Espírito; assim, tudo o que existe é substância espiritual, apesar do nome ou
da natureza que lhe tenha sido atribuído pelos sentidos finitos.
Deus é a consciência do indivíduo;
assim tudo o que se nos depara como pessoa, coisa ou condição, nos vem como
consciência, na consciência e através da consciência; e Deus, a Consciência, é a Alma de todo indivíduo; Deus, o
Princípio, é a lei de toda ação; Deus, o Espírito, é a Substância de tudo de
que temos consciência.
Pela educação equivocada, que estrutura nossos
sentidos finitos, chegamos a temer certos indivíduos, coisas ou condições, sem
perceber que estas coisas nos chegam pelo caminho da consciência, e que são
todas Seres de Deus, Consciência que se nos revela, consubstanciadas de Espírito.
A consciência material é o sentido finito e enganador que considera o homem e o
Universo limitados, como bons e maus. A consciência espiritual é a percepção do
indivíduo como um ser de Deus, que tem apenas a mente de Deus e o corpo do
Espírito. Reconhece o Universo todo como manifestação da mente e governado pelo
Princípio divino. A consciência espiritual é a capacidade de ver a realidade
além das aparências, perceber e reconhecer que, como Deus é a nossa mente, tudo
o que se nos apresenta está em e vem de Deus, nossa única consciência.
A consciência espiritual não supera nem
destrói a matéria ou as condições materiais: apenas sabe que tais condições não
existem, pelo menos da forma com que nos são mostradas pelos sentidos finitos.
Ela traduz para nós as aparências, revelando-nos a verdadeira natureza das
coisas que estão presentes.
O poder espiritual provém da Alma — da sua
Alma, da minha Alma. É impessoal e imparcial. Todos podemos abrir as janelas da
Alma e contemplar as glórias infinitas de um mundo bem acima do universo dos
sentidos. O mundo da Alma é muito maior que tudo que possamos ter visto ou ouvido,
é o mundo que é observado através do sentido espiritual. Sabemos que o
pensamento não iluminado vê o Universo como algo material, enquanto a consciência iluminada, ou
sentido da Alma, vê
e compreende o Universo como algo espiritual.
No
desenvolvimento de nosso sentido espiritual, ou poder da Alma, nada há de só
teórico, não aplicável à prática. Esta
consciência elevada capacitou Moisés para liderar seu povo em sua libertação da
escravidão, através do Mar Vermelho, rumo à conscientização da abundância.
Através de Jesus ela curou muitos dos males que afligiam aquela gente,
alimentou multidões com alimento real e ressuscitou os mortos. Através de
Paulo, ergueu uma parte da humanidade acima dos profundos pesares e
persecuções, para a Cristo-consciência e a liberdade espiritual.
A consciência espiritual nos eleva para acima
de toda forma humana de limitação e nos permite um sentido mais amplo da vida,
da saúde e da liberdade. Onde houver esta consciência espiritual, não haverá
escravidão a pessoas, lugares ou coisas, e não haverá limitações para nossas
realizações.
Até onde se saiba, Jesus nunca deixou uma
palavra escrita e, contudo, seus ensinamentos são os fundamentos morais e
éticos de boa parte da humanidade. Muitos outros videntes deixaram apenas as
palavras ditas a seus seguidores, embora, pelo seu poder intrínseco, tais
mensagens tenham se tornado águas vivas durante épocas sem conta. A sabedoria
dos tempos, propalada por homens e mulheres espiritualmente iluminados, que
nunca sonharam que seus pensamentos corressem em volta da terra e
influenciassem a vida e a conduta das pessoas, não está confinada no tempo e no
espaço. O pensamento crístico1,
que preenche sua consciência, dela irradia como círculos na água atingida por
uma pedra, criando círculos cada vez maiores, até atingir toda a humanidade.
Sim, a consciência espiritual tem aplicação prática. Nosso desejo de
abundância, contudo, deve ser o desejo de abundância para outros, antes que
possamos ter a experiência da graça, que é o presente de Deus.
A meditação é a porta para o mundo da
Alma, e a inspiração é o seu caminho. Quando aprendemos a ficar cinco ou dez minutos cada manhã,
tarde e noite, sentados em silêncio com os ouvidos "de ouvir"; quando
nos voltamos para dentro de nós mesmos e aprendemos a esperar pela "pequena
voz silenciosa", adquirimos o hábito da meditação e desenvolvemos a
habilidade nesta técnica, até que sejamos possuídos pela inspiração e que ela
nos leve para o céu de nossa Alma. Este é o princípio de nosso novo nascimento,
e aqui aprendemos a nova linguagem do Espírito. E a vida começa a ter um novo
significado.
1 Adotamos o neologismo "Crístico" e seus derivados dos
escritos do Prof. Huberto Rohden. (N. do T.)
Próximo è Capitulo VI - A meditação
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