2º Capítulo - Da teoria à prática
Como foi mostrado no capítulo anterior, a teoria que o Maharshi
ensinou tinha como propósito único servir de base para a prática. No entanto, a demanda por prática acabou trazendo à tona
o aspecto da teoria que lida com o livre arbítrio e a predestinação, já que
muitos perguntavam por que se esforçar se tudo já estava planejado por Deus, ou
se todos retornarão à Fonte cedo ou tarde.
Um visitante que vinha de Bengal disse: "Shankara (Também conhecido
como Shankaracharya, (778-820 d-C), foi um grande J/umi, tendo escrito diversos
tratados e sistematizado do Advaita
Vedanta. Shankara
fez o hinduísmo reviver na índia, em uma época em que o Budismo Mahayana
dominava.)
diz que nós somos todos livres, não limitados, e que
retornaremos a Deus, de onde viemos, como as faíscas retornam para o fogo. Se
isso é assim, por que nós deveríamos evitar cometer más ações?" A resposta
de Bhagavan lhe mostrou que esse não é o ponto de vista do ego.
B.: É verdade que não estamos aprisionados. Quer dizer, para o
Eu Real não há prisão. E também é verdade que cedo
ou tarde você retornará à sua Fonte. Mas
enquanto isso, se você cometer más ações, como você as chama, você terá que
enfrentar as suas consequências. Você não pode escapar disso. Se um homem lhe
bate, você pode dizer; "Eu sou livre. Eu não sou afetado pela surra e a
dor não existe para mim. Deixa ele continuar batendo"? Se você realmente
chegou a esse ponto então você pode fazer o que quiser; caso contrário, qual é
a utilidade de apenas dizer em palavras que você é livre?
O Bhagavan às vezes fazia declarações que superficialmente
pareciam ser afirmações da supremacia da predestinação. Quando ele abandonou o
lar na juventude, já estabelecido na Auto-Realização, a sua mãe o procurou e
finalmente o encontrou. Naquele momento ele não falava; portanto, ouvindo o
pedido de sua mãe para que voltasse para casa, escreveu sua resposta em um papel:
O Ordenador controla o destino das almas de acordo com o seu
prarabdha karma (karma a ser trabalhado nesta vida, resultante de ações em
vidas passadas). O que quer que esteja destinado
a não acontecer não irá acontecer, por mais que você se esforce.
O que quer que esteja destinado a acontecer
irá acontecer, não importando o que você faça para evitá-lo. Isso é certo. Portanto, o melhor caminho é permanecer em silêncio.
Às vezes ele também fazia declarações assim aos devotos.
Todas as atividades que o corpo deve passar foram
determinadas no momento em que ele veio á existência. Não cabe a você
aceitá-las ou rejeitá-las. A única liberdade que você tem é voltar-se para dentro e aí
renunciar às atividades. Em relação à resposta que
Bhagavan deu à Senhora Desai na noite de 03 de janeiro de 1946, eu lhe perguntei:
"Apenas os eventos mais importantes da vida humana (tais como a escolha da
profissão e ocupação) estão predeterminados, ou os atos triviais tais como
tomar um copo d'água ou mover-se de um lado a outro na sala também estão?"
B.: Tudo é predeterminado.
D.: Então qual é a
responsabilidade e qual é o livre arbítrio do homem?
B.: Por que este corpo
surgiu? Ele foi feito para passar pelas várias experiências que foram determinadas
para a pessoa nesta vida. Quanto à liberdade, o homem é sempre livre para não
se identificar com o corpo e para não se deixar afetar pelos prazeres e dores
resultantes das atividades do corpo.
Na verdade, entretanto, a
questão do livre arbítrio ou predestinação não surge do ponto de vista da não-dualidade. E como se um grupo de pessoas que nunca tivesse ouvido falar do
rádio se reunisse em tomo de um, discutindo se o homem dentro da caixinha é
obrigado a cantar o que lhe transmitem ou se ele pode mudar as letras. A
resposta é que não há homem dentro da caixinha, e portanto essa pergunta não
surge. Similarmente, a resposta à pergunta se o ego tem livre arbítrio ou não é
que
não existe ego, e portanto a pergunta é irrelevante. Assim, a
resposta usual do Bhagavan era convidar o sujeito a descobrir para quem o livre
arbítrio e predestinação existem.
D.: O ser humano tem algum livre arbítrio ou tudo na sua vida é
predeterminado? É a mesma pergunta, mas a resposta é diferente, de acordo com
as necessidades de quem pergunta. De fato, se não nos lembrarmos do que foi
dito acima a respeito da irrealidade do ego isso parecerá bastante
contraditório.
B.; O livre
arbítrio existe junto com a individualidade. Enquanto houver individualidade
haverá livre arbítrio. As escrituras todas se baseiam nesse ponto e aconselham
direcionar o livre arbítrio na direção certa.
Essa resposta e a resposta anterior são realmente
contraditórias? Não, pois de acordo com o ensinamento de Bhagavan a
individualidade possui apenas uma existência ilusória. Enquanto a pessoa imaginar que tem uma individualidade ela também
imaginará que esta possui livre arbítrio. Os dois coexistem. O problema da predestinação e do livre arbítrio sempre atormentou os filósofos e teólogos, e sempre continuará a fazê-lo,
pois ele é insolúvel no plano da dualidade, ou seja, no plano da suposição de
que existe um ser que é o Criador e todos os outros seres, separados Daquele,
que são as criaturas.
Se estas têm livre arbítrio então Ele não é onipotente e
onisciente - Ele não sabe o que vai acontecer, pois isso depende do que eles
decidem; e Ele não pode controlar todos os acontecimentos, pois elas têm o
poder de mudar seu curso. Por outro lado, se Ele é onisciente e onipotente Ele
já sabe todo o que vai acontecer e controla tudo, e portanto as criaturas não
tem nenhum poder de escolha, ou seja, nenhum livre arbítrio. Mas no nível de
advaita ou não-dualidade o problema desaparece. Na verdade o ego não tem livre
arbítrio, pois não há ego; mas a nível de realidade aparente o ego consiste de
livre arbítrio - é a ilusão do livre arbítrio que cria a ilusão de existir um
ego. Foi isso o que Bhagavan quis dizer quando afirmou que "enquanto
houver
individualidade haverá livre arbítrio". A próxima frase da
sua resposta leva o questionador da teoria à prática.
Descubra quem tem livre arbítrio ou predestinação e permaneça
nesta fonte. Então, ambos são transcendidos. Esse é o único propósito de se
discutir essas questões. Para quem surgem estas questões? Descubra isso e fique
em paz. O único caminho do karma (ação), bhakti (devoção), joga (união) e jnana (conhecimento) é
investigar
quem é que tem karma (ação), vibhakti (falta de devoção), viyoga
(separação) e ajnana
(ignorância).
Através dessa investigação o ego é descoberto como
inexistente, e (portanto) esses defeitos são (também descobertos como) inexistentes.
A Verdade é então revelada: nós somos e sempre fomos o Eu Real livre dessas
qualidades negativas.
Enquanto o homem se considerar o agente ele também colherá
os frutos de suas ações; mas assim que ele realiza o Eu através da investigação
"Quem age?", seu sentimento de ser o agente desaparece, e o karma
triplo se extingue. Esse é o estado de libertação eterna.
Bhagavan disse: "Todos nós somos na verdade Sat-chit-ananda
(Existência-Consciência-Beatitude), mas as pessoas imaginam que estão presas e
por isso experimentam todo esse sofrimento." Então eu lhe perguntei por
que nós imaginamos isso, por que esse estado de ignorância (ajnana) nos cega, e
ele respondeu: "Pergunte para quem surgiu essa ignorância até que você
descubra que ela nunca surgiu para você, e que você é e sempre foi
Sat-chit-ananda. A pessoa passa por inúmeras austeridades
e disciplinas apenas para tomar-se aquilo que já é. Todo esforço tem como único propósito libertar a pessoa da
falsa impressão de que ela está limitada e presa ao sofrimento de samsara (esta vida não-iluminada, de sofrimento).
D.: Existe predestinação? E
se o que está destinado a acontecer irá acontecer de qualquer maneira, há
alguma utilidade em orar ou nos esforçarmos, ou simplesmente deveríamos ficar inertes?
Essa é uma forma concisa de uma pergunta que lhe faziam com
frequência e sua resposta é típica no sentido em que não apenas expõe a teoria,
mas também prescreve o que fazer.
B.: Só há duas maneiras de conquistar o destino ou ser
independente dele. Uma é investigar quem está submetido a esse destino e
descobrir que é apenas o ego que está preso a ele e não o Eu Real, e que o ego
é não-existente. A outra forma é matar o ego através da entrega absoluta a
Deus, compreendendo sua própria impotência e dizendo em todos os momentos: "Não eu, mas Vós, Oh meu Senhor", assim renunciando
todo sentimento de "eu" e "meu", e deixando que Deus faça o
que quiser com você. A entrega não é completa enquanto o devoto ainda espera
algo em troca dela. A verdadeira entrega é amar a
Deus pelo próprio amor, e não a fim de ganhar alguma outra coisa, nem mesmo a
salvação. Em outras palavras, para conquistar o destino é preciso apagar o ego completamente,
quer você faça isso por meio da auto-inquirição (atma-vichara) ou por meio do caminho
da devoção (bhakti marga).
Essa forma de responder é comum entre os mestres espirituais.
Lembro uma vez quando li um texto sobre a vida de um santo Sufi, Abu Said,
narrado pelo professor Nicholson, no qual este conclui dizendo que o santo sufi
parecia ensinar a predestinação na teoria, mas o livre arbítrio na prática. Essa
é a atitude dos mestres, por mais enigmático que isso possa ser para um
filósofo. Cristo afirmava que nem um passarinho morre sem
que isso seja ação da vontade de Deus, e o Corão afirma que todo
poder e conhecimento estão com Deus e que Ele leva ao bem aqueles que ele quer
e extravia aqueles que Ele quer; no entanto, tanto Cristo quanto o Corão
exortam o homem ao esforço correto e condenam o pecado. Bhagavan afirmava
categoricamente que o esforço é necessário. Na vida real todos percebem isso,
independente da visão teórica que tenham. O homem faz o esforço físico de
colocar a comida na boca e mastigar; ele não diz: Qual é a utilidade de comer
se eu estiver predestinado a morrer de fome? Ele faz o esforço mental de
trabalhar para ter dinheiro para comprar comida, Por que aplicaríamos uma
lógica diferente ao esforço espiritual?
Um jovem da cidade de Colombo, no Ceilão, disse a Bhagavan: J.
Krishnamurti ensina o método de manter a consciência sem esforço e sem escolhas
como distinto do método de concentração deliberada. Poderia o Bhagavan explicar
qual é a melhor maneira de praticar meditação e qual forma o objeto da
meditação deveria ter?
B.: A consciência sem esforço e sem escolhas é a nossa
verdadeira natureza. Se nós conseguimos alcançar esse estado e permanecer nele,
está tudo bem. Mas a pessoa não consegue alcançá-lo sem o esforço da prática
deliberada da meditação, pois todas as vasanas (tendências
mentais latentes) profundamente enraizadas a levam para o exterior, em
direção aos objetos dos sentidos. Todas essas vasanas devem ser abandonadas e a
mente deve ser interiorizada, mas isso, para a maioria das pessoas, requer
esforço. E claro que todos os livros e mestres dizem que o aspirante deve ficar
em silêncio, mas isso não é fácil. É por isso que todo esse esforço é
necessário. Mesmo se você encontrar alguém que alcançou espontaneamente esse
estado supremo de quietude, pode ter certeza que é porque todo o esforço já foi
feito em vidas passadas. Assim, a consciência natural e
não discriminativa só é alcançada depois do esforço da
meditação. A forma da meditação vai depender
do que lhe atrai mais. Veja o que lhe ajuda a afastar todos os outros pensamentos
e adote isso para sua meditação.
[Neste momento Bhagavan cita alguns versos do grande poeta Tâmil
e santo, Thayumanavar:]
A Bem-Aventurança é o resultado da quietude, mas por mais que
você diga à sua mente essa verdade, ela não ficará quieta. E a mente que diz
para a mente ficar quieta a fim de atingir essa Felicidade, mas ela não o faz.
Apesar de todas as escrituras dizerem isso e apesar de nós ouvirmos
essa verdade diariamente das grandes almas e até mesmo do nosso
Guru, nós nunca ficamos quietos, mas sempre nos perdemos no mundo de Maya
(ilusão) e dos objetos dos sentidos. É por isso que é necessário o esforço
consciente e deliberado para se alcançar esse estado de quietude natural.
Realmente, até o estado natural
supremo ser alcançado, é impossível ao homem não fazer esforço. A sua própria natureza o compele ao esforço, assim como Sri
Krishna disse no Bhagavad Gita que a própria natureza de Arjuna o forçaria a
lutar.
D.: Eu quero ser mais
iluminado. Eu deveria então tentar não fazer esforço algum?
B.: Agora é impossível para você não se esforçar; quando
você for mais fundo, o esforço é que será impossível.
D.: Qual a diferença
entre meditação e samadhi, ou absorção no Eu Real?
B.: A meditação é iniciada e mantida por um esforço
consciente da mente. Quando tal esforço se acalma completamente é o samadhi.
B.: Se você consegue apenas permanecer quieto sem se envolver em
nenhuma outra atividade, isso é ótimo. Mas se isso não for possível, qual é a
utilidade de permanecer inativo apenas em relação à busca pela Realização?
Enquanto você for obrigado a ser ativo não desista do esforço de Realizar o Eu
verdadeiro.
A meditação é uma luta: assim que você começa a meditar os
outros pensamentos invadem a sua mente, ganham força, e tentam esmagar o
pensamento ou objeto único que você tenta manter. Com a prática
repetida, a capacidade da mente de manter-se nesse pensamento único aumenta gradualmente. Quando o pensamento ou objeto único for forte o suficiente
os outros pensamentos serão expulsos. Essa é a batalha constante da meditação. Enquanto houver ego o esforço é necessário. Quando o ego cessa as
ações se tornam espontâneas. Ninguém
tem sucesso sem esforço. O controle da mente não é seu direito de nascença - os
poucos que dominam a mente alcançaram isso graças ao seu esforço perseverante.
Às vezes vislumbres da Realização
são alcançados antes dela se tomar permanente. Nesses casos, o esforço continua
sendo necessário. O esforço é necessário até o momento da Realização. Com a
Realização o Eu Real deve se tornar espontaneamente
claro; caso contrário a felicidade não será completa. Até que se alcance esse estado
de espontaneidade o esforço deve ser mantido, de uma forma ou de outra.
Às vezes o esforço correto é encarado como um dever.
D.: Por que eu deveria
tentar alcançar a Realização? Emergirei desse estado de ilusão de qualquer maneira,
assim como cedo ou tarde eu acordo de um sonho. Nós não nos esforçamos para
acabar com o sonho enquanto dormimos.
B.; Em um sonho você nem suspeita que está sonhando, e por isso
você não tem nenhuma obrigação de se esforçar para sair dele. Mas nesta vida
você tem alguma intuição, baseado no que você lê e ouve e baseado na sua
experiência do sono, de que isto é uma espécie de sonho, e essa intuição lhe traz
o dever de fazer um esforço para acordar. Mas quem vai querer que você realize o Eu Real se você não o quiser? Se você prefere estar nesse sonho continue assim como você é.
Em outras vezes, entretanto, como na conversa que segue,
o buscador era lembrado de que mesmo esse esforço espiritual é parte da ilusão
de que ele é um ser individual.
D.: Diz-se que a nossa vida acordado é também um sonho, semelhante
ao que temos enquanto dormimos. Mas em nossos sonhos nós não fazemos nenhum
esforço consciente para nos livrarmos dele e acordar, pois o sonho chega a um
fim naturalmente e então acordamos. Assim, por que o estado de vigília, que em
realidade não passa de um outro tipo de sonho, não chega a um fim por si só sem
nenhum esforço da nossa parte, nos deixando assim no verdadeiro despertar ou
Realização?
B.: Você pensar que deve fazer um esforço para se libertar desse
sonho da vigília, e os esforços que você faz para alcançar a Realização, são
tudo partes do sonho. Quando você alcançar a Realização você verá que não havia
nem o sonho do sono nem o estado de vigília, mas apenas você mesmo e seu verdadeiro
estado em todos os momentos.
Em alguns casos a pergunta tomava a forma de um aparente
conflito não entre esforço e destino, mas entre esforço e graça, já que alguns
perguntavam qual era a utilidade de esforço se a Realização depende da graça de
Deus. De uma forma ou de outra essa
dúvida tende a surgir em qualquer religião, como exemplo no Cristianismo, onde
se discute se a salvação acontece por graça divina ou pelas boas obras. Na
verdade, como mostra o seguinte diálogo, não há nenhum conflito entre os dois.
V.: É dito que apenas aqueles que são escolhidos para a
Auto-Realização a alcançam. Isto é bastante desencorajador.
B.: Isso apenas significa que nós não podemos atingir a realização
do Eu pelo poder de nossa própria mente se não tivermos a ajuda da graça de
Deus.
V.: Mas é dito que o esforço humano é inútil; então qual incentivo
o homem tem para se aperfeiçoar? [Então eu lhe perguntei onde estava escrito
que a pessoa não deveria se esforçar ou que o esforço era inútil, e o visitante
apontou uma passagem do texto "Who am I?" onde diz que, como o poder indefinível
de Deus ordena, sustenta e controla todas as coisas, nós não precisamos nos
preocupar com o que devemos fazer. Então eu lhe apontei que o que estava sendo
desaprovado era a noção "eu sou o agente", e não o esforço humano em
si. Eu perguntei ao Bhagavan se a minha explicação estava correta e ele
aprovou].
Aqui, "eu" refere-se ao devoto A. Devaraja Mudaliar,
que presenciou e registrou o presente diálogo. [N.T]
D.: A graça é necessária para remover a ignorância.
B.: Certamente. Mas a
Graça está sempre presente. A Graça é o Eu verdadeiro. Ela
não é algo [novo] a ser obtido. Tudo o que é preciso é conhecer sua existência.
Assim também, o sol é pura claridade; o sol não conhece a escuridão, embora os
outros falem desta quando se afastam do sol. Como a escuridão, a ignorância é
um fantasma. Ela não é real. Por causa disso é que se diz que ela é "removida"
quando a sua irrealidade é descoberta. O sol está lá, brilhando, e você está
cercado pela luz solar; mesmo assim, se você quiser conhecer o sol você deve
voltar os olhos na sua direção e olhar para ele. Da mesma forma, a Graça só é encontrada
por meio do esforço, embora ela esteja sempre aqui e agora.
D.: Se eu desejar me entregar, a graça experimentada vai ser
maior, não vai?
B.: Entregue-se de uma vez por todas e acabe com o desejo. Enquanto houver a noção de que você
é o agente, o desejo vai continuar, e assim o ego também. Mas uma vez
que essa noção desaparece o Eu Real brilha em sua pureza. A prisão é o
sentimento de ser o agente, e não as ações em si. "Permaneça quieto e
saiba que Eu sou Deus". A
quietude é a entrega total, sem nenhum vestígio de individualidade.
Então a quietude prevalecerá e não haverá agitação na mente. A agitação mental
é a causa do desejo, do sentimento de ser o agente, e da personalidade. Se ela
é aquietada há o silêncio. Nesse sentido, "conhecer" significa
"ser". Não se trata do conhecimento relativo que envolve a tríade
conhecedor-conhecimento-conhecido.
D.: Mas talvez a pessoa não se sinta tão certa da existência da
graça Divina.
B.: Se a mente imatura não sente a graça de Deus isso não significa
que esta não está presente, pois isso implicaria que às vezes Deus não é
gracioso, ou seja, que ele deixa de ser Deus.
D.: Isso é o mesmo que Cristo disse: "Cada um receberá de
acordo com a sua fé"?
B.: Exatamente.
D.: Me disseram que nos Upanishads está escrito que apenas conhece
Atman (Eu Real) aqueles que Atman escolhe. Por que deveria o Atman escolher? Se
ele escolhe, por que algumas pessoas em particular?
B.: Quando o sol nasce apenas algumas flores desabrocham, mas não
todas. Isso é culpa do sol? Ao mesmo tempo, as flores não podem desabrochar por
si mesmas; elas precisam da luz do sol para isso.
D.: Podemos dizer que a ajuda de Atman é necessária pois foi o
próprio Atman que se ocultou sob o véu de Maya?
B.: Você pode dizer isso.
D.: Se Atman velou a si próprio não deveria ele mesmo remover esse
véu?
B.: Ele o fará. Mas pergunte-se: quem está reclamando do véu?
D.: Por que deveria? Deixe que o próprio Atman remova o véu.
B.: Se é o Atman que reclama do véu então ele o removerá.
D.: Se o Ser Supremo é onipresente, realizá-lo deveria ser algo
fácil. No entanto, as escrituras declaram que sem a Sua graça Ele não pode ser
nem adorado, muito menos conhecido. Então como pode o ser individual, pelos
seus próprios esforços, realizar o Eu ou Ser Supremo, senão por meio de Sua
graça?
B.: O
Ser Supremo é e sempre foi conhecido e realizado, pois Ele é um e idêntico ao
Eu Real. A Sua graça (anugraha) nada mais é do que a proximidade da Sua Divina
Presença (Prasannata), em outras palavras, é a Iluminação ou Revelação. O fato da pessoa não reconhecer essa Graça que está sempre presente
e que revela a si mesma não é uma prova contrária a isso. Se a coruja não vê o
sol que ilumina o mundo inteiro isso é culpa do sol? Não é devido à sua visão
defeituosa? Assim, se um
homem ignorante não está consciente do Atman ou Eu que ilumina a
si próprio, podemos atribuir isso à natureza do próprio Atman? Isso não é o
resultado da sua própria ignorância? O
Senhor Supremo é graça eterna. Por isso na verdade não existe nenhum
ato pessoal de "dar" a Graça. Estando sempre presente, a manifestação
da Graça não está limitada a nenhum tempo ou ocasião específicos. Voltar-se a Deus e desejar sua graça já é em
si resultado da sua Graça.
D.: É que as dúvidas não param de me atormentar. É por isso que
pergunto como devo fazer.
B.: Uma dúvida surge e é esclarecida. Depois surge outra que é
novamente esclarecida, dando lugar ao surgimento de uma nova, e assim por
diante. Mas não é possível esclarecer todas as dúvidas. Ao invés disso,
descubra para quem as dúvidas surgem. Vá à fonte do "eu" que duvida e
fique lá. Então as dúvidas param de surgir. É assim que as dúvidas devem ser
afastadas.
D.: Apenas a graça pode me ajudar a fazer isso.
B.: A graça não
é algo fora de você. Na verdade, o seu desejo por obter graça é um resultado da
graça que já está trabalhando em você.
D.: O sucesso não depende da graça de Deus?
B.: Sim, mas por acaso a sua prática já não é um resultado dessa
graça? Os frutos da graça surgem naturalmente através da prática. Há um verso
no Kaivalya que diz: "Oh Mestre, você sempre esteve comigo, cuidando de
mim encarnação após encarnação, e moldou o meu caminho até a Libertação".
O Eu Superior se manifesta exteriormente como Guru quando surge
a ocasião; antes disso ele permanece no interior, aí fazendo o trabalho que é
necessário.
V.: Na minha prática concreta sinto que não consigo ter sucesso em
meus esforços a menos que a graça do Bhagavan desça sobre mim.
B.: A Graça do
Guru está sempre ai. Você imagina que ela está em algum lugar lá no alto do céu
e que deve descer, mas na verdade ela está dentro de
você, no seu coração, e no momento em que você mergulha a mente na sua Fonte,
por qualquer que seja o método, a Graça surge como que jorrando de uma fonte no
seu interior.
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