1º Capítulo - A Teoria Básica
Os leitores de índole mais filosófica podem achar estranho que o
primeiro capítulo desta obra seja intitulado 'A Teoria Básica'. Pode lhes
parecer que a obra toda deveria ser dedicada à teoria. Na verdade, entretanto,
Ramana Maharshi estava muito mais envolvido com o trabalho prático de instruir
os aspirantes do que com a exposição da teoria.
A teoria tinha a sua importância apenas como base para a
prática.
D.: Dizem que o Buda ignorava perguntas sobre Deus.
B.: Sim, e por isso ele era chamado de agnóstico. Na verdade o
Buda apenas se ocupava em guiar o buscador para realizar a Bem-Aventurança aqui
e agora, ignorando discussões filosóficas sobre Deus e outros assuntos
metafísicos.
D.: O estudo da ciência, psicologia, fisiologia, etc, ajuda a
alcançar a Libertação do Yoga ou a compreender intuitivamente a unidade da
Realidade?
B.: Muito pouco. Um pouco de conhecimento teórico é necessário
para o Yoga, e este pode ser encontrado em livros, mas a aplicação prática é o
que é indispensável. O exemplo e a instrução pessoais, são as maiores ajudas.
Quanto à compreensão intuitiva, a pessoa pode esforçadamente se convencer da
verdade a ser compreendida pela intuição, da sua função e natureza, mas a
intuição real é mais um sentimento, e requer um contato concreto e pessoal. O mero aprendizado de livros não
é de grande utilidade. Depois da Realização toda a
bagagem intelectual é carga inútil e deverá ser jogada fora.
Preocupação com teoria, a doutrina e filosofia pode de fato ser
danoso, na medida em que distrai a pessoa do esforço espiritual, que é o que
realmente importa, oferecendo uma alternativa mais fácil, meramente mental, e
que por isso mesmo não pode mudar a sua natureza.
Qual é a utilidade do aprendizado para aqueles que não buscam
erradicar as cartas do destino (escritas em sua fronte), inquirindo: "De
onde nascemos nós que conhecemos essas cartas?" Eles se equiparam a um
gravador. O que mais eles são, Oh Arunachala? (Arunachala: montanha sagrada no sul da índia
onde Sri Ramana passou toda sua vida adulta. Em certa ocasião Bhagavan disse
que Arunachalla tinha sido seu lar).
Os pouco instruídos se libertam mais facilmente do que aqueles
cujo ego não se abrandou apesar de toda a sua cultura. Os chamados homens sem
cultura estão livres do domínio implacável do demônio da auto-fascinação; eles
estão livres da doença da turbulência de pensamentos e palavras; eles estão
livres de correr atrás de riqueza. É de mais de um mal que estão livres.
De igual maneira, ele não dava nenhum valor às discussões
teóricas.
É devido à ilusão nascida da ignorância que as pessoas falham em
reconhecer e permanecer Naquilo que é sempre e para todos a Realidade inerente
habitando como Eu Real em seu centro natural, o Coração, e que, em vez disso,
elas discutem se Ela existe ou não, se tem forma ou não, se é dual ou não-dual.
Pode algo surgir separado daquilo que é eterno e perfeito? Esses
tipos de disputa são infindáveis. Não participe delas. Ao invés disso, volte a
sua mente para o interior e ponha um fim a tudo isso. Todas as disputas são
fúteis.
Em última análise, até mesmo as escrituras são inúteis.
Aqui Ramana Maharshi faz referência à crença indiana que diz que
o destino (karma) de cada pessoa está escrito no seu rosto. [N.T.]
As escrituras servem para
indicar a existência do Poder Maior, ou Eu Real, e para apontar o caminho rumo a Isto.
Este é seu propósito essencial, e fora disto elas são inúteis. No entanto, elas são muito volumosas a fim de poder adaptar-se
ao nível de desenvolvimento de cada buscador. A medida que o homem avança na
escalada ele vê os estágios já alcançados apenas como degraus para estágios
mais elevados, até que alcança o objetivo final. Quando isso acontece
apenas a meta permanece, e tudo o mais, inclusive as escrituras, se torna
inútil.
Às vezes, é verdade, ele expunha a filosofia em toda a sua
complexidade, mas fazia isso apenas como uma concessão à fraqueza daqueles que
estavam viciados ao pensamento, como ele mesmo disse na sua obra Auto Inquirição. Eu pensei em
transcrever aqui essa citação, mas encontrei esta passagem que também traz este
conselho:
O labirinto complexo da filosofia das várias escolas tem como
propósito apenas clarificar os assuntos e revelar a Verdade, mas na verdade, o
que faz é criar confusão quando nenhuma deveria existir. Para entender qualquer
coisa deve haver um eu. O Eu é evidente, então por que não permanecer como o
Eu? Qual é a necessidade de explicar o não-eu?
E espontaneamente ele acrescenta:
Eu fui realmente afortunado por nunca ter me interessado por
filosofia. Se eu tivesse me envolvido com ela provavelmente não teria chegado a
lugar algum; mas as minhas tendências mentais inatas me levaram diretamente a
indagar "Quem sou
eu?" Como fui afortunado!
O
mundo - real ou ilusório
No entanto, algum ensinamento teórico é necessário para formar a
base do trabalho espiritual concreto. Com o Maharshi este ensinamento foi o da
não-dualidade, em sintonia com os ensinamentos do grande sábio hindu Shankara.
Essa sintonia não significa, entretanto, que o
Maharshi foi 'influenciado' por Shankara, mas apenas que ele
reconhecia o ensinamento de Shankara como uma exposição verdadeira daquilo que
ele mesmo havia realizado por meio do conhecimento direto.
D.: O ensinamento de Bhagavan é igual ao de Shankara?
B.: O ensinamento de Bhagavan é uma expressão da sua própria
experiência e realização. Os outros o veem como correspondente ao ensinamento
de Sri Shankara.
D.: Como podemos concordar com Shankara que diz que este mundo é
ilusório se os Upanishads dizem que tudo é Brahman?
B.: Shankara também disse que esse mundo é Brahman ou Eu Real. O
que ele desaprovava era imaginar que o Eu Real é limitado pelos nomes e formas
que constituem o mundo. Ele apenas disse que o mundo não possui nenhuma
realidade além de Brahman.
O Brahman ou Eu o Real é como uma tela de cinema, e o mundo é como as
imagens que aparecem nela. Você só vê a imagem enquanto há uma tela. Mas quando
o próprio observador se torna a tela apenas o Eu Real permanece.
Shankara foi criticado por sua filosofia de Maya (ilusão) sem
que fosse compreendido.
Ele fez três declarações:
1o) Brahman é real;
2°) 0 universo é irreal;
3°) Brahman é o universo. Ele não parou na segunda. A terceira
declaração explica as duas primeiras - ela significa que a percepção do
universo como separado de Brahman é falsa e ilusória. Equivale a dizer que os
fenômenos são reais quando experienciados como sendo o Eu Real, e ilusórios
quando vistos separados Dele.
Apenas o Eu existe e é
real. O mundo, o indivíduo e Deus são criações
imaginárias dentro do Eu, tal como o aparecimento da prata na madrepérola. Eles
aparecem e desaparecem simultaneamente. Na verdade, apenas o Eu Real é o mundo, o
"eu", e Deus. Tudo o que existe é apenas uma manifestação do Eu Supremo.
D.: O que é a Realidade?
B.: A Realidade é sempre real. Ela não tem nomes nem formas, mas
é o que os sustenta. Ela é a base de todas as limitações, sendo em si mesma
ilimitada. Ela não é confinada a nada. Ela é a base de tudo o que é irreal,
sendo em si Real. É aquilo que é. Ela é como é. A realidade transcende as palavras
e está além de descrições tais como ser e não-ser.
Ele não se enredava em contradições aparentes, sendo estes meros
frutos de um ponto de vista diverso ou de uma maneira diferente de se
expressar.
D.: Os budistas negam o mundo enquanto que a filosofia Hindu
admite a sua existência mas o tem como irreal, não é isso?
B.: É apenas uma diferença de ponto de vista.
D.: Eles dizem que o mundo é criado pela Energia Divina
(Shakti). O conhecimento do que é irreal é devido à ilusão (Maya) que cobre a
Realidade?
B.: Todos aceitam que a criação foi feita pela Energia Divina,
mas qual é a natureza desta energia? Deve ser correspondente à natureza da sua
criação. Como será explicado posteriormente, isso não implica em
"ateísmo", assim como a citação anterior não implica em
"panteísmo". De fato, os rótulos não ajudam muito a compreender
aquilo que não é um sistema filosófico, mas sim a base teórica para a prática
espiritual. [N.A.]
D.: Existem graus de ilusão?
B.: A ilusão é em si ilusória. Ela deve ser vista por alguém que
se encontra fora dela, mas como pode um observador assim estar sujeito a ela?
Então, como ele pode falar de graus de ilusão?
Você vê várias cenas passando na tela de cinema: o fogo parece
queimar os prédios, a água parece naufragar navios, mas a tela sobre a qual as
imagens são projetadas não é queimada pelo fogo nem molhada pela água. Por quê?
Porque as imagens são irreais e a tela é real. Semelhantemente, inúmeras
imagens são refletidas num espelho sem que este seja afetado por elas.
Igualmente, o mundo é um fenômeno sobre o substrato da Realidade única que não
é por ele afetado de maneira alguma. A Realidade é apenas uma.
Falar-se de ilusão é apenas devido o ponto de vista. Mude o seu
ponto de vista para o do Conhecimento absoluto e você perceberá que o universo
é apenas Brahman. Estando agora imerso no mundo você vê este mundo como real;
transcenda-o e ele desaparecerá, restando apenas a
Realidade.
Como o seguinte trecho mostra, o postulado de uma Realidade
universal requer o conceito de um processo de ilusão ou criação para explicar a
realidade aparente do mundo.
O mundo é percebido como uma realidade aparentemente objetiva
quando a mente se exterioriza, abandonando assim a sua identidade com o Eu Real. Quando o mundo é
assim percebido a natureza do Eu Real permanece velada; também, quando o Eu
Real é realizado o mundo cessa de ser percebido como uma realidade objetiva.
A ilusão é aquilo que faz as pessoas tomarem por inexistente e
irreal aquilo que é sempre presente e a tudo permeando, aquele Eu que é perfeito e auto-luminoso, e que é
de fato o centro do Ser de cada pessoa. Igualmente, a ilusão é aquilo
que faz os seres tomarem por real e existente por si aquilo que é inexistente e
irreal, isto é, a trilogia mundo-ego-Deus.
O mundo é mesmo real, mas não como uma realidade independente e auto
subsistente, assim como o homem que você vê no sonho é real como figura
onírica, mas não como homem.
O mundo é real tanto para aqueles que não realizaram quanto para
aqueles que realizaram o Eu Real. Mas para os que não realizaram, a Verdade é
delimitada pela forma do mundo, enquanto que para os que realizaram, a Verdade
brilha como a perfeição sem forma a Realidade sobre a qual o mundo aparece.
Esta é a única diferença entre eles.
[Um devoto relatou o que segue.] Eu me lembro que o Bhagavan às
vezes dizia que irreal (mithya, imaginário) e real (satyam) têm o mesmo
significado, mas eu não entendi bem, então perguntei-lhe a respeito. Ele disse:
"Sim, às vezes eu digo isso. O que você entende por 'real'? O que você
chama de 'real'?"
Eu respondi: "De
acordo com o Vedanta apenas aquilo que é permanente e imutável pode ser chamado
de real. Este é o significado de 'Realidade'".
Então o Bhagavan disse: "Os nomes e formas que constituem o
mundo estão constantemente mudando e desaparecendo, e por isso são chamados de
irreais. É irreal (imaginário) limitar o Eu Supremo a estes nomes e formas e
real considerá-los todos como sendo este Eu. O não-dualista diz que o mundo é
irreal, mas ele também diz, “Tudo isto é Brahman”. Então fica claro que o que
ele condena é ver o mundo como objetivamente real em si mesmo, sem encará-lo
como sendo Brahman. Aquele que vê o Eu Real vê também o mundo apenas como o Eu
Real. Para o Iluminado é irrelevante se o mundo aparece ou não, pois quer ele
apareça quer não, sua atenção permanece sempre voltada ao Eu Real. É como as
letras e o papel sobre o qual elas são impressas. Você está tão absorto nas
letras que você esquece do papel, mas os Iluminados veem o papel
como o substrato, quer as letras apareçam nele ou não.
Isso é expresso de maneira ainda mais sucinta assim: Os
Vedantins não dizem que o mundo é irreal. Isso é um equívoco. Se assim
pensassem, qual seria o significado de texto Vedântico: "Tudo isto é Brahman"?
Eles apenas querem dizer que o mundo é irreal como tal, mas real como sendo o
Eu. Mas se você perceber o mundo como não-Eu, ele é irreal. Tudo o que existe,
quer você chame de ilusão
(Maya), Brincadeira Divina (Lila) ou Energia (Shakti), deve
existir dentro do Eu Real, e não separado dele.
Antes de seguir em frente - tendo exposto a teoria de que o
mundo é uma manifestação do Eu Real, desprovido de uma realidade objetiva -
deve-se sublinhar mais uma vez que a teoria só era importante para o Maharshi
na medida em que ajudasse o desenvolvimento espiritual do homem, e não era
vista como um fim em si mesma. A cosmologia, como entendida pela física
moderna, não lhe interessava nem um pouco.
D.: Os Vedas contém descrições conflitantes sobre a cosmogonia.
Em um lugar dizem que o éter foi a primeira coisa a ser criada, noutro que foi
a energia vital, noutro que foi a água, etc. Como tudo isso pode ser
conciliado? Isso não prejudica a credibilidade dos Vedas?
B.: Diferentes observadores viram diferentes aspectos da verdade
em tempos diferentes, e cada um enfatizou um ponto de vista particular. Por que
você se preocupa com as suas declarações conflitantes? O objetivo principal dos
Vedas é nos ensinar a natureza do Eu imperecível e mostrar que nós somos AQUILO.(AQUILO: Tradução do Sânscrito “Tat” significa o Absoluto, Infinito
e sem atributos)
D.: Quanto a esta parte eu estou satisfeito.
B.: Então trate todo o resto como argumentos auxiliares ou como
exposições para o ignorante que deseja saber a origem das coisas.
O Major Chadwick estava copiando a tradução em inglês do texto Tâmil
Kayvalya Navaneeta quando se deparou com alguns termos técnicos que teve
dificuldade em compreender. Ele então questionou Bhagavan sobre eles, e
Bhagavan respondeu: "Essas partes lidam com teorias da criação. Elas não são
essenciais porque o propósito real das escrituras não é expor tais teorias.
Elas mencionam as
teorias casualmente, em favor daqueles leitores que possam se
interessar por elas. A verdade é que o mundo surge como uma sombra passageira
em um holofote. A luz é necessária até para ver a sombra. Não vale a pena fazer
nenhum estudo especial, análise ou discussão sobre a sombra. O propósito das escrituras é
falar sobre o Eu Real - aquilo que é dito sobre a criação pode ser dispensado
por hora".
Depois, Sri Bhagavan continuou: "O Vedanta diz que o cosmos
surge simultaneamente com aquele que o vê, sem expor nenhum processo detalhado
de criação. É semelhante a um sonho, no qual aquele que experimenta o sonho
surge simultaneamente ao sonho que ele experimenta. Entretanto, algumas pessoas
se apegam tão firmemente ao conhecimento objetivo que elas não ficam
satisfeitas ouvindo isso. Elas querem saber como a criação súbita pode ser
possível, e argumentam que um efeito deve
ser precedido por uma causa. Na verdade elas desejam uma
explicação do mundo que veem à sua volta. Então as escrituras tentam satisfazer
sua curiosidade expondo essas teorias. Este método de lidar com o assunto é
chamado de teoria da criação gradual, mas o verdadeiro buscador espiritual se
satisfaz com a teoria da criação instantânea".
A
natureza do homem
Chegamos agora à essência da teoria: a natureza do homem.
Independente do que o homem pensa a respeito da realidade do mundo ou da
existência de Deus, ele sabe por certo que ele existe. E é com o propósito de
entender e, ao mesmo tempo, aperfeiçoar a si mesmo, que ele estuda e busca a instrução
espiritual.
O indivíduo que identifica a sua própria existência com a
existência da vida no corpo físico, e o toma como "eu", é chamado de
ego. O Eu Real, que é pura Consciência, não
tem sentimento de ego ligado ao corpo.
Nem pode o corpo físico, que é por si só inerte, ter esse sentimento de ego. Entre os dois - ou seja, entre o Eu ou pura Consciência e
o corpo físico inerte - surge misteriosamente a sensação de ego, ou noção de 'eu',
este híbrido que não é nenhum dos dois e que floresce como ser individual. Este ego ou ser individual é a
raiz de tudo o que é fútil e desagradável na vida. Por isso ele deve ser
destruído por qualquer meio possível; então permanece apenas o brilho d'Aquilo
que sempre é. Isso é a Libertação, Iluminação ou Auto-Realização.
D.: O Bhagavan muitas vezes diz: "o mundo não é exterior a
você" ou, "tudo depende de você", ou "o que existe fora de
você?" Para mim isso tudo é muito enigmático. O mundo existia antes de eu nascer
e vai continuar a existir depois da minha morte, assim como continuou a existir
depois da morte tantos que viveram antes de mim.
B.: Alguma vez eu disse que o mundo existe por sua causa? Eu
apenas lhe coloquei a questão 'o que existe além de você mesmo? Você deve compreender que 'você mesmo'
não se refere ao corpo físico nem ao corpo sutil, mas ao Eu Real. O que lhe
foi dito é que uma vez que você conheça o Eu Real dentro do qual todas as
ideias existem,
incluindo a ideia de 'eu mesmo', 'outros como eu' e 'mundo',
você pode compreender a verdade de que existe uma Realidade, uma Verdade
Suprema que é o Eu Real de todo o mundo que você agora percebe, o Eu de todos os eus,
o Real, o Supremo, o Eu eterno, distinto do ego ou ser individual, que é
impermanente. Você não
deve confundir o ego, ou noção de corpo, com o verdadeiro Eu.
D.: Então o Bhagavan quer
dizer que o Eu Real é Deus?
Nesta resposta o Bhagavan, como lhe era peculiar, voltou a
discussão da teoria à prática. Apesar de o presente capítulo como um todo ser
dedicado à teoria, parece apropriado continuar este diálogo para mostrar como a
teoria era posta em prática.
B.: Você percebe a dificuldade disso? A auto-inquirição
"Quem sou eu?" é uma técnica diferente da meditação "Eu sou
Shiva” ou "eu sou Ele". Eu prefiro enfatizar o auto-conhecimento,
porque você primeiro está preocupado consigo mesmo antes de querer saber do
mundo ou seu Senhor. A meditação "Eu sou Ele" ou "Eu sou
Brahman" é mais ou menos mental, mas a busca pelo Eu de que eu falo é um
método direto, e de fato superior a ela. Pois, na medida em que você começa a busca pelo eu e vai
se aprofundando, o Eu Real está lá esperando para lhe receber; então, o que
quer que seja feito é feito por algo além, e você, como ser individual, não é
responsável por isso. Neste processo são automaticamente abandonadas
todas as dúvidas e discussões, assim como um homem que dorme esquece todas as
suas preocupações naquele momento.
A discussão que segue mostra como Bhagavan permitia que se
discutisse livremente as suas respostas quando o ouvinte não era convencido por
elas.
D.: Que certeza existe de que há algo lá esperando para me
receber?
B.: Quando a pessoa é suficientemente madura ela se convence
disso naturalmente.
D.: Como alcançar essa maturidade?
B.: Vários caminhos são ensinados. No entanto, qualquer que seja
o desenvolvimento prévio da pessoa, a prática ardente da auto-inquirição o
acelera.
D.: Mas isso é uma argumentação circular: eu sou forte o
bastante para praticar a auto inquirição se eu sou maduro, e é a própria
prática da auto inquirição que me torna maduro.
Esta é uma objeção que aparecia frequentemente de uma forma ou
de outra, e a sua resposta mais uma vez enfatiza que o que é necessário é a
prática e não a teoria.
B.: A mente tem dificuldade de entender isso. A mente quer uma
teoria para se satisfazer. Na verdade, entretanto, o
homem que ardentemente busca a Deus ou ao seu Eu verdadeiro não precisa de
nenhuma teoria.
Todos são o Eu Real e são, de fato, infinitos. No entanto, cada
um confunde o seu corpo com o Eu Real. Para se conhecer qualquer coisa
precisa-se de uma iluminação, e esta só pode ser da natureza da Luz - no
entanto, ela ilumina tanto a luz física quanto a escuridão física. Ou seja,
esta Luz está além da luz e escuridão aparentes. Ela em si não é nenhuma das
duas, mas é chamada de Luz porque
ilumina ambas. Ela é infinita e é Consciência. A Consciência é o
Eu do qual todos estão conscientes. Ninguém nunca está afastado do Eu Real, e
por tanto todos são de fato Auto-Realizados; o que acontece é que - e este é o
grande mistério - as pessoas não têm consciência disso e buscam realizar o Eu
Real. A Realização consiste apenas em se libertar da falsa noção de que não
somos realizados. Não é nada novo a ser adquirido. Ela deve já existir, caso
contrário ela não seria eterna, e apenas vale a pena se esforçar pelo que é
eterno.
Uma vez que a falsa visão "eu sou o corpo" ou "eu
não sou realizado" for removida apenas a Consciência Suprema ou Eu Real
permanece, e é isso o que as pessoas chamam de "Realização" no seu
estado atual de conhecimento. Mas a verdade é que a Realização é eterna e já
existe aqui e agora.
A Consciência é conhecimento puro. A mente surge dela e é constituída
de pensamentos. A essência da mente é apenas atenção ou consciência.
Entretanto, quando o ego nubla a mente, esta adota as funções de raciocínio,
pensamento e percepção. A mente universal, não sendo limitada pelo ego, não tem
nada exterior a si, e por tanto ela é apenas consciência. É isso o que a Bíblia
quer dizer
com "EU
SOU O QUE EU SOU".
A mente que é dominada pelo ego tem sua força drenada e por isso
é muito fraca para resistir a pensamentos perturbadores. A mente sem ego é feliz,
como nós percebemos no sono profundo, sem sonhos. Portanto, claramente se
percebe que perturbação e felicidade são apenas estados da mente.
D.: Quando eu procuro o "eu" eu não vejo nada.
B.: Você diz isso porque você está acostumado a identificar o
seu eu com o seu corpo e a sua visão com os seus olhos. O que existe para ser
visto? E por quem? E como? Existe apenas uma Consciência e esta, quando se
identifica com o corpo, projeta a si mesma através dos olhos e vê os objetos a
sua volta. O indivíduo está limitado ao estado de vigília; ele espera ver algo
diferente e aceita a autoridade dos seus sentidos. Ele não vai aceitar que
aquele que vê, os objetos vistos, e o ato de ver são todas manifestações da
mesma Consciência - o "Eu-Eu". A prática da meditação ajuda a superar
a ilusão de que o Eu Real é alguma coisa [objetiva] para ser vista. Na verdade
não há nada para ver.
Como você se reconhece agora? Você precisa por um espelho na sua
frente para reconhecer a si mesmo? A consciência em si é o "eu".
Realize-a e isto é a verdade.
D.: Quando eu investigo a origem dos pensamentos há a percepção
do "eu", mas isso não me satisfaz.
B.: Exatamente. Isso acontece porque essa percepção de
"eu" está associada a uma forma, talvez a forma do corpo físico. Mas
nada deveria ser associado ao Eu puro. O Eu Real é a Realidade pura em cuja luz
brilha o corpo, o ego, e tudo mais. Quando todos os pensamentos são
aquietados sobra apenas a pura Consciência.
D.: Como o ego surgiu?
Eis aqui uma questão que dá origem a intermináveis conjeturas,
mas o Bhagavan, atendo-se rigorosamente à verdade da não dualidade, recusa-se a
admitir sua existência.
B.: Não existe ego. Se existisse, você teria que admitir a
coexistência de dois "eus" em você. Portanto, também não existe
ignorância. Se você investigar dentro do Eu, a ignorância, que já é não existente,
vai ser vista como tal, e então você dirá que ela sumiu. Às vezes o ouvinte tinha a
impressão que a ausência de pensamentos é um mero "vazio mental", e por
isso o Bhagavan tinha o cuidado de alertá-los sobre esse ponto.
A ausência de pensamentos não significa um vazio. Alguém deve
estar consciente desse vazio. Conhecimento e ignorância são duais e pertencem
apenas à mente - o Eu Real está além de ambos. Ele é pura Luz. Não é necessário
que um eu veja o outro. Não existem dois eus. O que não é o Eu é apenas não-Eu,
e não pode ver o Eu. O Eu Real não possui visão ou audição, mas está além deles
brilhando sozinho como pura Consciência.
O Bhagavan muitas vezes apontava a existência contínua do homem
mesmo durante o sono sem sonhos como uma prova de que ele existe independente
do ego e do sentimento de ter um corpo. Ele também se referia ao estado de sono
profundo como um estado sem corpo e sem ego.
D.: Eu não sei se o Eu é diferente do ego.
B.: Em que estado você estava quando dormia profundamente?
D.: Eu não sei.
B.: Quem não sabe? O eu do estado de vigília? Mas você não nega
que existia durante o sono profundo, certo?
D.: Eu existia no sono profundo e existo agora, mas não sei quem
estava em sono profundo.
B.: Exatamente! O homem no estado de vigília diz que ele não
sabia de nada no estado de sono profundo. Agora ele vê objetos e sabe que ele
existe, mas no sono profundo não havia objetos e nem o observador. No entanto,
a mesma pessoa que fala agora existia também no sono profundo. Qual é a
diferença entre esses dois estados? Agora existem os objetos e a atividade dos
sentidos, enquanto que no sono profundo não havia. Surgiu uma nova entidade: o
ego. O ego age através dos sentidos, percebe objetos, se confunde com o corpo,
e afirma ser o Eu. Na realidade, aquilo que era no sono profundo continua a ser
agora. O Eu Real é
imutável. É o ego que surgiu entre os dois.
O que surge e desaparece é o ego; o que permanece imutável é o Eu Real.
Tais exemplos às vezes davam ensejo à ideia equivocada de que o
estado de Realização – ou permanência no Eu Real – que Bhagavan prescrevia, era
um estado de inconsciência como o sono físico, e por isso ele buscava evitar
essa ideia.
B.: A vigília, o sonho e o sono são apenas fases da mente. Eles
não são o Eu Real. O Eu Real é a testemunha desses três estados. A sua
verdadeira natureza continua existindo enquanto você dorme.
D.: Mas nós somos aconselhados a não pegar no sono enquanto
meditamos.
B.: O que você deve evitar é o torpor. (Torpor é um substantivo masculino com origem no latim torpore que
representa um estado
alterado de consciência que pode significar entorpecimento, preguiça, moleza ou indolência.)
O sono que se alterna com a vigília não é o verdadeiro sono; a vigília
que se alterna com o sono não é a verdadeira vigília. Você está desperto agora?
Não. O que você precisa fazer é acordar para o seu estado verdadeiro. Você não
deveria nem cair no falso sono e nem ficar falsamente acordado.
B.; Ainda
que o Eu Real esteja presente no sono também,
ele não é percebido neste estado. Ele não pode ser conhecido diretamente no
sono- Deve-se primeiro realizá-lo no estado de vigília, pois ele é a nossa
verdadeira natureza por trás dos três estados. O esforço deve ser feito
no estado de vigília e o Eu Real deve ser realizado aqui e agora. Então ele
será percebido como o Eu contínuo e intocado pela alternância
vigília-sonho-sono.
Com efeito, um dos nomes
do verdadeiro estado de um ser realizado é o 'Quarto Estado', que existe eternamente e está além dos três estados de vigília,
sonho e sono. Ele é comparado ao estado de sono profundo pois, como este, é sem
forma e não dual; no entanto, como mostra a citação acima, está longe de ser o
mesmo. No Quarto Estado o ego é absorvido pela
Consciência, enquanto que no sono ele fica
imerso na inconsciência.
Morte e renascimento
Em nenhum outro ponto o Bhagavan mostrou mais claramente que a
teoria deve ser adaptada ao nível da compreensão do buscador do que quando ele respondia
perguntas sobre a morte e renascimento. Para aqueles que eram capazes de
compreender a teoria não-dualista em sua forma pura ele apenas explicava que
esta pergunta não surge, pois como o ego não tem uma existência real agora,
também não o terá após a morte.
D.: As ações de uma pessoa nesta vida afetam os seus nascimentos
futuros?
B.: Você nasceu? Por que você se preocupa com nascimentos
futuros? A verdade é que não existe nascimento e nem morte. Que aquele que
nasceu pense sobre a morte e outros consolos para ela.
D.: A doutrina Hindu da reencarnação é correta?
B.: Não é possível dar uma resposta definitiva. No Bhagavad
Gita, por exemplo, até a presente encarnação é negada.
D.: A nossa personalidade não é sem começo?
B.: Primeiro descubra se ela existe e depois faça a pergunta.
Nammalwar diz: "Por ignorância tomei o ego pelo Eu Real, mas com o
conhecimento correto o ego não existe e você permanece como Eu Real".
Tanto os dualistas quanto os não-dualistas concordam que a Auto-Realização é
necessária. Primeiro atinja-a e depois faça
outras perguntas. Dualismo ou
não-dualismo - isso não pode ser resolvido por meio de teorias apenas. Se o Eu
Real for realizado, esta pergunta não surgirá.
Tudo o que nasce deve morrer; tudo o que é adquirido será
perdido. Você nasceu? [Não,] você existe eternamente. O Eu Real nunca pode ser
perdido.
O Bhagavan, de
fato, desencorajava a preocupação com esses temas metafísicos, já que eles
apenas distraem a pessoa do esforço de realizar o Eu Real aqui e agora.
D.: Dizem que depois da morte temos a escolha de desfrutar dos
nossos méritos ou dos nossos deméritos, que depende apenas de nossa escolha.
Isto é assim mesmo?
B.: Para que perguntar sobre o que acontece após a morte? Para que
perguntar se você nasceu ou não, se você colhe os frutos de seu karma passado
ou não? Você não terá essas perguntas daqui a pouco quando estiver dormindo.
Por quê? Por acaso você agora é uma pessoa diferente do que era enquanto
dormia? Não, você não é. Descubra porque essas perguntas não surgem quando você
está dormindo.
Ocasionalmente, entretanto, o Bhagavan aceitava um ponto de
vista menos elevado para aqueles que não podiam ater-se à teoria não-dualista
pura.
No Bhagavad Gita
Sri Krishna primeiro diz a Arjuna, no Capítulo II, que ninguém nunca nasceu e depois,
no Capítulo IV, que "você e eu já passamos por inúmeras encarnações. “Eu as conheço, mas você não". Qual dessas
declarações é verdadeira? O ensinamento varia de acordo com a compreensão do ouvinte.
Quando Arjuna disse que não iria lutar contra e matar seus
parentes e professores para conquistar o reinado, Sri Krishna disse: "Não é que
estes, você ou eu, não éramos antes, não somos agora, nem seremos depois.
Ninguém nasceu, ninguém morre e não será assim daqui para a frente." Ele posteriormente
desenvolveu este tema, dizendo que ele havia dado instruções ao Sol e, através dele,
a Ikshvaku; e Arjuna indagou como isso seria possível já que Krishna havia
nascido apenas há alguns anos atrás e eles tinham vivido em eras passadas.
Então Krishna entendeu seu ponto de vista e disse: "Sim, você e eu já
passamos por inúmeras encarnações. Eu as conheço, mas você não".
Essas declarações parecem contraditórias, mas cada uma é
verdadeira de acordo com o ponto de vista do ouvinte. Cristo também disse "Antes de Abraão ser, eu sou".
Assim como nos sonhos você acorda depois de várias experiências
novas, também depois da morte um novo corpo é encontrado.
Assim como os rios perdem a sua individualidade quando deságuam
no oceano - e mesmo assim as águas evaporam e descem como chuva de volta para o
rio e depois para o oceano -, os indivíduos também perdem a sua individualidade
quando vão dormir, mas retornam novamente de acordo com as suas tendências
inatas prévias. Similarmente, na morte o ser também não é perdido.
D.: Como isso?
B.: Veja como uma árvore cresce novamente depois de seus galhos
serem cortados. Enquanto a fonte da vida não é destruída, ela continua
crescendo. Da mesma forma, no momento da morte as tendências latentes retornam
ao coração, mas não são destruídas. É assim que os seres renascem. No entanto,
de um ponto de vista mais elevado ele responderia: Em verdade não existe nem
semente nem árvore - existe apenas Ser. Ocasionalmente ele explicava o processo
mais detalhadamente, mas sempre com a ressalva de que na verdade só existe o Eu
imutável.
D.: Quanto tempo dura o intervalo entre a morte e o
renascimento?
B.: Pode ser longo ou curto, mas o Homem Realizado não
passa por isso; ele é absorvido diretamente pelo Ser Infinito, segundo a
descrição do Brihad Aranyaka Upanishad. Alguns
dizem que, após a morte, aqueles que tomam o caminho da luz não mais renascem,
enquanto que aqueles que tomam o caminho da escuridão renascem depois de ter
colhido os frutos do seu karma (destino autoproduzido) em seus corpos sutis.
Se os méritos e deméritos de um homem são iguais ele
renasce imediatamente na Terra; se os seus méritos superam seus deméritos ele
primeiro vai ao céu em seu corpo sutil, já se seus deméritos superam seus
méritos ele vai primeiro ao inferno. Mas
em ambos os casos ele renasce posteriormente na Terra. Tudo isso é descrito nas
escrituras, mas na verdade não existe nem nascimento nem morte; cada um
simplesmente permanece como realmente é. Apenas isso é a Verdade.
Também ele explica em termos de misericórdia Divina.
B.: Deus em sua misericórdia não revela este conhecimento às
pessoas. Caso estas soubessem que haviam sido virtuosas no passado ficariam
orgulhosas, ou então ficariam desanimadas por seus deméritos. Ambos são ruins. Basta conhecer o Eu Real.
Às vezes, todavia, ele falava da maturidade de uma pessoa como
sendo resultado dos seus feitos em vidas passadas.
Uma pessoa competente, que talvez já tenha se qualificado em
encarnações passadas, compreende a verdade e fica em paz após ouvi-la apenas
uma vez, enquanto outras que não são tão qualificadas têm que passar por vários
estágios antes de alcançar o samadhi (consciência pura e direta do Ser).
Isso quer dizer que uma encarnação pode ser encarada como um dia
de peregrinação rumo à Auto-Realização. Quão perto ou
longe se está do objetivo final depende do esforço feito em dias passados;
quanto vai se avançar depende do esforço feito hoje.
Um cientista palestrante de uma Universidade perguntou se o
intelecto sobrevive à morte. Ramana Maharshi respondeu: "Por que pensar
sobre a morte? Reflita sobre o que acontece no seu sono.
Qual é a sua experiência dele?"
D.: O sono é transitório mas a morte não.
B.: O sono é o estado intermediário entre dois estados de
vigília, da mesma maneira que a morte é o estado intermediário entre dois
nascimentos. Ambos são impermanentes.
D.: O que eu quero saber é se quando o espírito é
descorporificado ele leva consigo o intelecto ou não.
B.: O espírito não é
descorporificado, apenas toma um corpo diferente. Se ele não estiver no corpo grosseiro
estará em um corpo sutil, como no sono, nos sonhos e no devaneio.
O Bhagavan nunca aceitou que as diferentes formas de se
expressar ou de formular as doutrinas entre as religiões representassem
contradições substanciais, já que a Verdade para a qual elas apontam é Uma e
Imutável.
D.: É correta a visão Budista de que não existe uma entidade
contínua que funcione como uma alma individual? Ela está de acordo com a
doutrina Hindu de um ego que reencarna? A alma é uma entidade contínua que
reencarna inúmeras vezes, como prega a doutrina Hindu, ou é um mero conglomerado
de tendências mentais, como ensina a Budista?
B.: O Eu Real é contínuo e não é
afetado por nada. O ego que
reencarna pertence ao plano inferior, o do pensamento. Ele é transcendido pela
Auto-Realização.
As reencarnações acontecem devido a um falso desdobramento do
Ser, e são por isso negadas pelos Budistas. O estado humano é o resultado de
uma junção do insensível e do sensível.
Às vezes a questão não era a reencarnação em si, mas sim a dor
da perda de um ente querido. Uma senhora que veio do norte da índia perguntou
ao Bhagavan se era possível conhecer o estado póstumo de um indivíduo.
B.: Sim, é possível, mas para que tentar? Esses fatos são tão
irreais quanto a pessoa que os vê.
D.: O nascimento de uma pessoa e sua vida e morte são reais para
nós.
B.: Sim, como você erroneamente se identifica com o corpo você
pensa o outro como sendo um corpo também. Mas nem você nem ele são um corpo.
D.: Mas a partir de meu próprio nível de entendimento eu vejo a
mim mesma e ao meu filho como reais.
B.: O nascimento do pensamento
"eu" é o nascimento da pessoa, e a sua morte é a morte da pessoa. Depois
de surgir o pensamento "eu", a errônea identificação com o corpo
também surge. Se você se identifica com o
corpo você erroneamente identifica os outros com seus corpos também. Assim como
você pensa que o seu corpo nasceu, cresceu e vai morrer, você também pensa que
o corpo do outro nasceu, cresceu e morreu. Você pensava sobre o seu filho antes
dele nascer? O pensamento veio depois dele nascer, e continua após sua morte.
Ele só é o seu filho na medida em que você pensa nele. Para onde ele foi? Para
a fonte de onde ele surgiu. Enquanto você continuar existindo ele continua
também. Mas se você deixar de se
identificar com o corpo e realizar o Eu Real essa confusão
desaparecerá. Você é eterna, e descobrirá
que os outros também o são. Enquanto isso não for realizado haverá sempre a
tristeza e o desgosto, fruto dos falsos valores que são produzidos pelo
conhecimento errôneo e pela identificação errônea.
Na ocasião da morte do Rei George V dois devotos estavam
discutindo o assunto no salão, e pareciam chateados. O Bhagavan disse: "O
que importa para vocês quem morre ou o que é perdido? Morram vocês mesmos e se
percam, tornando-se assim, com a extinção do ego, um com o Eu de todas as
coisas".
E, finalmente, sobre a importância da morte. As religiões em
geral dão importância ao estado mental em que a pessoa morre, e a seus últimos
pensamentos antes da morte. Mas o Bhagavan alertava as pessoas que é preciso
estar bem preparado antes, caso contrário tendências mentais indesejáveis podem
surgir com força demais, não podendo ser controladas.
D.: Se eu não puder me iluminar nesta vida, que eu possa pelo
menos não esquecer da iluminação no meu leito de morte. Que eu possa ter um
vislumbre da Realidade no meu último momento de vida, a fim de ter um bom
estado no futuro!
B.: No Capítulo VIII do Bhagavad Gita é dito que o último
pensamento de uma pessoa no momento da morte determina o seu próximo
nascimento. Mas é necessário experimentar a Realidade agora, nesta vida, a fim
de poder experimentá-la no momento da morte. Reflita se este momento é de qualquer
maneira diferente do último momento na morte, e tente estar no estado desejado.
Coração e mente
Aqui parece ser o local adequado para expor o ensinamento do
Maharshi sobre a mente e o coração. Ele ensinou que o Coração, e não a mente, é
o verdadeiro centro da Consciência. Mas por "Coração" ele não quis
dizer o órgão físico no lado esquerdo do peito, mas o coração espiritual no
lado direito, e por "Consciência" ele não quis dizer pensamento, mas
sim a pura Consciência ou o sentimento de ser. Ele descobriu por experiência
própria ser este o centro da consciência espiritual, e, posteriormente, viu sua
experiência confirmada em algumas escrituras antigas. Quando Bhagavan instruía
seus devotos a se concentrarem no Coração era para este coração espiritual, no
lado direito do peito, que ele estava apontando. Os seus devotos
experimentavam-no como um centro real, quase físico, de vibração da
Consciência. Contudo, ele também falava do Coração como equivalente
ao Eu Real, e lembrava-os de que na verdade ele não está em absoluto
situado no corpo, mas que transcende o espaço.
D.: Por que você diz que o coração no lado direito do peito se
os médicos sabem que ele é na esquerda? Que autoridade você tem?
B.: Ninguém nega que o coração físico está no lado esquerdo do
peito, mas o Coração do qual eu falo fica no lado direito. Esta é a minha
experiência e eu não exijo nenhuma autoridade para ela; mesmo assim você pode
encontrar uma confirmação dela em um livro Malayali sobre Ayurveda e também no Sita
Upanishad.
Dizendo isto o Bhagavan mostrou a citação do Sita Upanishad e
citou de memória a do livro sobre Ayurveda. Às vezes, quando perguntado, ele
também mencionava o texto Bíblico do Eclesiastes: "O coração do
sábio está na mão direita e o do tolo na esquerda".
D.: Por que nós devemos ter
um local, como o coração, para nos concentrar durante a meditação?
B.: Porque você busca a
Consciência verdadeira. Onde você pode encontrá-la? Você pode alcançá-la fora
de você mesmo? Você deve encontrá-la interiormente, e por isso você é
direcionado para o interior. O Coração é o centro da Consciência ou a Consciência
em si.
Eu lhe peço para observar onde o "eu" surge no seu
corpo, mas não é muito certo dizer que o "eu" surge e retorna ao lado
direito do peito. "Coração" é outro nome para a Realidade, e esta não
está nem dentro e nem fora de seu corpo. Como apenas Ela é, não existe
"dentro" e "fora" para Ela. Por "coração" eu não
quero dizer nenhum órgão fisiológico ou plexo ou nervos ou qualquer coisa do gênero;
porém, enquanto o homem se identifica com o corpo ou pensa que é o corpo ele é aconselhado
a observar aonde no corpo o pensamento "eu" surge e desaparece. Só
pode ser no lado direito do peito posto que todos os homens, de qualquer raça
ou religião, não importando a língua que fale, aponta para o lado direito do
peito para referir-se a si mesmo quando ele diz "eu". Isso é assim em
qualquer parte do mundo, então esse deve ser o local. E, observando
intensamente o surgimento do pensamento "eu" quando se acorda, e o
seu retorno no momento de se pegar no sono, pode-se ver que isso acontece no
coração no lado direito do peito.
Quando uma sala está escura você precisa de uma lâmpada para
iluminá-la, mas quando o sol nasce você pode ver os objetos claramente sem
fazer uso dela. E para ver o sol nenhuma lâmpada é necessária pois ele é
auto-luminoso. O mesmo se dá com a mente:
para ver os objetos é necessária a luz refletida da mente, mas para ver o
Coração basta voltar a mente para ele. Então a mente se
perde e só o Coração resplandece.
É uma prática tântrica concentrar-se em um dos chakras ou
centros espirituais do corpo, em geral sobre o ponto entre as sobrancelhas.
Como será mostrado em um capítulo mais adiante, o coração no lado direito do
peito não é um destes chakras; no entanto, na passagem que segue Bhagavan explica brevemente que a
concentração sobre o centro do coração é mais eficaz do que a concentração sobre
qualquer chakra, mas menos eficaz do que a
auto-inquirição pura.
D.: Dizem que existem seis órgãos sutis de cores diferentes
situados no peito, dos quais o coração espiritual é o que reside no lado
direito do peito, dois dedos do centro. Mas também dizem que o coração é sem
forma. èè Isso significa que nós deveríamos
imaginar que ele tem uma forma e meditar sobre ele?
èèB.:
Não; apenas a busca "Quem sou eu?" é necessária. É o mesmo Ser que continua
existindo tanto no estado de sono como no de vigília; mas no estado de vigília
existe a experiência da infelicidade e, portanto, o esforço para removê-la.
Quando lhe perguntam quem acorda do sono você diz "eu". Segure firme
este "eu". Se isso for feito o Ser Eterno revelará a Si mesmo. A coisa mais importante é a investigação do
"eu", e não a concentração no
coração. Não existe
"interior" e "exterior" - ambas as palavras significam a
mesma coisa ou nada em absoluto. Entretanto, também existe a prática da
concentração no centro-coração, que é uma forma de exercício espiritual. Apenas
quem se concentra no centro-coração pode permanecer consciente quando a mente
cessa sua atividade e permanece imóvel, sem pensamentos. Aqueles que se
concentram em qualquer outro centro não conseguem manter a consciência vazia de
pensamentos, mas apenas deduzir que a mente estava imóvel depois da mesma ter
voltado à atividade.
Na passagem que segue uma senhora inglesa comenta sobre essa
consciência livre de pensamentos, e o Bhagavan aprova.
D.: Os pensamentos
repentinamente cessam e o "eu-eu" surge igualmente de forma repentina
e permanece. Isso é só um sentimento, não um pensamento. Isso está correto?
B.: Sim, é bem assim.
Os pensamentos devem cessar e a razão desaparecer antes do "eu-eu"
surgir e ser sentido. O sentimento é o principal, e não a razão.
D.: Além disso, isso é sentido no lado direito do peito, e não
na cabeça.
B.: É aí que deve ser sentido, pois o coração fica aí.
D.: Mas quando eu olho para fora ele desaparece. O que eu devo
fazer?
B.: Segure-o firmemente.
Isso não significa que o pensamento é impossível durante o
estado de consciência "Eu-Eu", como é prova o próprio Bhagavan, que
vivia constantemente neste estado. Para o ignorante o pensamento é como uma
nuvem densa bloqueando-lhe a luz do sol. Quando o topo da nuvem se abre,
deixando assim a luz passar, nós podemos usar o pensamento sem ser iludido por
ele. Para usar outra metáfora, o Bhagavan às vezes comparava a mente de um
Homem Realizado à lua no céu durante o dia - ela está lá, mas a sua luz é
desnecessária, pois pode-se enxergar sem ela graças à luz direta do sol.
Sofrimento
Perguntavam muito para Bhagavan sobre o sofrimento. As perguntas
eram normalmente mais pessoais do que universais, já que em geral era a
experiência da dor que levava as pessoas a buscar consolo nele. O verdadeiro
consolo vinha através de sua influência silenciosa, mas mesmo assim ele também
respondia perguntas teóricas. A resposta habitual era propor ao buscador que
ele descobrisse quem é que sofre, assim como ele convidava àqueles assolados
por dúvidas a descobrirem quem é que duvida, èpois o Eu Real
está além do sofrimento e além da dúvida (logo eles descobririam que quem sofre
e duvida é apenas o ego). Ocasionalmente, porém, em um nível mais contingente, ele
apontava que o que quer que faça a pessoa se sentir insatisfeita com o seu
estado de ignorância e a faça buscar o Eu Real é benéfico, e que em geral
isso acontece através do sofrimento.
B.: A Bem-Aventurança do Eu Real está sempre com você, e você a
encontrará se buscá-la seriamente. èA causa da sua infelicidade não está nas circunstâncias
exteriores; ela está em você, é o ego.
Você impõe limitações a si mesmo e depois luta em vão para transcendê-las. èToda infelicidade e miséria vêm do ego. Ele é a origem de
todos os seus problemas. Qual é a
utilidade de atribuir a causa da infelicidade aos acontecimentos da vida quando
a causa está realmente dentro de você? Que felicidade você pode obter das
coisas exteriores a você mesmo? Quando você a obtém, quanto tempo ela dura?
èSe você negar o ego e ignorá-lo, você estará livre. Se
você o aceitar, ele irá lhe impor limitações e levá-lo a lutar em vão para
superá-las. Foi assim que o
"ladrão" arruinou o Rei janaka.
Ser o Eu
que você realmente é, é o único meio de realizar a Bem-Aventurança que é sempre
sua.
Um devoto muito próximo e humilde tinha perdido seu filho único
de três anos de idade. No dia seguinte ele chegou ao Asramam com sua família.
Bhagavan lhes disse: "O treinamento da mente ajuda a pessoa a suportar as
dores e privações com coragem; mas a perda do próprio filho é a maior das
dores. A tristeza só existe enquanto a pessoa pensa que possui uma forma
definida, mas se a forma é transcendida a pessoa reconhece o Eu Único como
eterno. Não existe nascimento nem morte. Apenas o corpo nasce, e
o corpo é uma criação do ego. No entanto, o ego não é comumente percebido
sem o corpo, e por isso você o identifica com o corpo. O que importa é o
pensamento. Que
o homem sensato reflita sobre se ele percebia seu corpo durante
o sono profundo ou não. Por que, então, ele o percebe no estado de vigília?
Apesar de o corpo não ser percebido durante o sono, pode-se dizer que o Eu Real
não existia? Qual era o seu estado durante o sono profundo e qual é o seu
estado agora quando desperto? Qual é a diferença? O despertar é quando o ego
surge. Simultaneamente os pensamentos aparecem. Descubra quem tem
os pensamentos. De onde eles vieram? Eles devem surgir do eu
consciente. Perceber isso, mesmo
que vagamente, ajuda a enfraquecer o ego. Então a realização da Existência
Única Infinita se torna possível. Com essa realização não existem mais
indivíduos, mas apenas o Ser Eterno. Daí não existe mais pensamentos de morte
nem tristeza.
Se um homem pensa que ele nasceu ele inevitavelmente sentirá
medo da morte. Deixe que ele descubra se ele alguma vez nasceu ou se existe
nascimento para o Eu Real.
Ele assim descobrirá que o Eu Real existe sempre e que o corpo, que é o que
nasce, se reduz a pensamento, e que o surgimento do
pensamento é a raiz de todo o mal. Descubra de onde vêm os pensamentos, e
então você permanecerá no mais íntimo e onipresente Eu, livre do conceito de
nascimento e do medo da morte.
D.: Se alguém que nós amamos morre isso nos faz sofrer. Nós
deveríamos, então, para evitar este sofrimento, amar a todos igualmente ou não
amar ninguém em absoluto?
B.: Se alguém que amamos morre isso causa sofrimento àquele que
continua vivo. A maneira de se livrar do sofrimento é não continuar vivendo.
Mate o sofredor - assim quem está lá para sofrer? O ego deve morrer, é o único jeito. As duas alternativas que você sugere dão no
mesmo. Quando percebemos que todos são apenas o Eu Único, quem está lá para
amar ou odiar?
No entanto, às vezes as perguntas eram impessoais, referindo-se
não a uma tragédia pessoal, mas ao mal e sofrimento universal do mundo. Nesses
casos as perguntas eram em geral feitas por visitantes que não compreendiam a
doutrina da não-dualidade ou não seguiam o caminho da auto inquirição.
Visitante: Problemas globais como a fome e a pestilência devastam o mundo.
Qual é a causa disso?
B.: Para quem tudo isso aparece?
V.: Isso não vai adiantar. Eu vejo miséria por toda parte.
B.: Você não está consciente do mundo e seus sofrimentos
enquanto dorme, mas está agora quando acordado. Continue no estado no qual
essas coisas não o afetavam. Quando você não está consciente do mundo, isto é,
quando você permanece como o Eu Real no estado de sono profundo, os seus sofrimentos não o afetam. Portanto, volte-se para o interior e busque o Eu Real - com isso haverá um fim para
o mundo e suas misérias.
V.: Mas isso é egoísmo!
B.: O mundo não existe fora de você. Como você se identifica
erroneamente com o corpo você vê o mundo como exterior a si mesmo, e então os
seus sofrimentos aparecem; mas o mundo e seus sofrimentos não são reais. Busque
a realidade e livre-se desse sentimento irreal.
No entanto, esse visitante não está inclinado a tomar essa
busca, então ele apenas falou novamente sobre o sofrimento e sobre aqueles que
lutam inutilmente para removê-lo.
V: Existem grandes homens e servidores públicos que não
conseguem resolver o problema do sofrimento no mundo, embora trabalhem nesse
sentido.
B.: Isso é porque estes estão baseados no ego. Se eles
permanecessem como o Eu Real isso seria diferente.
Ainda assim, presumindo a realidade do mundo objetivo, o
visitante pergunta agora de maneira indireta como isso poderia ser diferente,
exigindo daqueles que vivem no Eu a aceitação do irreal como real.
V.: Por que os Mahatmas ("Grande
Alma", um grande homem ou santo) não ajudam? Por enquanto Bhagavan vai responder no nível de
entendimento do visitante.
B.: Como você sabe que eles não ajudam? O silêncio dos Mahatmas
é muito mais importante do que fazer discursos, promover atividades exteriores
e dar ajuda material. Eles ajudam mais do que os outros.
Agora o visitante chega ao ponto prático: atividade exterior no
lugar da busca interior. Mas Bhagavan também rejeita este ponto de vista
categoricamente.
V.: Como nós podemos melhorar a condição do mundo?
B.: Se você estiver livre do sofrimento não haverá sofrimento em
parte alguma. O problema agora é que você vê o mundo como exterior a você mesmo
e pensa que há sofrimento nele. Mas
tanto o mundo quanto o sofrimento estão dentro de você. Se você se
voltar ao interior não haverá mais sofrimento.
V.: Deus é perfeito. Por que então Ele criou o mundo imperfeito?
Uma obra compartilha da natureza do seu autor, mas nesse caso isso não parece
ser assim.
B.: Por acaso você está separado de Deus para ter que fazer esta
pergunta? Enquanto você se considera o corpo você vê o mundo como exterior a
você. É para você que essa imperfeição aparece. Deus é perfeição e sua obra
também é perfeição, mas você a vê como imperfeita devido à sua identificação
errônea com o corpo ou ego.
V.: Então por que o Eu Real se manifestou na forma desse mundo
miserável?
B.: Para que assim você possa buscá-lo. Os seus olhos não podem
ver a si mesmos, mas se você segurar um espelho na sua frente eles poderão se
ver. A criação é o espelho. Primeiro veja a si mesmo e depois veja o mundo como
manifestação do Eu Real.
V.: Então a conclusão é que eu devo sempre olhar para dentro de
mim mesmo?
B.: Sim.
V.: Então eu não deveria nem olhar para o mundo?
B.: Você não é orientado a fechar os olhos para o mundo, mas
apenas para ver a si mesmo primeiro e depois ao mundo todo como o Eu Real. Se você se considera o corpo, o mundo parece ser
exterior; se você é o Eu Real, o mundo aparece como Brahman manifesto.
O problema é que é muito difícil enxergar o corpo e o mundo
objetivo como irreais. O Bhagavan admitiu isso no seguinte diálogo.
D.: Estou com dor de dente - isso é apenas um pensamento?
B.: Sim.
D.: Então por que eu não consigo simplesmente pensar que meu
dente está normal e assim me curar?
B.: Não se sente a dor de dente quando se está absorto em outros
pensamentos ou quando se está dormindo.
D.: Mas ela ainda sim continua.
B.: A convicção humana de que o mundo é real é tão forte que é
difícil se libertar dela. Mas o mundo não é mais real do que o indivíduo que o
vê.
Segue-se agora um diálogo engraçado que ilustra a dificuldade de
se compreender isso.
D.: No momento está acontecendo a guerra Sino-Japonesa. Se ela é
apenas imaginação, pode o Bhagavan imaginar que ela não está acontecendo e
assim acabar com ela?
B.: (Rindo) O Bhagavan que você vê (como um ser exterior) é
tanto um pensamento seu quanto a própria guerra Sino-Japonesa.
Finalmente uma citação que mostra como Bhagavan às vezes
respondia de maneira mais casual, apontando que é o sofrimento que torna o
homem descontente com a vida do ego e assim o incita a buscar a Auto-Realização.
D.: Mas por que existe o sofrimento agora?
B.: Se não existisse sofrimento como iria surgir o desejo pela
felicidade? E se esse desejo não surgisse como poderia surgir a busca pelo Eu Real?
D.: Então todo o
sofrimento é bom?
B.: Sim. O que é a
felicidade? Por acaso é possuir boa saúde, beleza e ter refeições regulares?
Mesmo um Imperador tem inúmeros sofrimentos, ainda que ele tenha
tudo isso. Todo sofrimento é devido à falsa noção "eu sou o corpo".
Libertar-se dessa falsa noção é chamado de Conhecimento (jnana).
Pecado
O pecado ou o mal de
qualquer tipo são o resultado de um egoísmo que não é controlado pela reflexão
sobre os efeitos danosos que tais atos produzem nos outros e em nós mesmos. As religiões buscam se proteger deles através de códigos morais
e disciplinares, que têm por objetivo manter o ego dentro de certos limites e
impedi-lo de ir para locais indesejados.
No
entanto, um caminho espiritual que é tão radical e tão direto a ponto de negar
a própria existência do ego não precisa se preocupar especificamente com os
vários excessos deste. O ego como um todo
deve ser renunciado. Portanto, a não-dualidade ataca o ego em si, e não as suas
manifestações específicas.
èèPor mais pecadora que uma pessoa possa ser, se ela parar
de se lamentar: "Ai de mim que sou um pecador! Como posso eu alcançar a
libertação?" e, abandonando até mesmo o pensamento de que é pecadora, se
dedicar zelosamente à auto-inquirição, ela com certeza realizará o Eu (Atman).
èèSimilarmente, para uma disciplina que tem por objetivo a
completa transcendência do pensamento em favor da realização de um Eu
supra-racional, a censura específica aos pensamentos negativos é desnecessária.
Qualquer pensamento é uma distração.
Uma senhora da Europa perguntou se não era útil na busca da
Realização cultivar pensamentos positivos, pelo menos nos primeiros passos da caminhada,
e Bhagavan respondeu-lhe:
Sim, eles são úteis na medida em que ajudam a manter longe os
pensamentos negativos, mas eles próprios devem desaparecer antes da Realização.
Como a qualidade da pureza (sattva) é a verdadeira natureza da
mente, a mente clara como um céu sem nuvens é a característica da expansão da
consciência. Sendo movida pela qualidade da atividade (rajas = "Atividade"
ou "agitação", uma das três qualidades primárias (gunas); sua cor é o
vermelho. Veja tamas, sattva.) a mente se torna
inquieta e, influenciada pela qualidade de obscuridade (tamas = "Obscuridade,
inércia", uma das três qualidades primárias (gunas); sua cor é o preto.
Veja rajas, sattva, ganas.) ela se manifesta
como o mundo físico. Quando a mente fica assim, por um lado inquieta e por
outro surgindo como matéria sólida, o Real não é discernido. Assim como não se
pode tecer fios de uma seda fina usando uma máquina de costura de ferro pesada,
nem se pode perceber a sutil manipulação de sombras e cores em uma pintura
iluminada com uma luz fraca, também a Realização da Verdade é impossível para a
mente que tornou-se grosseira pela obscuridade (tamas) e inquieta pela
atividade (rajas). Isso porque a verdade é muito sutil e serena. A mente só se
livra das suas impurezas cumprindo sem desejos seus deveres por muitas vidas,
encontrando um bom Mestre, aprendendo com ele, e praticando sem cessar a
meditação no Supremo.
Então a transformação da mente no mundo da matéria inerte devido à obscuridade
(tamas), e a sua inquietude devido à atividade (rajas) cessarão. Com isso a
mente retorna à sua serenidade e sutileza naturais. A Bem-
Aventurança do Eu Real só pode se manifestar em uma mente
que se toma sutil e estável por meio da meditação assídua. Aquele que experimenta
essa Bem-Aventurança alcança a libertação ainda neste corpo.
Por óbvio, ele insistia na necessidade da pureza mental. Quando
alguém reclamava que era muito fraco para resistir às tendências inferiores,
Bhagavan simplesmente lhe dizia para se esforçar mais. Porém, dependendo do
temperamento do buscador ele dizia para este descobrir quem tem tendências
inferiores, ou simplesmente para confiar em Deus.
D.: Eu sou um pecador e não desempenho nenhum dever religioso.
Eu terei um renascimento doloroso por causa disto?
B.: Por que você diz que é um pecador? A fé em Deus é suficiente
para salvá-lo do renascimento. Jogue todo o seu fardo sobre Ele. No
Tiruvachakam diz: "Embora eu seja pior que um cachorro, Você se encarrega
de cuidar de mim. A ilusão do nascimento e morte é mantida por Vós. Cabe a mim parar
e julgar? Por acaso eu sou o Senhor? Oh Deus Todo Poderoso, cabe a vós fazer-me
passar por
vários corpos ou manter-me fixo em Vossos pés". Então
confie em Deus e ele lhe salvará.
D.: Existe mais prazer na meditação do que na satisfação dos
sentidos, mas mesmo assim a mente busca esta e não aquela. Por quê?
B.: Prazer e dor
são apenas aspectos da mente. A nossa natureza essencial é felicidade, mas nós esquecemos
o Eu Real e imaginamos
que o corpo ou a mente é o Eu. É essa identificação errônea
que dá origem ao sofrimento. O que
fazer? Esta tendência está profundamente arraigada e cresceu forte por ter sido
alimentada durante muitos nascimentos. Ela deverá desaparecer antes que a natureza
essencial, que é Felicidade, possa ser realizada.
E, acima de tudo, não criar novas vasanas ou tendências latentes.
D.: Swami, como pode o domínio do ego ser enfraquecido?
B.: Evitando acrescentar novas vasanas (tendências
mentais) a ele. Se a realidade objetiva do mundo é uma ilusão,
então o mal que existe nela também o é, e o remédio é voltar a mente para o
interior, para a Realidade do Eu.
Um americano, o secretário do Swami Yogananda, perguntou
por que há o bem e o mal no mundo. Bhagavan
respondeu: Eles são termos relativos. Deve existir um sujeito para que o bem e
o mal sejam conhecidos. Esse sujeito é o
ego, que termina no Eu Real. Ou, se preferir, você pode dizer que a fonte do
ego é Deus. Essa definição talvez seja mais compreensível para você.
Deus.
Superficialmente pode parecer que as declarações de Ramana
Maharshi sobre Deus eram inconsistentes, já que em alguns momentos ele
aconselhava a fé e a completa submissão a Deus, e em outros dizia que Deus era
irreal. Mas na verdade não há contradição. Deve sempre ser lembrado que o
objetivo dos seus ensinamentos não era estabelecer uma filosofia, mas sim dar aconselhamento
prático àqueles que trilham o caminho espiritual. Aqueles que compreendiam o conceito
do Eu não-dual podiam ver que este era seu verdadeiro Eu, o Eu de Deus e o Eu
do mundo também, enquanto que aqueles que se apegavam à aparente realidade do
seu ego só conseguiam entender o Eu Real como sendo o Deus que os criou. Ele
explicava de acordo com as necessidades de quem perguntava. Neste ponto, assim
como em tantos outros, ele apontava a inutilidade de toda discussão. Seguir
qualquer um desses dois caminhos era bom: teorizar sobre eles não.
Todas as religiões pressupõem três elementos fundamentais: o mundo, a alma, e Deus; mas é apenas a Realidade Una que se manifesta como esses três. Só se pode dizer: "Os
três são realmente três" enquanto existir o ego. Portanto, permanecer
dentro do seu próprio Ser, após o ego morrer, é o estado perfeito.
"O mundo é real", "Não, ele é apenas uma aparição
ilusória", "O mundo é consciente", "Não é", "O mundo
é felicidade", "Não é", - qual é a utilidade dessas discussões? O estado em que,
tendo renunciado o ponto de vista objetivo, a pessoa conhece o seu Eu e assim transcende todas
as noções de unidade ou dualidade, de si mesmo e do ego, é amado por todos.
Se a pessoa tem forma, o mundo e Deus também parecerão ter
forma, mas se a pessoa é sem forma, quem está lá para ver essas formas, e como?
A natureza dos objetos vistos pode ser diferente da do olho que os vê? O Eu Real é o
verdadeiro Olho, e este Olho é Consciência infinita.
Brahman não pode ser visto ou conhecido. Ele está além da
relação tríplice do observador-visão-objeto visto ou
conhecedor-conhecimento-objeto conhecido. Essa Realidade permanece sempre como
é. O mundo ou a ignorância só existe devido à nossa ilusão. Na verdade nem o
conhecimento nem a ignorância são reais – a Realidade é o que está além deles,
além de todos os pares de opostos. Ela
não é nem luz nem escuridão, mas transcende a ambas, embora às vezes nós
falemos dessa
Realidade como sendo Luz e a ignorância como sendo sua sombra.
Quando havia uma busca genuína por compreensão o Bhagavan dava
explicações mais detalhadas, sempre levando o buscador de volta à doutrina do
Eu Uno.
O Sr. Thompson, um jovem muito quieto que estava vivendo há
alguns anos na índia e estudando intensamente a filosofia Hindu perguntou:
"No Srimad Bhagavad Gita diz: Eu sou o sustentáculo de Brahman. Em uma
outra parte diz: 'Eu sou no Coração de cada um'.
Assim são revelados os diferentes aspectos do Princípio último.
Eu entendo que há três aspectos:
(1) o transcendental,
(2) o imanente,
(3) o cósmico.
A Realização acontece em algum desses três em particular ou nos
três ao mesmo tempo? Indo do cósmico ao transcendental o Vedanta descarta todos
os nomes e formas como sendo maya. Mas o Vedanta também diz que o todo é
Brahman, e ilustra com a metáfora de que todos os ornamentos de ouro nada mais
são do que ouro. Como nós devemos compreender a verdade?"
B.: O Gita diz: Brahmano hi prastishtaham. Se este aham (ego) é
conhecido tudo é conhecido.
D.: Este é apenas o aspecto imanente.
B.: Agora você se acredita um indivíduo, fora de você há o
universo e que além do universo está Deus. Então há a ideia de separatividade.
Esta ideia deve desaparecer, pois Deus não é separado de você nem do cosmos. O
Gita também diz: "Oh Gudakesa, eu sou o Eu situado no coração de todos os seres;
eu sou o início, o meio e o fim de todos os seres.
Assim, Deus não apenas vive no coração de todos: Ele é o
sustentáculo de todas as coisas. Ele é a fonte, a morada e o final de todas as
coisas. Tudo vem Dele, fica Nele, e volta a Ele. Portanto Ele não é separado.
D.: Então como interpretar o verso do Gita que diz: "Todo
esse universo é uma partícula do meu corpo".
B.: Não significa que uma pequena partícula se separa de Deus e
forma um universo. Seu Shakti (poder) está atuando e, como resultado de uma
fase dessa atividade o cosmos se manifesta. Assim também a declaração do
Purusha Sukta: Podosia viswa bhutani (Todos os seres formam uma parte Dele) não
significa que Brahman tem quatro partes.
D.: Eu entendo isso. Com certeza Brahman não é divisível.
B.: Então a verdade é que Brahman é tudo e é indivisível. Ele é
sempre realizado. Mas o homem não sabe disso, e isso é tudo o que ele precisa saber. "Conhecimento"
quer dizer superar os obstáculos que obstruem a revelação da Verdade Eterna de
que o Eu e Brahman são idênticos. Os obstáculos como um todo formam a sua ideia
de ser um indivíduo separado. Portanto, a atual busca resultará na revelação da
verdade de que o Eu não é separado de Brahman.
Em muitas escrituras hindus Brahman é descrito simbolicamente
como tendo quatro partes. [N.T.] Os cristãos, com exceção dos grandes místicos,
apegam-se à ideia de um ego permanentemente real e separado. Sri Bhagavan teve
uma discussão sobre esse ponto com um padre jesuíta, mas esta não pôde ser
concluída. Bhagavan tentando levar a mente do padre para a auto-inquirição
interior e este exigindo uma exposição teórica do assunto.
O Dr. Emile Gathier, professor de filosofia no Sacred Heart
College em Shembaganur, Kodaikanal, perguntou: Você pode me dar um resumo de
seus ensinamentos?
B.: Você pode encontrar isso nos livretos que publicam aqui, em
especial no Quem sou eu?
D.: Então vou lê-los. Mas será que eu poderia ouvir o ponto
central dos seus ensinamentos diretamente dos seus lábios?
B.: O ponto central é a coisa em si.
D.: Para mim não ficou claro o que você quer dizer com isso.
B.: É que você deve encontrar o centro.
D.: Eu venho de Deus. Não é Deus diferente de mim?
B.: Quem faz essa pergunta? Deus não faz. Você a faz. Então primeiro descubra quem você é e então você poderá
descobrir se Deus é diferente de você ou não.
D.: Mas Deus é perfeito e eu sou imperfeito. Então, como eu
posso conhecer Deus completamente?
B.: Deus não diz isso. É você que faz a pergunta. Depois de descobrir quem você é, você saberá o que Deus é.
D.: Você descobriu quem você é, então, por favor, diga-me se
Deus é diferente de você ou não.
B.: Isso é um assunto experimental: cada um deve experimentar
por si mesmo.
D.: Ah, entendi! Deus é infinito e eu sou finito. Eu tenho uma
personalidade, e esta nunca pode se unir a Ele, não é verdade?
B.: O infinito e a perfeição não admitem a existência de partes.
Se um ser finito está separado do Infinito então a perfeição do Infinito fica
desfigurada. Assim, a sua afirmação é uma contradição em termos.
D.: Não. Veja, há Deus e há sua criação.
B.: Como você está consciente de sua personalidade?
D.: Eu tenho uma alma. Eu conheço a minha personalidade por meio
de suas atividades.
B.: Você a conhecia durante o sono profundo?
D.: As atividades são suspensas durante o sono profundo.
B.: Mas você existia no sono profundo como existe agora também.
Qual desses dois é o seu verdadeiro estado?
D.: Sono e vigília são meramente casuais. Eu sou a substância
por detrás deles.
Ele olhou para o relógio e disse que estava na hora de ir embora
para pegar o trem. Ele agradeceu a Sri Bhagavan e depois saiu. Assim, a
conversa acabou abruptamente. O seguinte diálogo toca em vários problemas que
atormentam os filósofos e teólogos há séculos - Onisciência Divina e livre
arbítrio; leis naturais e atividade divina; Deus pessoal e Deus impessoal Porém,
pelo tom das respostas percebe-se que o Bhagavan considerava esses problemas
como de importância secundária.
D.: Qual é a relação entre o livre arbítrio e o poder superior
do Onipotente? (a) A Onipotência Divina é compatível com o livre-arbítrio do
ego? (b) A Onisciência Divina é compatível com o livre arbítrio do ego? (c) As
leis naturais são compatíveis com o livre arbítrio Divino?
B.: Sim. O livre arbítrio é o presente surgindo para uma
faculdade limitada de visão e vontade. Este mesmo ego, quando olha para suas
atividades passadas, percebe que elas se desenvolveram segundo certas
"leis" ou regras - sendo o seu próprio livre arbítrio um dos elos
dessa corrente causai. Então o ego percebe que a Onipotência e Onisciência
Divinas agiram através do seu aparente livre
arbítrio. Então a pessoa chega à conclusão de que o ego é guiado
pelas aparências. As leis naturais são manifestações da vontade de Deus e foram
por Ele estabelecidas. A conversa que segue mostra muito bem a recusa em se
discutir a teoria e a insistência na necessidade da prática.
D.: Deus é pessoal?
B.: Sim, Ele é sempre a primeira pessoa, o Eu, sempre diante dos
seus olhos. Mas como você dá prioridade às coisas mundanas, Deus parece ter
recuado para segundo plano. Se você desistir de tudo
e buscar apenas Ele, Ele permanecerá como o Eu Real.
D.: O estado final de Realização, segundo o Advaita, é a união
absoluta com o Divino, uma união qualificada segundo o Visishtadvaita, enquanto
que o Dvaita diz que não há união. Qual dessas deve ser considerada a
perspectiva correta?
B.: Para quê especular sobre o que vai acontecer no
futuro? Todos concordam que o eu existe. Não importando à qual escola de
pensamento pertença o buscador sincero, que ele primeiro descubra o que é esse "eu". Aí então será o momento de saber o que
é o estado final e se o "eu"
será
absorvido pelo Ser Supremo ou se ficará separado dele. E melhor manter uma mente aberta e não
antecipar a conclusão.
D.: Mas algum conhecimento do estado final não é útil para
guiar o aspirante?
B.: Não serve para nada tentar decidir agora qual será o
estado de Realização final. Isso não possui nenhum valor intrínseco.
D.: Por que não?
B.: Porque você estaria seguindo um princípio errado. Você
alcançará uma conclusão por meio do intelecto, sendo que este brilha apenas pela luz que vem do Eu Real. Não é presunçoso por parte do intelecto julgar Aquilo que é a
fonte da sua própria pequena luz? Como pode o intelecto, que nunca poderá
alcançar o Eu Real, ser competente para analisar e ainda decidir a natureza do
estado final de Realização? É como tentar medir a luz do sol tendo como
parâmetro a luz produzida por uma vela. A cera irá derreter muito antes da vela
chegar mesmo que perto do sol. èèEm vez de entregar-se à mera especulação, devote-se aqui
e agora a buscar a Verdade que está sempre dentro de você.
Às vezes também lhe faziam perguntas a respeito dos
muitos deuses do Hinduísmo. Em
relação a isso deve-se esclarecer que os hindus, como os cristãos e muçulmanos,
adoram o Deus Único - inclusive, algumas das perguntas acima sobre este Deus
foram feitas por hindus. No entanto, eles também veneram a Deus manifestado em
várias formas, sem que um nome, forma, ou ponto de vista negue o outro.
D.: Por que as escrituras mencionam tantos deuses?
B.: O corpo é apenas um, mas quantas funções diferentes não são
realizadas por ele! A fonte de todas essas funções é apenas uma. O mesmo se dá
com os vários deuses. Também lhe
perguntavam às vezes se os vários deuses e seus respectivos céus eram reais.
Mas essas perguntas partem do pressuposto que este mundo físico e o corpo de
quem fez as perguntas são reais - presunção essa que Bhagavan não aceitava.
Como sempre, então, ele procurava levar a pessoa a buscar a Realidade.
D.: Os deuses, Ishvara e Vishnu, e seus céus, Kailas e
Vaikuntha, são reais?
B.: Tão reais quanto você no seu corpo.
D.: O que eu quero saber é se eles possuem uma existência
fenomenal, tal como o meu corpo, ou se são meras ficções, tais como os chifres
de uma lebre?
B.: Eles de fato existem.
D.: Sendo assim, eles devem estar em algum lugar. Onde eles
estão?
B.: Em você.
D.: Então eles são apenas ideia minha, algo que eu crio e
controlo?
B.: Tudo é.
D.: Mas eu posso criar uma mera ficção, como uma lebre com
chifres, ou uma verdade parcial, como uma miragem. Fora isso, no entanto, há
fatos que existem independentemente da minha imaginação. Os deuses, Ishvara e
Vishnu, existem assim?
B.: Sim.
D.: Deus está sujeito à dissolução cósmica ao final de um ciclo
universal?
B.: Como Ele poderia estar? Quando um homem realiza o Eu Real
ele transcende a dissolução cósmica e é libertado; quer dizer então de Ishvara
(Deus criador), que é infinitamente mais sábio e capaz que o homem?
D.: Os deuses e demônios também existem?
B.: Sim.
D.: Como devemos conceber a Suprema Consciência Divina?
B.: Como aquilo que é.
Particularmente interessantes são as perguntas feitas por um
professor muçulmano a respeito dos hinos de louvor que o Bhagavan escreveu a
Deus na forma de Arunachala.
D.: Eu li os seus "Cinco Hinos", e neles você se
dirige a Arunachala. Mas, sendo você um não-dualista, como você pode se dirigir
a Deus como se fosse um Ser separado?
B.: O devoto, os hinos, e Deus são todos o Eu Real.
D.: Mas você está se dirigindo a Deus. Você está tomando esta
montanha Arunachala como Deus.
B.: Você pode identificar o Eu Real com o corpo, então por que
os devotos não deveriam identificar o Eu Real com Arunachala?
D.: Se Arunachala é também o Eu Real, por que escolher
especificamente ela dentre tantas outras montanhas? Deus está em toda parte.
Por que especificá-lo como sendo Arunachala?
B.: O que o trouxe desde Allahabad até aqui? O que atraiu todas
essas pessoas aqui?
D.: O senhor.
B.: E como eu fui atraído até aqui? Por Arunachala. Seu poder
não pode ser negado. Por outro lado, Arunachala está dentro e não fora. O Eu Real é Arunachala.
D.: Nos livros sagrados usa-se muitos termos: Atman, Paramatman,
Para, etc. Qual é a graduação entre eles?
B.: Eles significam a mesma coisa para aqueles que usaram essas
palavras, mas são entendidos diferentemente pelas pessoas, de acordo com seu nível
de desenvolvimento.
D.: Mas para que usar tantas palavras para o mesmo significado?
B.: Depende das circunstâncias. Todas querem significar o Eu
Real. Para significar não relativo, ou além de relativo, ou seja, o Absoluto.
Bhagavan muitas vezes fazia comentários que a crítica
superficial pode tomar como agnósticos ou ateístas, assim como as críticas
superficiais feitas ao ensinamento do Buda. Por exemplo, ele dizia:
Por que se preocupar com Deus? Nós não sabemos se Deus existe
mas sabemos que nós existimos, então primeiro concentre-se em si mesmo.
Descubra quem você é. Não há nenhum agnosticismo nisso, já que o Bhagavan,
assim como o Buda, falava a partir do Conhecimento perfeito. Ele apenas se
colocava no lugar de quem fazia a pergunta e o aconselhava a se concentrar mais
no que ele sabia do que no que ele meramente acreditava. Muitas vezes ele dizia para as pessoas não se preocuparem
se existia ou não um Deus, ou se a Realização implicava em
unir-se a Ele ou não, mas simplesmente que elas deveriam
se esforçar para realizar o Eu, e que quando isso acontecesse, elas saberiam.
Teorizar sobre esses temas não iria ajudá-los.
Uma vez um devoto leu para um visitante uma versão Malayalam da
obra Ulladu Narpaâu (Forty Verses). Depois de ouvi-la este perguntou: Poderia
me explicar a referência feita à dualidade durante o esforço e unidade no
final?
B.: Ele se refere às pessoas que pensam que deve-se começar o
esforço espiritual com uma ideia dualista. Eles dizem que Deus existe e que
deve-se meditar sobre Ele e venerá-lo até que o indivíduo seja completamente
absorvido em Deus. Outros dizem que o Ser Supremo e o indivíduo sempre
permanecem separados e nunca se fundem. Mas não vamos nos preocupar agora com o
que
acontece no final. Todos concordam que o indivíduo existe agora.
Então que o homem descubra-o-isto é, que ele
descubra seu Eu. Depois disso ele poderá descobrir se o eu é absorvido no
Supremo, se fica separado Dele, ou se é parte Dele. Não antecipemos a conclusão. Mantenha uma mente aberta,
mergulhe no seu interior e encontre o Eu Real. Assim você definitivamente
começará a ver a verdade, então por que tentar previamente decidir se a união é
absoluta ou qualificada, ou se a dualidade persiste? Não há porque fazer isto.
A sua decisão seria feita pelo intelecto e pela lógica, mas o intelecto deriva sua luz do Eu Real
(Poder Maior), então como pode a sua luz refletida e parcial contemplar a Luz
original em sua totalidade? Já que o intelecto não pode chegar ao Eu Real,
como poderia ele determinar Sua natureza?
Explicando o assunto para uma senhora norte-americana, Bhagavan
disse:
Apenas o Eu Superior é Real. Todo resto é irreal. A mente e o intelecto não existem
separados de você. A Bíblia diz: "Permaneça quieto e saiba que Eu sou
Deus". A quietude ou imobilidade é tudo o que é necessário para realizar
que "Eu sou" é Deus.
Depois ele acrescentou:
Todo o Vedanta está contido nas duas declarações bíblicas
"Eu sou o que Eu sou" e "Permaneça quieto e saiba que Eu sou
Deus.
Para quem achasse a prática da auto-inquirição muito difícil ele
recomendava a adoração e a submissão.
D.: Sobre o que deve-se pensar durante a meditação?
B.: O que é a meditação? É a suspensão dos pensamentos. Você é
perturbado por seus pensamentos, que surgem um atrás do outro. Segure um só
pensamento para que os outros sejam excluídos. A prática contínua dá
a força mental necessária para meditar.
A meditação difere de acordo com o nível de desenvolvimento do buscador. Se a pessoa está
preparada ela pode diretamente agarrar aquele que pensa, e então o pensador
será naturalmente absorvido de volta à Fonte de onde surgiu, que é a
Consciência Pura. Se a pessoa não consegue
diretamente agarrar o pensador, ele deve meditar em Deus e, com o tempo ela se
tomará pura o bastante para agarrar o "eu" que pensa e mergulhar no
Ser absoluto.
No caso de ser escolhido o caminho da devoção, ele exigia a
entrega absoluta.
D.: Deus é descrito como sendo tanto imanifesto como manifesto. Sendo
manifesto, Ele é descrito como incluindo o mundo como parte de Seu Ser. Se isso
é assim, nós, como partes do mundo, deveríamos poder conhecê-Lo facilmente em
Sua forma manifesta.
B.: Conheça a si mesmo antes de buscar conhecer a
natureza de Deus e do mundo.
D.; Conhecer a mim mesmo implica em conhecer Deus?
B.: Sim, Deus está dentro de você.
D.: Então o que me impede de conhecer a mim mesmo ou Deus?
B.: A sua mente que divaga e seus caminhos desvirtuados.
D.: Eu sou uma criatura fraca. Por que o poder superior do Deus
interior não remove os obstáculos?
B.: Sim, Ele o fará se você alimentar essa aspiração.
D.: Por que Ele não cria essa aspiração em mim?
B.: Então entregue-se.
D.: Se eu me entregar, não será necessário orar a Deus?
B.: A entrega em si é uma poderosa oração.
D.: Mas não é necessário compreender a natureza de Deus antes de
me entregar?
B.: Se você acredita que Deus vai fazer todas as coisas que você
quer que Ele faça, então entregue-se a Ele. Caso contrário, deixe Deus em paz e
conheça-se a si mesmo.
Se o devoto se entrega completamente não podem existir a
reclamação e a frustração.
D.: Nós somos pessoas mundanas e sofremos de um mal que não
podemos superar. Nós oramos a Deus mas não somos atendidos. O que devemos
fazer?
B.: Confiar em Deus.
D.: Nós nos entregamos a Ele, mas mesmo assim Ele não ajuda.
B.: Entregar-se completamente significa que você deve aceitar a
vontade de Deus, e não reclamar do que não lhe agrada. As coisas podem se
revelar diferentes do que pareciam. O sofrimento e a aflição muitas vezes levam
a pessoa a ter fé em Deus.
D.: Mas nós somos pessoas mundanas. Nós temos esposas,
filhos, amigos e relacionamentos. Nós não podemos ignorá-los e nos conformar à
vontade de Deus sem manter algum traço de individualidade.
B.: Isso quer dizer que você não
se entregou realmente, como imagina ter feito. Tudo o que você precisa é apenas
confiar em Deus. Para seguir o caminho
da devoção deve-se deixar tudo nas mãos de Deus. O Senhor carrega o fardo do
mundo. Saiba que o falso ego que acredita carregar o fardo é como um homem
esculpido ao pé da torre de um templo que parece sustentar o peso da torre. De quem é a culpa se o passageiro carrega
suas malas no colo, para seu próprio desconforto, em vez de acomodá-las
no bagageiro do trem, que no final das contas é que as carrega?
A entrega incondicional não admite nem mesmo a ânsia de alcançar
a Realização rapidamente. Para alguém que sofria dessa aflição
Bhagavan respondeu:
Renda-se a Ele e aceite a Sua vontade quer Ele apareça ou
desapareça. Aguarde Seu capricho. Se você
espera que Ele aja como você quer, isso é ordem e não entrega. Você não pode
pedir que Ele lhe obedeça e ainda assim pensar que se entregou. Ele sabe o que é
melhor para você, e como e quando fazê-lo. Deixe tudo inteiramente com Ele. O
fardo é Dele e você não deve mais se preocupar. Todas as suas preocupações e
incumbências são na verdade Dele. Isso é entregar-se. Até mesmo a oração pode
representar uma falta de confiança, e Bhagavan normalmente não encorajava a
prece no sentido de pedir algo.
Eles oram a Deus e no final da oração dizem: "Seja feita a
Vossa vontade". Se a vontade Dele vai ser feita, então por que eles oram?
É verdade que a vontade Divina prevalece em todos os momentos e circunstâncias.
Os indivíduos não podem agir por si. Reconheça o poder da vontade Divina
e permaneça em silêncio. Deus cuida de todos. Ele criou todos. Você é apenas um entre dois bilhões. Ele
cuida de tantos - será que Ele esquecerá de você? Mesmo o senso comum concorda
que deve-se aceitar a vontade Divina.
Não é necessário dizer a Ele o que você precisa. Ele conhece muito bem quais são suas verdadeiras necessidades,
e cuidará de atendê-las. Era outras ocasiões, entretanto, ele confirmava a
eficácia das orações. Como em outros assuntos, Ramana Maharshi apresentava o
ponto de vista que melhor ajudaria o desenvolvimento espiritual daquele
buscador em particular.
D.: As nossas preces são atendidas?
B.: Sim, elas são atendidas. Nenhum pensamento é emitido em
vão. Cada pensamento produzirá o seu efeito em um ponto ou em outro. A força do
pensamento nunca será em vão. Como se vê, isso aponta para uma concepção muito
mais ampla do que a ideia de um Deus antropomórfico que responde pessoalmente
às nossas preces. Entender isso implica assumir responsabilidade por nossos pensamentos
tanto quanto assumimos por nossas ações, lembrando que
Cristo também disse que olhar para uma mulher com olhos de
luxúria é um pecado tanto quanto cometer adultério com ela. A passagem seguinte
mostra como esse ensinamento está longe de qualquer concepção antropomórfica de
Deus.
As lentes emitem calor, as flores desabrocham, a água evapora e
as pessoas desenvolvem as suas várias atividades, tudo pela mera presença dos
raios de sol, e não por qualquer desejo, deliberação ou esforço pessoal por parte
do sol. A agulha se move pela mera proximidade ao imã. Da mesma forma, a alma (=jiva), submetida
à atividade tríplice da criação, preservação e destruição – que ocorre pela
mera presença do Poder Maior - age de acordo com os seus karmas, retornando ao descanso
depois de suas atividades. Mas Deus em Si mesmo não possui nenhuma intenção;
nenhuma ação ou evento toca nem mesmo a franja do Seu Ser. Esse estado de
distanciamento imaculado pode ser comparado àquele do sol, que não é afetado
pelas atividades da vida, ou àquele éter (akasha, o quinto elemento) que a tudo
permeia sem ser afetado pela interação do complexo de qualidades dos outros
quatro elementos.
Tal era a população aproximada da Terra na época em que esse
diálogo ocorreu, em 1938. [N.T.]
Religiões
Já deve estar claro até aqui que o ensinamento de Bhagavan não
se opunha ao de nenhuma religião. Se filósofos e teólogos desejassem discutir
assuntos metafísicos com o Maharshi ele se recusava e, ao invés disso, buscava
levá-los à prática espiritual, como mostra o diálogo com o padre jesuíta na página
31.
O conhecimento real desses assuntos só virá com a
Iluminação, sendo de pouca utilidade todo o saber teórico a respeito disso.
Rigorosamente falando, Ramana Maharshi não era hindu, já que o Hinduísmo reconhece que aquele que alcança a
identidade constante e consciente com o Eu Real está acima de todas as
religiões, sendo o pico da montanha para o qual todas elas convergem. Bhagavan
teve muitos seguidores que não eram hinduístas, e eles nunca foram aconselhados
a trocar de religião.
A religião envolve dois modos de atividade, que podemos chamar
de horizontal e vertical, Horizontalmente ela
harmoniza e controla a vida do indivíduo e da sociedade de acordo com a fé e a moralidade,
dando assim oportunidade e incentivo de levar uma boa vida rumo a uma boa
morte. No seu aspecto vertical
ela apresenta caminhos espirituais para aqueles que buscam atingir um estado mais
elevado, ou realizar a verdade última durante esta vida terrena. Horizontalmente as religiões são
mutuamente excludentes, mas não realmente contraditórias, mas Bhagavan estava
mais preocupado com seu aspecto vertical, os caminhos rumo à libertação, e por
isso o seu ensinamento não colidia com nenhuma religião. Ele guiava os que seguiam o caminho mais direto e central,
que é a busca pelo Eu que ele ensinava; e, para este caminho, qualquer religião
pode servir de base. Ele aprovava
todas as religiões, e se alguém que não seguisse nenhuma religião formal fosse
seguir seus ensinamentos, ele não pedia que eles escolhessem uma religião.
Quando perguntado sobre as diversas práticas religiosas ele sempre acentuava o
seu significado mais profundo e, sobre as diferentes religiões, enfatizava a
sua unidade básica.
D.: O que é Yoga?
B.: Yoga (união) é necessária para quem está em um estado
de viyoga (separação). Mas na verdade só existe o Um. Se você realizar o Eu Real não existe
diferenciação.
D.: É útil se banhar no Ganges?
B.: O Ganges está dentro de você. Banhe-se neste Ganges; ele não
vai fazer você tremer de frio.
D.: Nós deveríamos ler o Bhagavad Gita?
B.: Sempre.
D.: Podemos
ler a Bíblia também?
B.; A Bíblia e
o Gita são a mesma coisa.
D.: A Bíblia ensina que o homem nasce por meio do pecado.
B.: O homem é pecado. Não existe o sentimento de ser um ser
humano durante o sono profundo. O pensamento-corpo faz nascer a ideia do
pecado. O nascimento do
pensamento em si é o pecado.
D.: A Bíblia diz que a
alma humana pode ser perdida.
B.: O que é perdido é o
pensamento-eu, que é o ego. O Eu Real é "Eu sou o que Eu sou".
A doutrina da Trindade é explicada da seguinte forma: Deus
o Pai é equivalente a Ishvara, Deus o filho é equivalente ao Guru, e Deus o
Espírito Santo a Atman (o Eu Real), "Isvaro gururatmeti murti bheda vibhagina
vyomavad vyapta dehaya dakshinamurtaye namah, significa que Deus aparece ao seu devoto sob a forma de Guru (Filho
de Deus) e lhe aponta a imanência do Espírito Santo. Ou seja: Deus é o
Espírito; o Espírito está imanente em toda parte; e o Eu Real, que é o mesmo que
Deus, deve ser realizado.
Ele criticava o estar satisfeito com viver nos céus, sejam
hinduístas ou outros, já que mesmo lá a forma continua e, com ela, a tríade
observador-visão-objeto visto, e o Eu Único permanece oculto.
D.: Há um pequeno relato
das experiências espirituais de Santa Teresa publicado na edição de março da
Prabuddha Bharata. Através de sua devoção a uma imagem da Nossa Senhora, esta imagem
se tornou animada para ela, e ela estava em beatitude. Isso é o mesmo que
Saktipata? (Shaktipat ou Shaktinipata
é um termo em Sânscrito que se refere a um ato de um guru ou professor
espiritual conferida por um forma de poder espiritual ou despertamento sobre um
discípulo/estudante. "Shakti" se traduz como energia e
"pat" como toque).
B.: A imagem animada indica a
profundidade da sua meditação (dhyana bala). Saktipata prepara a mente para a
introversão. Existe, por exemplo, o exercício de concentrar a mente sobre sua
própria sombra e, com o tempo e com a prática, esta se torna animada e até
responde a perguntas feitas a ela. Isso se dá devido à força da mente ou
profundidade da meditação. Mas o que quer que seja externo também é
transitório. Tais fenômenos podem dar alegria à pessoa no momento em que ocorrem,
mas deles não resulta uma paz permanente (Shanti). Essa só é alcançada
removendo-se a ignorância (avidya).
D.: Não podemos ver Deus
em uma forma concreta?
B.: Sim. Deus está na mente. Uma forma concreta pode ser vista,
mas isso ainda acontece na mente do devoto. A forma e aparência sob a qual Deus se manifesta são
determinados pela mente do devoto. Mas
isso não é a experiência última, pois há um sentimento de dualidade nela. É
como um sonho ou visão. Depois de Deus ser percebido a auto-inquirição
começa, e é ela que guia o buscador à Auto-Realização. A auto-inquirição
é o caminho último.
Às vezes as suas respostas eram cifradas e epigramáticas. Nelas
todas pode-se encontrar a mesma verdade universal; a forma ríspida que algumas
poderiam assumir em geral refletiam a agressividade das perguntas feitas ou do
comportamento do questionador.
Q.: Qual é a melhor de
todas as religiões? Qual é o seu método?
B.: Todos os métodos e
religiões são a mesma coisa.
Q.: Mas diferentes
métodos são ensinados para se alcançar a libertação.
B.: Por que você quer ser libertado?
Por que não continuar como você é agora?
Q.: Eu quero me livrar do
sofrimento. Dizem que a libertação é isso.
B.: Isso é o que todas as
religiões ensinam.
Q.: Mas qual é o método?
B.: Volte para o lugar de
onde você veio.
Q.: De onde eu vim?
B.: É exatamente isso que
você precisa descobrir.
Essas perguntas surgiam enquanto você dormia profundamente? Não,
mas mesmo assim você existia durante o sono. Você não era a mesma pessoa?
Q.: Sim, eu existia no sono, assim como a mente, mas os sentidos
estavam inativos e por isso eu não podia falar.
B.: Por acaso você é um indivíduo? Você é a mente? Por acaso a
mente anunciava a sua existência para você enquanto você dormia?
Q.: Não, mas as autoridades dizem que a individualidade é
diferente de Deus.
B.: Não se preocupe com Deus; fale apenas por si mesmo.
Q.: E quanto a mim? Quem sou
eu?
B.: É exatamente isso que você
precisa descobrir. Então você saberá tudo. Se mesmo havendo alcançado o
Auto-Conhecimento, você ainda tiver essas dúvidas, daí então será o momento de perguntar.
Q.: Quando eu acordo eu vejo o mundo e eu permaneço o mesmo.
B.: Mas você não sabe disso durante o sono profundo. E mesmo
assim você existe nos dois estados.
Quem está diferente agora? A sua natureza é mudar ou permanecer
imutável?
Q.: Qual é a prova que tenho?
B.: Alguém precisa de alguma prova de sua própria existência? Apenas esteja consciente de si mesmo e todo o resto será
conhecido.
Q.: Então por que os dualistas e não-dualistas discutem tanto?
B.: Se cada um
deles se ocupasse apenas da sua tarefa (de buscar a Realização) não haveria discussões.
As experiências espirituais
podem ser expressas de maneira diversa, pois para poder expressá-las é necessário
dar uma forma para Aquilo que não tem forma, e as formas são diferentes; mas elas
expressam essencialmente a mesma Realidade.
D.: A experiência do
estado mais elevado é a mesma para todos ou há diferença?
B.: O estado mais elevado é o
mesmo e a experiência também.
D.: Mas eu vejo
diferenças nas interpretações dadas a essa verdade suprema.
B.: As interpretações são
feitas pela mente. As mentes são diferentes, e por isso as interpretações também
diferem.
D.: O que
eu quero dizer é que aqueles que veem essa Verdade também se expressam diferentemente.
B.: A sua maneira de se
expressar pode ser diferente de acordo com a natureza dos buscadores que eles
procuram guiar.
D.: Uns
falam em termos cristãos, outros em termos muçulmanos, outros ainda em termos
budistas, etc. Isso é por causa da cultura em que foram criados?
B.: Qualquer que seja a cultura, a experiência é a mesma. Apenas a forma de se
expressar difere de acordo com as circunstâncias.
O mesmo vale para os
diferentes métodos e escolas dentro de uma mesma religião.
D.: Diferentes
professores estabeleceram diferentes escolas e proclamaram diferentes verdades,
assim confundindo as pessoas. Por que isso?
B.: Todos
ensinaram a mesma verdade mas de pontos de vista diferentes. Essas diferenças
são necessárias para satisfazer as necessidades de diferentes mentes em
diferentes contextos, mas todos esses pontos de vista revelam a mesma verdade.
D.: Mas eles recomendavam
caminhos diferentes. Qual eu devo seguir?
B.: Você fala de
"caminhos" como se você estivesse em um lugar e o Eu Real em outro, e
que você devesse ir até lá atingi-lo. Mas na verdade o Eu Real está aqui e
agora e você é e sempre foi Ele. E como você estar aqui e perguntar às pessoas
qual é o caminho para chegar ao Ramanasramam, e então reclamar que cada uma
aponta um caminho diferente e perguntar qual deve seguir.
Ao mesmo tempo em que Bhagavan confirmava as várias visões
religiosas, ele estimulava as pessoas a irem além dessas rumo ao Eu Único. Abaixo, Paul Brunton, autor de "A
índia Secreta", lhe perguntou sobre as várias doutrinas do céu e do
inferno.
D.: Por que as religiões
falam de deuses, céu, inferno, etc?
B.: Apenas para as pessoas
perceberem que essas coisas estão em par de igualdade com esse nosso mundo, e
que apenas o Eu Superior é real. As religiões se
expressam de acordo com o ponto de vista do buscador. Pegue por exemplo o
Bhagavad Gita. Quando Arjuna disse que não lutaria contra seus próprios
familiares e amigos nem para ganhar o reino, Sri Krishna respondeu: "Não é
que eles, você e eu não éramos antes, não somos agora, e não seremos depois. Ninguém
nasceu, ninguém morreu, nem nascerá nem morrerá'. Depois, na medida em que ele
ia desenvolvendo o assunto ele declarou que havia dado a mesma instrução ao
Sol, a Ikshvaku, etc. Então Arjuna ficou confuso e perguntou:
"Como pode ser, você nasceu faz alguns anos, e eles viveram
eras atrás". Sri Krishna, entendendo o ponto de vista de Arjuna, disse:
"Sim, tanto você quanto eu tivemos inúmeras reencarnações; eu as conheço
mas você não". Tais declarações parecem contraditórias, mas cada uma delas
está certa de acordo com o ponto de vista de quem fez a pergunta. Cristo também
declarou: "Antes de Abraão
ser, Eu era".
D.: Qual é o propósito de
tais descrições religiosas?
B.: Apenas revelar a
realidade do Eu.
D.: O Bhagavan sempre
fala a partir do ponto de vista mais elevado.
B,: (Rindo) As pessoas não
compreendem a verdade nua e crua - a verdade da sua experiência diária, sempre
presente e eterna; a verdade do Eu Real! Existe
alguém que não está consciente do Eu? No entanto, as pessoas nem querem ouvir a
respeito disso, mas estão ansiosas para saber o que há além - o céu e o
inferno, a reencarnação, etc. Como as pessoas amam o que é misterioso e não a
verdade nua e crua, as religiões alimentam essas tendências [apresentando
inúmeras visões de mundo] – tudo para no fim levar as pessoas de volta ao Eu. Além disso, por mais que você viaje
você deverá retomar ao Eu Real no final; então por que já não permanecer no Eu
aqui e agora?
Em uma passagem citada anteriormente a pessoa foi aconselhada a
ler a Bíblia e o Gita constantemente. Porém, em outras ocasiões ele lembrava
que as escrituras também devem ser transcendidas.
Todas as escrituras têm por
objetivo apenas fazer com que o homem retroceda sob seus passos de volta á sua
fonte original. Ele não precisa ganhar nada
novo. Ele só precisa abandonar suas ideias falsas e acreções inúteis. Em vez de
fazer isso, entretanto, ele busca alcançar alguma coisa estranha e misteriosa,
porque acredita que a sua felicidade está em algum outro lugar. Esse é o erro.
Todas as escrituras proclamam
sem exceção que para se alcançar a libertação a mente deve ser transcendida. E, uma vez que a pessoa saiba que seu objetivo último é o
controle da mente, é fútil fazer um estudo interminável delas. O que é
necessário para esse controle da mente é investigar dentro de si através da
auto-investigação
"Quem sou eu?". Como poderia essa investigação na busca pelo
Eu ser feita através do estudo das escrituras?
Você deve realizar o Eu Real
através do seu próprio Olho da
Sabedoria. Por acaso Rama necessita de um espelho para saber que é Rama?
Aquilo a que o "Eu" se refere está dentro dos cinco revestimentos,
enquanto que as escrituras estão fora deles. Por isso, é fútil
buscar encontrar por meio do estudo das escrituras o Eu Real, que
é realizado pela rejeição imediata até mesmo desses cinco revestimentos.
A Libertação consiste apenas
em investigar "quem sou eu que estou preso?" e conhecer a sua própria
natureza. A auto-inquirição (atma-vichara) é manter a mente (a atenção)
constantemente interiorizada e fixada no Eu,
enquanto que a meditação (dhyana) consiste em contemplar fervorosamente
"eu sou o Absoluto (Brahman)", que é Ser-Consciência-Beatitude
(Sat-Chit-Ananda).
De fato, chegará um
momento em que você deverá esquecer tudo o que aprendeu. O Homem Realizado é
Aquele a que se referem todos os atributos enumerados nas escrituras. Para ele,
portanto, esses textos sagrados são completamente inúteis.
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