4º Capítulo - O Guru


4º Capítulo - O Guru

Sempre foi ensinado que para se atingir a Realização não é necessário apenas a prática, mas também um guia. Nesse ponto, como em todos os outros, Bhagavan deu à doutrina seu sentido mais profundo. De fato, ele acaba dando o mesmo significado da doutrina cristã da "presença de Cristo em você" e da doutrina budista da "natureza de Buda", que deve ser encontrada dentro de si mesmo.

D.: O Bhagavan disse que sem a graça do Guru o Eu não pode ser realizado. Qual é o significado preciso disso? O que é esse Guru?
B.: Do ponto de vista do caminho do conhecimento (jnana marga), o Guru é o estado supremo do Eu Real. Ele é diferente do "eu" ego que você acredita ser.
D.: Então, se é o estado supremo do meu próprio Eu, em que sentido Bhagavan diz que eu não posso me iluminar sem a graça do Guru?
B.: O ego é o ser individual, e ele não é o mesmo que o Eu Real, que é Deus. Quando o ego se aproxima de Deus com devoção sincera Ele graciosamente toma um nome e uma forma e o atrai [devoto/buscador] para Si. Por isso se diz que o Guru nada mais é do que Deus. Ele é uma corporificação da Graça Divina. Isso parece dizer, então, que o Guru é Deus, ou Eu Real, manifestado exteriormente na forma humana, e que essa manifestação exterior é necessária.

Mas aqui o buscador não se convence dessa indispensabilidade do Guru físico, já que ele sabia que o próprio Bhagavan não teve nenhum Guru humano, e que há outros casos de mestres que também alcançaram a Realização dessa forma, especialmente entre os fundadores das religiões. Então ele prossegue:

D.: Mas houve alguns que parecem não ter tido nenhum Guru humano, não é verdade?
B.: Verdade. No caso de algumas grandes almas Deus se revela como a Luz da Luz interior. Ocasionalmente acontecia de alguém objetar abertamente que o próprio Bhagavan não teve um Guru, e, nesses casos ele respondia que o Guru nem sempre precisa tomar uma forma física. [Algumas pessoas que conheciam seu ensinamento apenas através de terceiros e dos livros, sugeriam que ele não ensinava que o Guru era indispensável, e apontavam como justificativa o fato de ele nunca ter dado nenhuma iniciação formal nesse sentido. Porém, ele rejeitava isso inequivocamente. S.S. Cohen registrou uma conversa que o Bhagavan teve sobre esse assunto com Dilip Kumar Roy, o famoso músico do Sri Aurobindo Ashram] Dilip: Algumas pessoas dizem que o Maharshi ensina que um Guru não é necessário, e outras dizem o contrário. Qual é a visão do Maharshi a respeito?

B.: Eu nunca disse que um Guru não é necessário.
Dilip: Sri Aurobindo muitas vezes disse que você não teve nenhum Guru.
B.: Isso depende do que você chama de Guru. Um Guru não precisa necessariamente ter uma forma física. Dattatreya disse que teve vinte e quatro Gurus - os cinco elementos, etc. Isso quer dizer que qualquer forma no mundo era seu Guru. O Guru é absolutamente necessário. Os Upanishads dizem que ninguém além do Guru pode tirar o homem da selva das percepções sensoriais e formações mentais; logo, o Guru é indispensável. Dilip: Eu quis dizer um Guru humano - o Maharshi não teve nenhum Guru humano.
B.: Eu posso ter tido num momento ou no outro. Por acaso eu não cantei hinos à Arunachala? O que é o Guru? É Deus ou o Eu Real. Primeiro o homem ora a Deus para ter seus desejos satisfeitos. Mas chega um dia em que ele não busca mais a satisfação desses desejos, mas ora para encontrar Deus. Então, em resposta às suas orações, Deus aparece ao devoto como Guru, seja em forma humana ou
em outra forma, para assim guiá-lo à Realização. [Apenas quando alguém protestava que Sri Bhagavan não teve nenhum Guru é que ele explicava que em alguns casos raros o Guru não precisa necessariamente tomar uma forma humana.] Posteriormente retornarei a esse ponto, mas agora irei considerar a implicação de dizer que Deus,
Guru, e Eu Real são a mesma coisa. No senso comum do mundo um Guru é alguém que foi investido do poder de iniciar discípulos e lhes prescrever uma disciplina espiritual; e, nesse caso, uma investidura adequada é necessária para "validar" suas ações como Guru, assim como a ordenação adequada é necessária para que os rituais religiosos feitos por um padre sejam "válidos". A missa feita por um padre devidamente ordenado seria válida, enquanto que não o seria se fosse conduzida por uma pessoa em outra situação (que não a de padre), mesmo que fosse alguém dotado de grande integridade moral e compreensão intelectual. Da mesma forma, a autoridade de um Guru e a
validade de sua iniciação e ensinamento dependeria mais de sua investidura legítima como sendo sucessor de uma linhagem de Gurus, do que das suas próprias "conquistas espirituais". O Bhagavan tinha muito pouco interesse nessa interpretação da palavra Guru, mas ele a aceitava incidentalmente.

D.: Há algum benefício em recitar mantras escolhidos ao acaso, sem ter sido iniciado neles?
B.: Não. A pessoa deve ter sido iniciada neles e autorizada a usá-los. É como na história do rei e do ministro: uma vez um rei visitou seu ministro na casa deste. Chegando lá, o rei foi informado que o ministro no momento estava ocupado recitando mantras. O rei esperou até que ele acabasse a recitação, e então lhe perguntou que mantra ele estava usando. O ministro disse que era o Gayatri. O rei então lhe pediu para que o iniciasse no mantra porque desejava usá-lo, mas o ministro disse que não podia fazê-lo. Ouvindo isso o rei foi embora aprender o mantra com outra pessoa e, na próxima vez que se encontrou com o ministro, repetiu o mantra e perguntou-lhe se estava correto. O ministro respondeu que a recitação em si estava correta, mas que não era certo o rei fazê-lo, e este perguntou por quê. Então o ministro chamou um guarda que estava por ali e ordenou que ele prendesse o rei. A ordem não foi obedecida. O ministro a repetiu mas ela ainda assim não foi obedecida. O rei ficou furioso com isso e ordenou então que o guarda prendesse o ministro, o que
ele fez imediatamente. O ministro riu e disse que essa era a explicação que ele buscava. "Como assim?", perguntou o rei. "Porque a ordem era a mesma e o executor também, mas a autoridade era diferente. Quando eu dei a ordem ela não surtiu efeito algum; quando você deu, o efeito foi imediato. É o mesmo com os mantras e a iniciação adequada".
Normalmente, no entanto, quando Bhagavan dizia "Guru" ele queria dizer algo muito maior do que isso, algo diferente não em grau mas sim em espécie. Ele se referia ao Sad-Guru, ou Gurudeva, e isso, no significado mais elevado, nada mais é do que alguém que compreendeu sua identidade com o Eu Real, e que aí permanece constantemente.

D.: Quais são as características próprias do Guru, através das quais é possível identificá-lo?
B.: O Guru é alguém que permanece constantemente imerso nas profundezas do Eu Real. Ele nunca vê nenhuma diferença entre os outros e si mesmo, e está livre até mesmo da ideia de que ele é o Iluminado ou o liberto, enquanto que aqueles que o rodeiam estão aprisionados ou perdidos na escuridão da ignorância. A sua possessão pelo Eu Real não pode ser abalada, e em nenhuma circunstância ele é perturbado.
D.: Qual é a natureza essencial da instrução espiritual dada pelo Guru?
B.: A palavra upadesa significa literalmente "devolver um objeto para o seu lugar apropriado". A mente do discípulo, que se tornou diferenciada da sua fonte original de Puro Ser - que é o Eu Real descrito nas escrituras como Sat-chit-ananda (Existência-Consciêncía-Beatitude) -, se afasta dela e, assumindo a forma de pensamento, busca constantemente os objetos de gratificação dos sentidos. Assim, ela é assolada pelas vicissitudes da vida e se torna fraca e desanimada. Upadesa é o trabalho do Guru de restabelecer a mente em seu estado original, e evitar que ela se afaste do Puro Ser de identidade absoluta com o Eu Real ou, em outras palavras, do Ser do Guru. Essa palavra também pode ser entendida como "trazer para perto um objeto distante"; ou seja, consiste em o Guru mostrar ao discípulo que o que este considerava distante e diferente de si mesmo é na verdade imediato e idêntico a ele.
D.: Se, como se conclui disso, o verdadeiro Ser do Guru é idêntico ao verdadeiro Ser do discípulo, por que as escrituras declaram categoricamente que, não importa quantos grandes poderes alguém possa ter, ele não pode alcançar a Auto-Realização sem a graça do Guru?
B.: É verdade que o Ser do Guru é idêntico ao do discípulo. No entanto, apenas muito raramente uma pessoa pode realizar seu verdadeiro Ser sem a graça do Guru. O Guru não é exatamente o indivíduo de carne e osso.
B.: Qual é a sua ideia do que é um Guru? Você pensa que ele tem uma forma humana, um corpo com certas dimensões e aspectos. Certo discípulo, depois da Realização, disse a seu Guru: "Eu agora compreendo que você sempre morou no meu coração mais íntimo como sendo a Realidade una, em todas as minhas inumeráveis encarnações, e agora você surge para mim nessa forma humana e levanta esse véu de ignorância. O que posso fazer em retribuição de tão grande benefício? E o Guru lhe respondeu: "Você não precisa fazer nada. Apenas permaneça como você é no seu estado verdadeiro. Essa é a verdade sobre o Guru.

Bhagavan explicava que o Guru Divino, o verdadeiro Guru, está no coração da pessoa e também se manifesta exteriormente. Enquanto que o Guru exterior empurra para dentro a mente da pessoa, o Guru interior a puxa do lado de dentro. Até mesmo o ambiente em que a pessoa se encontra não é por acaso. O Guru cria as condições necessárias para a busca.

D.: O que é a Graça do Guru?
B.: O Guru é o Eu verdadeiro. Chega um momento em que o homem fica insatisfeito com a sua vida e, descontente com o que possui, ora a Deus buscando a satisfação de seus desejos. Aos poucos sua mente vai se purificando, até que ele deseja conhecer a Deus, mais para obter Sua graça do que para satisfazer seus desejos mundanos. Com isso a graça de Deus começa a se manifestar. Deus então assume a forma de um Guru e aparece ao devoto, ensina-lhe a Verdade e purifica-lhe a mente por meio de sua presença. Assim a mente do devoto se fortalece, sendo então capaz de voltar-se para o interior. Pela prática da meditação ela se torna ainda mais pura, até que ela permaneça calma sem o menor movimento. Essa calma expansão é o Eu Real.

O Guru é tanto "externo" quanto "interno". Do "lado de fora" ele dá um "empurrãozinho" para que a mente se interiorize; do "interior" ele puxa a mente em direção ao Eu Real e ajuda a aquietá-la. Essa é a graça do Guru. Não há diferença entre Deus, Guru, e Eu Superior.
D.: Na Sociedade Teosófica eles meditam para obter a direção dos mestres.
B.: O mestre está no interior. O propósito da meditação é remover a ideia equivocada de que o mestre é apenas exterior. Se ele fosse um ser estranho pelo qual você espera, ele também estaria fadado a desaparecer. De que adianta um ser transitório como esse? No entanto, enquanto você se acreditar separado, ou considerar-se um corpo, o Mestre "exterior" também será necessário, e Ele aparentará ter um corpo. Quando você deixar de se identificar com o corpo você descobrirá que o Mestre nada mais é do que o Eu Real.
D.: O Guru irá ajudar-nos a conhecer o Eu através da iniciação, e assim por diante?
B.: Por acaso o Guru toma-o pela mão e sussurra em seu ouvido? Talvez você imagine que o Guru é como você. Como você pensa que possui um corpo você também o vê como um corpo, e espera que ele faça algo tangível para você. Mas na verdade o Guru trabalha no interior, na esfera espiritual.
D.: Como o Guru é encontrado?
B.: Deus, que é imanente, na sua Graça tem compaixão do devoto amoroso, e então manifesta-se a ele de acordo com o seu grau de desenvolvimento. O devoto pensa que Ele é um homem, e assim espera um relacionamento entre dois corpos físicos. Mas o Guru, que é Deus, ou o Eu Real personificado, trabalha no interior, ajudando o homem a perceber suas faltas e guiando-o no caminho correto, até que este realize o Eu Real dentro de si.

D,: Então, o que o devoto deve fazer?
B.: Ele só precisa viver de acordo com as palavras do Mestre e trabalhar no seu interior. O Mestre está tanto "dentro" quanto "fora"; portanto, ele cria condições para levá-lo ao interior e, ao mesmo tempo, prepara o interior para atraí-lo ao Centro. Assim, ele lhe dá um "empurrão" de fora e um "puxão" de dentro, a fim de que você possa fixar-se no Centro.

Você acredita que o mundo pode ser conquistado pelos seus próprios esforços. Quando você se sente frustrado exteriormente e com isso retorna ao seu interior você sente: "Ah! Existe um poder maior do que o homem". O ego é como um elefante muito poderoso, tão poderoso que só pode ser controlado pela força de um leão. Nesse exemplo, o leão é o Guru, que com um simples olhar derruba e mata esse ego-elefante. Com o tempo você perceberá que a Felicidade só surge quando você deixa de existir. A fim de alcançar esse estado você deve entregar-se. Então o mestre perceberá que você está em um estado propício para receber o ensinamento, e assim Ele irá guiá-lo.

Qual é o significado de dizer que o Guru é uma manifestação de Deus ou Eu Real? Ramana Maharshi falava sempre a partir do ponto de vista da não-dualidade, e deste ponto de vista o discípulo também o é. A única diferença é que o Guru realizou a não dualidade e o discípulo ainda não.
B.: Enquanto você busca a Auto-Realização o Guru é necessário. O Guru é o Eu Real. Tome o Guru como sendo seu verdadeiro Eu, e você como sendo o eu individual (ego). O desaparecimento desse sentimento de dualidade é a remoção da ignorância. Enquanto a dualidade persiste em você o Guru é necessário. Como você se identifica com o corpo você pensa que o Guru também é o corpo. Nem você nem o Guru são o corpo. Você é o Eu Real e o Guru também o é. Esse Conhecimento é obtido pelo que você chama de Auto-Realização.

Você confunde o corpo pelo Guru, mas o Guru não comete esse erro. Ele é o Eu além da forma, e sabe disso. Esse Eu está dentro de você. Ele aparece exteriormente apenas para guiá-lo. Um curioso paradoxo surge com o Guru perfeito (o homem auto-realizado que vive em constante e consciente identidade com o Eu Real). Pela própria razão de ser ele um Guru completo e perfeito, ele não chama a si mesmo de "Guru", e nem chama ninguém de "meus discípulos", já que isso seria uma afirmação de relacionamento, e assim, de dualidade.

B.: Embora ele instrua os seus discípulos, ele não se considera seu Guru, pois compreende que "Guru" e "discípulo" são meras convenções nascidas de maya (ilusão). De fato, Bhagavan iniciava seus discípulos por meio do silêncio, ou em sonhos quando distante deles, ou através do olhar quando estes estavam na sua presença física. Todavia, ele não os chamava de "discípulos" e nem dava a iniciação formal, o que postularia a dualidade. Maharshi cuidava deles constantemente, dava ensinamentos orais ou os guiava pelo poder de sua graça silenciosa. Mas ele não chamava a si mesmo de "Guru".

D.: A graça não é o presente do Guru?
B.: Deus, Graça e Guru são sinônimos; todos eles são eternos e imanentes. O Eu Real já não se encontra no interior? É o Guru que o dá por meio de seu olhar? Se o Guru pensa assim ele não merece esse nome. Os livros falam de vários tipos de iniciação. Eles também dizem que o Guru executa vários rituais com fogo, água, mantras, etc, e chamam isso de iniciação, como se o discípulo fosse se tornar maduro por meio desses ritos feitos pelo Guru. Se o eu individual for buscado ele não será encontrado em lugar algum. Isso é o Guru. Assim era Dakshinamurti. O que ele fazia? Apenas sentava-se em silêncio. Os discípulos apareciam na sua frente e ele mantinha o silêncio. Com isso suas dúvidas eram dissolvidas, o que equivale a dizer que eles perdiam suas identidades individuais. Conhecimento transcendental (Jnana) é essa compreensão silenciosa, e não as definições verbais que são dadas a ele. O silêncio é o ensinamento mais poderoso. Por mais vastas e enfáticas que as escrituras possam ser, elas não alcançam o seu propósito. O Guru é silencioso e com isso a paz prevalece em todos. O seu silêncio é mais vasto e mais eloquente que todas as escrituras juntas. Perguntas como essa surgem por causa do sentimento que, apesar de você ter estado aqui por tanto tempo, ouvindo tantos ensinamentos e se esforçado tanto, você não alcançou nada. Na verdade o processo está acontecendo dentro de você, mas você não percebe. O Guru está sempre dentro de você.
Nem todos sentiam a graça, o poder da iniciação silenciosa, imediatamente, mas o Bhagavan sempre lhes assegurava que ela estava lá.

D.: Dizem que um olhar do Mahatma ("Grande Alma", um grande homem ou santo) é suficiente; que adorações, peregrinações, etc., não são tão eficazes. No entanto, eu estou aqui faz três meses e ainda não sei como fui beneficiado pelo olhar do Maharshi.
B.: O olhar tem um efeito purificador. A purificação não pode ser visualizada. Assim como o carvão comum demora certo tempo para pegar fogo e o carvão vegetal demora menos, enquanto que um punhado de pólvora entra em combustão imediatamente, assim também é em relação aos vários tipos de pessoas entrando em contato com o Mahatma. Incidentalmente, o devoto que fez essa pergunta acabou se tomando um dos mais fiéis e devotado de todos. A fé completa no Guru é necessária mas, como explicado no capítulo anterior, o esforço também o é.
D.: Depois de deixar este Asramam em outubro eu senti a paz do Bhagavan me envolver por mais ou menos dez dias. Mesmo enquanto ocupado com o trabalho sentia aquela corrente da paz da unidade me preenchendo; era quase como a consciência dupla que se tem quando se está meio dormindo durante uma palestra enfadonha. Mas depois desses dez dias a paz desapareceu completamente, e os velhos hábitos e futilidades tomaram seu lugar. O trabalho não me deixa tempo livre para meditar. Se eu me lembrar constantemente "eu sou" e tentar sentir isso mesmo enquanto trabalhando, isso será suficiente?
B.: Essa paz se tornará constante quando a mente for fortalecida. A prática perseverante fortalece a mente, e uma mente assim é capaz de manter-se nessa corrente de paz. Então, quer você esteja meditando ou trabalhando, essa corrente permanece intocada e ininterrupta. Muitas vezes o discípulo não via progresso na sua prática, então lhe diziam para ter fé no Guru. O processo pode não ser visível a ele e o avanço pode ser maior quando for menos aparente. Ramana Maharshi não evocava mudanças fantásticas nos devotos, pois essas podem ser uma superestrutura sem base firme, e assim facilmente entrarão em colapso posteriormente. De fato, às vezes algum devoto ficava desanimado por não ver nenhum progresso em si mesmo, e reclamava ao Guru. Nesses casos, o Bhagavan ou ofereceria um consolo ou retrucaria: "Como você pode dizer que não houve progresso?" E ele explicava que o Guru enxerga o progresso, mas em geral o discípulo não; o
discípulo deve apenas continuar sua prática com perseverança, mesmo que a estrutura que esteja sendo criada esteja além do alcance da percepção da mente.
Alguns desejavam que Bhagavan declarasse expressamente que ele era um Guru, mas isso ele não fazia.
Sr. Evans-Wentz, o famoso escritor sobre Yoga Tibetano, perguntou a Ramana Mahatshi se ele iniciava discípulos, mas Bhagavan permaneceu sentado em silêncio, sem dizer nada. Com isso um dos devotos presentes interpretou que o Maharshi não considera nenhum ser como exterior a si mesmo e que por tanto ele não vê ninguém como seu "discípulo", e que sua graça infinita é dada através do seu silêncio a todo indivíduo que a mereça [e não apenas aos "iniciados"].

Bhagavan escutou essa explicação e não a rejeitou. As vezes ele explicava que a relação Guru-discípulo era necessária do ponto de vista do discípulo, já que este via as coisas a partir do ponto de vista da dualidade. Assim, o discípulo podia dizer que seu Guru era tal, apesar de o Guru não afirmar que este era seu discípulo.

D.: O Bhagavan diz que não tem discípulos?
B.: Sim.
D.: Mas ele também diz que um Guru é necessário para quem deseja atingir a iluminação?
B.: Sim.
D.: Então o que devo fazer? Todos esses anos que tenho estado aqui foram perda de tempo? Eu deveria ir buscar algum Guru para receber iniciação, já que o Bhagavan diz que não é um Guru?
B.: O que você acha que o trouxe aqui de tão longe e fez você ficar aqui tanto tempo? Por que você duvida? Se houvesse qualquer necessidade de buscar um Guru em outro lugar você já teria ido embora há muito tempo. O Guru ou Jnani (Iluminado) não vê nenhuma diferença entre si mesmo e os outros. Para ele todos são Jnanis, todos são um com ele mesmo, então como ele pode dizer que tal e tal pessoa é seu discípulo? Mas o homem não liberto vê tudo como múltiplo, vê todas as coisas como diferentes de si mesmo, então para ele a relação Guru-discípulo é uma realidade. Para este há três modos de iniciação: pelo toque, pelo olhar e pelo silêncio. (Aqui, como em muitas outras ocasiões, Sri Bhagavan deu a entender ao discípulo que a sua forma de iniciar era por meio do silencio).

D.: Então Bhagavan tem discípulos?
B.: Como eu disse, do ponto de vista do Bhagavan não há discípulos, mas do ponto de vista do discípulo a Graça do Guru é como um oceano: se ele vier com um copo ele sairá apenas com um copo cheio. Não faz sentido queixar-se, dizendo que o oceano é mesquinho; quanto maior for o recipiente mais água ele poderá carregar. Depende tudo do discípulo. Quando o devoto pressionou-o mais uma vez para que ele confirmasse [a sua graça], Bhagavan voltou-se ao seu assistente e disse em tom de humor: "Deixe que ele busque um atestado oficial do escrivão e leve ao escritório para carimbarem: “Graça concedida".

Na conversa que segue ele deixa suficientemente claro que ele é um Guru físico.

D.; Sri Bhagavan pode nos ajudar a encontrar a Verdade?
B.: A ajuda está sempre aí.
D.: Se fosse assim eu não precisaria fazer a pergunta. Eu não sinto essa ajuda "sempre presente".
B.: Entregue-se e você a encontrará.
D.: Eu estou sempre aos seus pés. Bhagavan não me dará uma disciplina espiritual para seguir? Se não me der, como eu posso receber sua ajuda, vivendo mil quilômetros longe daqui?
B.: O Sad-Guru está dentro.
D.: Mas eu preciso da ajuda do Sad-Guru para entender essa verdade.
B.: O Sad-Guru está dentro de você.
D.: Eu quero um Guru visível.
B.: O Guru visível diz que ele está dentro de você. A fim de manter a natureza puramente espiritual da sua iniciação, Bhagavan evitava tocar ou ser tocado por seus discípulos. Na parte final da conversa acima o devoto pede:

D.: O Sad-Guru colocaria a sua mão na minha cabeça para me assegurar de sua ajuda? Com isso eu terei o consolo de saber que sua promessa será cumprida. Em casos como esse Bhagavan geralmente permanecia em silêncio ou fazia alguma brincadeira. Foi isso o que aconteceu nessa ocasião.
B.: [Rindo] Daqui a pouco você vai me pedir para assinar um contrato e depois entrar na justiça se sentir que a ajuda não está presente. Alguns leitores poderão dizer que a doutrina de Deus manifestado como Guru é muito boa para
aqueles que tiveram a felicidade de conhecer pessoalmente o Bhagavan, mas e quanto àqueles que buscam um Guru hoje? Existem alguns Gurus por ai para serem encontrados, embora o aparecimento de um Sad-Guru perfeito como Bhagavan Sri Ramana Maharshi - um Jivanmukta vivendo em constante e consciente identidade com o Eu Real, é um fenômeno muito raro.

D.: Como saber identificar um Guru competente?
B.: Pela paz interior e sentimento de respeito que você sente na sua presença.
D.: E se for descoberto que o Guru não é competente, qual será O destino do discípulo que tem confiança total nele?
B.: O destino de cada um é conforme seus méritos. Mas se o Guru não atingiu o Estado Último, pode ser ele considerado uma manifestação de Deus ou Eu Real? De certa forma sim. O próprio discípulo, apesar de ignorante de sua verdadeira identidade, é o Eu Real. O mundo inteiro apresenta possibilidades a ele, e entre essas a pessoa do
Guru, mesmo que não completamente realizado, manifesta uma oportunidade de receber instrução divina. No entanto, há ainda outra possibilidade, e esta é o ensinamento e instrução contínuos do Bhagavan. Como já foi dito antes, o Bhagavan afirmava que o Guru não precisa necessariamente ter uma forma humana. Mas ele acrescentava que isso ocorria apenas em casos raros - ele mesmo não teve um Guru físico. Assim como, ensinando a auto-inquirição, ele criou um novo caminho adequado às condições do mundo moderno - um caminho que pode ser seguido invisivelmente, sem nenhuma forma exterior, adaptando-se às condições externas de vida - ele também trouxe à humanidade a possibilidade da iniciação silenciosa, sem forma, e que não requer um Guru físico. Durante toda sua vida a iniciação era dada por meio do silêncio e do olhar. Ele sempre confirmava que a verdadeira instrução espiritual (upadesa) era o silêncio. A forma mais elevada de graça é o silêncio. O silêncio é o maior ensinamento também. (...) Todas as outras formas de instrução espiritual derivam do silêncio, sendo assim secundários. O silêncio é o ensinamento original. Através do silêncio do Guru a mente do buscador purifica a si mesma. Os discípulos do Bhagavan sentem que a sua instrução silenciosa continua como antes. Outros, que não o encontraram em vida, foram atraídos por ele e começaram a seguir a sua orientação. Se alguém acha isso estranho é porque não compreendeu o que Bhagavan foi enquanto vivo, e porque identifica o Guru ao corpo. Às vezes pergunta-se como um Jivanmukta continua guiando seus discípulos após a morte, uma vez que com ela ele é absorvido completamente no Absoluto, o Eu de todas as coisas. Mas na verdade, mesmo enquanto no corpo o Jivanmukta já é consciente da sua identidade com o Absoluto. Se antes da morte essa identidade não o impossibilita de dar iniciações e de instruir os que o buscam, não o fará depois dela. A morte não altera o seu estado; para ele não há diferença em ter corpo ou não. Ele não tem nada a ganhar - pois ele já é o Absoluto - nem nada a perder - pois já entregou o ego completamente.

P. Bannerjee perguntou ao Bhagavan qual é a diferença entre Jivanmukti (Realização enquanto no corpo) e Videhamukti (Realização após a morte).
B.: Não há diferença. Para aqueles que perguntam a respeito se diz: Um Jnani com corpo é um Jivanmukta e ele se torna Videhamukta quando deixa o corpo. Mas essa diferença existe apenas para o observador, e não para o Jnani. O seu estado é o mesmo antes e depois do corpo ser destruído. Nós pensamos que o Jnani é uma forma humana ou que pelo menos está em uma forma humana; mas ele sabe que é o Eu Real, a realidade única que está tanto "dentro" quanto "fora", e que não é limitada por nenhuma forma. Tem um verso no Bhagavata que diz: Assim como um homem que está muito bêbado nem se dá conta se está vestido ou nu, o Jnani quase não tem consciência do seu corpo, e para ele não faz nenhuma diferença se o corpo permanece vivo ou cai morto na terra.
Ele não encorajava a curiosidade, e raramente respondia perguntas a respeito do estado do Jnani ou Ser Iluminado, mas quando perguntado se o Jnani continua a desempenhar sua função após a morte do corpo eu já o ouvi responder que em alguns casos sim. Maharshi também confirmou - e os seus discípulos agora sabem por experiência própria - que o Guru pode continuar a guiar os
buscadores mesmo depois de ter abandonado a forma humana.

[O Dr. Masalawala, um médico aposentado de Bhopal, que está aqui (no Sri Ramanasramam) por mais de um mês e está responsável pelo hospital do Asramam durante a ausência do Dr. K. Shiva Rao, teve o seguinte diálogo com Bhagavan]:

D.: O Bhagavan disse: "A influência do Jnani penetra no devoto silenciosamente". O Bhagavan também disse: "O contato com Mahatmas (grandes almas) ajuda a compreender o nosso verdadeiro ser".
B.: Sim. Você vê alguma contradição nisso? Jnani, Mahatmas, etc, são coisas diferentes?
D.: Não.
B.: O contato com eles é bom. Eles trabalham através do silêncio. Ao falar seu poder é reduzido. A fala é sempre menos poderosa que o silêncio. Logo, o contato silencioso é o melhor. D.: O contato só dura enquanto o Jnani está no corpo físico ou continua mesmo após a dissolução deste?
B.: O Guru não é a forma física, então o contato permanecerá mesmo depois do desaparecimento do corpo.
Ele declarou que aquele que obteve a graça do Guru nunca será abandonado.
B.: Aquele que recebeu a graça do Guru será libertado e nunca será abandonado, assim como a presa que cai na boca do tigre não pode mais escapar. Porém, quando a morte de seu corpo era iminente alguns devotos reclamavam que ele estava abandonando-os, e perguntaram o que eles poderiam fazer sem a presença física dele. Maharshi respondeu brevemente:

Vocês dão importância demais ao corpo.

A implicação disso era clara: O Guru é o mesmo, quer ele vista um corpo ou não. E seus devotos viram que isso é verdade. Tendo tratado até aqui da importância de passar da teoria à prática, da possibilidade de praticar dentro das condições do mundo moderno sem nenhuma observância ou ritual externos, e da indispensabilidade do Guru, os próximos dois capítulos lidam com os métodos de prática que Bhagavan prescrevia. O fato de o Maharshi prescrevê-los abertamente é em si mesmo notável. Isso porque os mestres espirituais de todas as religiões em geral lidam principalmente com a teoria, dizendo pouco a respeito das disciplinas práticas. A razão disso é óbvia: é que, como na história citada por Bhagavan do rei e do ministro, uma técnica de treinamento espiritual só pode ser usada legitimamente e ter sua eficácia quando seu uso foi autorizado e transmitido por alguém plenamente qualificado para isso. Mas Bhagavan sempre apresentava abertamente os métodos que prescrevia, tanto em suas respostas como em seus escritos. A maioria dos livros que serviram de base para o presente trabalho foram publicados enquanto ele ainda estava vivo, e Bhagavan sempre mostrava interesse neles e não raro recomendava a sua leitura. Mesmo quando estava claro que a vida do seu corpo estava perto do fim ele continuava mostrando interesse na edição e publicação de seus ensinamentos. Por que ele insistia nisso se dizia que nenhuma técnica é válida sem a presença do Guru? A única resposta é dada acima: a morte física não fazia nenhuma diferença. Se o Mukta (Liberto) pode ser um Guru antes da morte, também pode depois dela. Ele não se toma mais liberto depois da morte. O caminho aberto por sua Graça não se destina somente àqueles que tiveram um contato físico com ele, mas a qualquer um que se volte para ele. Bhagavan disse:
Eles dizem que estou morrendo, mas eu não vou embora. Onde eu poderia ir? Eu estou aqui.


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