4º Capítulo - O Guru
Sempre foi ensinado que para se atingir a Realização não é
necessário apenas a prática, mas também um guia. Nesse ponto, como em todos os
outros, Bhagavan deu à doutrina seu sentido mais profundo. De fato, ele acaba
dando o mesmo significado da doutrina cristã da "presença de
Cristo em você" e da doutrina
budista da "natureza de Buda", que deve ser encontrada dentro
de si mesmo.
D.: O Bhagavan disse que sem a graça do Guru o Eu não pode ser
realizado. Qual é o significado preciso disso? O que é esse Guru?
B.: Do ponto de vista do caminho do conhecimento (jnana marga), o Guru é o estado supremo do Eu Real. Ele é diferente do
"eu" ego que você acredita ser.
D.: Então, se é o estado supremo do meu próprio Eu, em que
sentido Bhagavan diz que eu não posso me iluminar sem a graça do Guru?
B.: O ego é o ser individual, e ele não é o
mesmo que o Eu Real, que é Deus.
Quando o ego se aproxima de Deus com devoção sincera Ele graciosamente toma um
nome e uma forma e o atrai [devoto/buscador] para Si. Por isso se diz que o Guru nada mais é do que Deus. Ele é uma corporificação da Graça Divina. Isso parece dizer, então, que o Guru é Deus, ou Eu Real, manifestado exteriormente na forma humana, e que essa
manifestação exterior é necessária.
Mas aqui o buscador não se convence dessa indispensabilidade do
Guru físico, já que ele sabia que o próprio Bhagavan não teve nenhum Guru humano,
e que há outros casos de mestres que também alcançaram a Realização dessa
forma, especialmente entre os fundadores das religiões. Então ele prossegue:
D.: Mas houve alguns que parecem não ter tido nenhum Guru
humano, não é verdade?
B.: Verdade. No caso de algumas grandes almas Deus se revela
como a Luz da Luz interior. Ocasionalmente acontecia de alguém objetar
abertamente que o próprio Bhagavan não teve um Guru, e, nesses casos ele
respondia que o Guru nem sempre precisa tomar uma forma física. [Algumas
pessoas que conheciam seu ensinamento apenas através de terceiros e dos livros,
sugeriam que ele não ensinava que o Guru era indispensável, e apontavam como
justificativa o fato de ele nunca ter dado nenhuma iniciação formal nesse
sentido. Porém, ele rejeitava isso inequivocamente. S.S. Cohen registrou uma
conversa que o Bhagavan teve sobre esse assunto com Dilip Kumar Roy, o famoso
músico do Sri Aurobindo Ashram] Dilip: Algumas pessoas dizem que o Maharshi
ensina que um Guru não é necessário, e outras dizem o contrário. Qual é a visão
do Maharshi a respeito?
B.: Eu nunca disse que um Guru não é necessário.
Dilip: Sri Aurobindo muitas vezes disse que você não teve nenhum
Guru.
B.: Isso depende do que você chama de Guru. Um Guru não precisa
necessariamente ter uma forma física. Dattatreya disse que teve vinte e quatro
Gurus - os cinco elementos,
etc. Isso quer dizer que qualquer forma no mundo era seu Guru. O Guru é
absolutamente necessário. Os Upanishads dizem que ninguém além do Guru pode
tirar o homem da selva das percepções sensoriais e formações mentais; logo, o
Guru é indispensável. Dilip: Eu quis dizer um Guru humano - o Maharshi não teve
nenhum Guru humano.
B.: Eu posso ter tido num momento ou no outro. Por acaso eu não
cantei hinos à Arunachala? O que é o Guru? É Deus ou o
Eu Real. Primeiro o
homem ora a Deus para ter seus desejos satisfeitos. Mas chega um dia em que ele
não busca mais a satisfação desses desejos, mas ora para encontrar Deus. Então, em resposta às suas orações, Deus aparece ao devoto
como Guru, seja em forma humana ou
em outra forma, para assim guiá-lo à Realização. [Apenas quando
alguém protestava que Sri Bhagavan não teve nenhum Guru é que ele explicava que
em alguns casos raros o Guru não precisa necessariamente tomar uma forma
humana.] Posteriormente retornarei a esse ponto, mas agora
irei considerar a implicação de dizer que Deus,
Guru, e Eu Real são a mesma coisa. No senso comum do mundo um Guru é alguém que foi investido do poder
de iniciar discípulos e lhes prescrever uma disciplina espiritual; e, nesse
caso, uma investidura adequada é necessária para "validar" suas ações
como Guru, assim como a ordenação adequada é necessária para que os rituais
religiosos feitos por um padre sejam "válidos". A missa feita por um padre
devidamente ordenado seria válida, enquanto que não o seria se fosse conduzida
por uma pessoa em outra situação (que não a de padre), mesmo que fosse alguém
dotado de grande integridade moral e compreensão intelectual. Da mesma forma, a
autoridade de um Guru e a
validade de sua iniciação e ensinamento dependeria mais de sua
investidura legítima como sendo sucessor de uma linhagem de Gurus, do que das
suas próprias "conquistas espirituais". O Bhagavan tinha muito pouco
interesse nessa interpretação da palavra Guru, mas ele a aceitava incidentalmente.
D.: Há algum benefício em recitar mantras escolhidos ao acaso,
sem ter sido iniciado neles?
B.: Não. A pessoa deve ter sido iniciada neles e autorizada a
usá-los. É como na história do rei e do ministro: uma vez um rei visitou seu
ministro na casa deste. Chegando lá, o rei foi informado que o ministro no
momento estava ocupado recitando mantras. O rei esperou até que ele acabasse a recitação,
e então lhe perguntou que mantra ele estava usando. O ministro disse que era o
Gayatri. O rei então lhe pediu para que o iniciasse no mantra porque desejava
usá-lo, mas o ministro disse que não podia fazê-lo. Ouvindo isso o rei foi
embora aprender o mantra com outra pessoa e, na próxima vez que se encontrou
com o ministro, repetiu o mantra e perguntou-lhe se estava correto. O ministro
respondeu que a recitação em si estava correta, mas que não era certo o rei
fazê-lo, e este perguntou por quê. Então o ministro chamou um guarda que estava
por ali e ordenou que ele prendesse o rei. A ordem não foi obedecida. O
ministro a repetiu mas ela ainda assim não foi obedecida. O rei ficou furioso
com isso e ordenou então que o guarda prendesse o ministro, o que
ele fez imediatamente. O ministro riu e disse que essa era a
explicação que ele buscava. "Como assim?", perguntou o rei. "Porque
a ordem era a mesma e o executor também, mas a autoridade era diferente. Quando
eu dei a ordem ela não surtiu efeito algum; quando você deu, o efeito foi
imediato. É o mesmo com os mantras e a iniciação adequada".
Normalmente, no entanto, quando Bhagavan dizia "Guru"
ele queria dizer algo muito maior do que isso, algo diferente não em grau mas
sim em espécie. Ele se referia ao
Sad-Guru, ou Gurudeva, e isso, no significado mais elevado, nada mais é do que
alguém que compreendeu sua identidade com o Eu Real, e que aí permanece
constantemente.
D.: Quais são as características próprias do Guru, através das
quais é possível identificá-lo?
B.: O Guru é alguém que permanece
constantemente imerso nas profundezas do Eu Real. Ele nunca vê
nenhuma diferença entre os outros e si mesmo, e está livre até mesmo da ideia
de que ele é o Iluminado ou o liberto, enquanto que aqueles que o rodeiam estão
aprisionados ou perdidos na escuridão da ignorância. A sua possessão pelo Eu
Real não pode ser abalada, e em nenhuma circunstância ele é perturbado.
D.: Qual é a natureza essencial da instrução espiritual dada pelo
Guru?
B.: A palavra upadesa significa literalmente "devolver um
objeto para o seu lugar apropriado". A mente do discípulo, que se tornou
diferenciada da sua fonte original de Puro Ser - que é o Eu Real descrito nas
escrituras como Sat-chit-ananda (Existência-Consciêncía-Beatitude) -, se afasta
dela e, assumindo a forma de pensamento, busca constantemente os objetos de
gratificação dos sentidos. Assim, ela é assolada pelas vicissitudes da vida e
se torna fraca e desanimada. Upadesa é o trabalho do Guru de restabelecer a
mente em seu estado original, e evitar que ela se afaste do Puro Ser de
identidade absoluta com o Eu Real ou, em outras palavras, do Ser do Guru. Essa
palavra também pode ser entendida como "trazer para perto um objeto
distante"; ou seja, consiste em o Guru mostrar ao discípulo que o que este
considerava distante e diferente de si mesmo é na verdade imediato e idêntico a
ele.
D.: Se, como se conclui disso, o verdadeiro Ser do Guru é
idêntico ao verdadeiro Ser do discípulo, por que as escrituras declaram
categoricamente que, não importa quantos grandes poderes alguém possa ter, ele
não pode alcançar a Auto-Realização sem a graça do Guru?
B.: É verdade que o Ser do Guru é idêntico ao do discípulo. No
entanto, apenas muito raramente uma pessoa pode realizar seu verdadeiro Ser sem
a graça do Guru. O Guru não é exatamente o indivíduo de carne e osso.
B.: Qual é a sua ideia do que é um Guru? Você pensa que ele tem
uma forma humana, um corpo com certas dimensões e aspectos. Certo discípulo,
depois da Realização, disse a seu Guru: "Eu agora compreendo que você
sempre morou no meu coração mais íntimo como sendo a Realidade una, em todas as
minhas inumeráveis encarnações, e agora você surge para mim nessa forma humana
e levanta esse véu de ignorância. O que posso fazer em retribuição de tão
grande benefício? E o Guru lhe respondeu: "Você não precisa fazer nada.
Apenas permaneça como você é no seu estado verdadeiro. Essa é a verdade sobre o
Guru.
Bhagavan explicava que o Guru Divino, o verdadeiro Guru, está
no coração da pessoa e também se manifesta exteriormente. Enquanto que o Guru exterior empurra para dentro a mente da
pessoa, o Guru interior a puxa do lado de dentro. Até mesmo o ambiente em que a
pessoa se encontra não é por acaso. O Guru cria as condições necessárias para a
busca.
D.: O que é a Graça do Guru?
B.: O Guru é o Eu verdadeiro. Chega um momento em que o homem fica insatisfeito com a sua
vida e, descontente com o que possui, ora a Deus buscando a satisfação de seus
desejos. Aos poucos sua mente vai se purificando, até que ele deseja conhecer a
Deus, mais para obter Sua graça do que para satisfazer seus desejos mundanos.
Com isso a graça de Deus começa a se manifestar. Deus então assume a forma de
um Guru e aparece ao devoto, ensina-lhe a Verdade e purifica-lhe a mente por
meio de sua presença. Assim a mente do devoto se
fortalece, sendo então capaz de voltar-se para o interior. Pela prática da meditação ela se torna ainda mais pura,
até que ela permaneça calma sem o menor movimento. Essa calma expansão é o Eu
Real.
O Guru é tanto "externo" quanto "interno".
Do "lado de fora" ele dá um "empurrãozinho" para que a mente
se interiorize; do "interior" ele puxa a mente em direção ao Eu Real
e ajuda a aquietá-la. Essa é a graça do Guru. Não há diferença
entre Deus, Guru, e Eu Superior.
D.: Na Sociedade Teosófica eles meditam para obter a direção dos
mestres.
B.: O mestre está no interior. O propósito da meditação é
remover a ideia equivocada de que o mestre é apenas exterior. Se ele fosse um
ser estranho pelo qual você espera, ele também estaria fadado a desaparecer. De
que adianta um ser transitório como esse? No entanto, enquanto você se acreditar
separado, ou considerar-se um corpo, o Mestre "exterior" também será
necessário, e Ele aparentará ter um corpo. Quando você deixar de se identificar
com o corpo você descobrirá que o Mestre nada mais é do que o Eu Real.
D.: O Guru irá ajudar-nos a conhecer o Eu através da iniciação,
e assim por diante?
B.: Por acaso o Guru toma-o pela mão e sussurra em seu ouvido?
Talvez você imagine que o Guru é como você. Como você pensa que possui um corpo
você também o vê como um corpo, e espera que ele faça algo tangível para você.
Mas na verdade o Guru trabalha no interior, na esfera espiritual.
D.: Como o Guru é encontrado?
B.: Deus, que é imanente, na sua Graça tem compaixão do devoto
amoroso, e então manifesta-se a ele de acordo com o seu grau de
desenvolvimento. O devoto pensa que Ele é um homem, e assim espera um
relacionamento entre dois corpos físicos. Mas o Guru,
que é Deus, ou o Eu Real personificado, trabalha no interior, ajudando o homem
a perceber suas faltas e guiando-o no caminho correto, até que este realize o
Eu Real dentro de si.
D,: Então, o que o devoto deve fazer?
B.: Ele só precisa viver de acordo com as palavras do Mestre e
trabalhar no seu interior. O Mestre está tanto "dentro" quanto
"fora"; portanto, ele cria condições para levá-lo ao interior e, ao
mesmo tempo, prepara o interior para atraí-lo ao Centro. Assim, ele lhe dá um
"empurrão" de fora e um "puxão" de dentro, a fim de que
você possa fixar-se no Centro.
Você acredita que o mundo pode ser conquistado pelos seus
próprios esforços. Quando você se sente frustrado exteriormente e com isso
retorna ao seu interior você sente: "Ah! Existe um poder maior do que o
homem". O ego é como um elefante muito poderoso, tão poderoso que só pode
ser controlado pela força de um leão. Nesse exemplo, o leão é o Guru, que com
um simples olhar derruba e mata esse ego-elefante. Com o tempo você perceberá
que a Felicidade só surge quando você deixa de existir. A fim de alcançar esse
estado você deve entregar-se. Então o mestre perceberá que você está em um
estado propício para receber o ensinamento, e assim Ele irá guiá-lo.
Qual é o significado de dizer que o Guru é uma manifestação de
Deus ou Eu Real? Ramana Maharshi falava sempre a partir do ponto de vista da
não-dualidade, e deste ponto de vista o discípulo também o é. A única diferença
é que o Guru realizou a não dualidade e o discípulo ainda não.
B.: Enquanto você busca a Auto-Realização o Guru é necessário. O Guru é o Eu Real. Tome o Guru como sendo seu verdadeiro Eu, e você como sendo o
eu individual (ego). O desaparecimento desse sentimento de dualidade é a
remoção da ignorância. Enquanto a dualidade persiste em você o Guru é necessário.
Como você se identifica com o corpo você pensa que o Guru também é o corpo. Nem
você nem o Guru são o corpo. Você é o Eu Real e o Guru
também o é. Esse Conhecimento é obtido
pelo que você chama de Auto-Realização.
Você confunde o corpo pelo Guru, mas o Guru não comete esse
erro. Ele é o Eu além da forma, e sabe disso. Esse Eu está dentro de você. Ele
aparece exteriormente apenas para guiá-lo. Um curioso paradoxo surge com o Guru
perfeito (o homem auto-realizado que vive em constante e consciente identidade
com o Eu Real). Pela própria razão de ser ele um Guru completo e perfeito, ele
não chama a si mesmo de "Guru", e nem chama ninguém de "meus
discípulos", já que isso seria uma afirmação de relacionamento, e assim,
de dualidade.
B.: Embora ele instrua os seus discípulos, ele não se considera
seu Guru, pois compreende que "Guru" e "discípulo" são
meras convenções nascidas de maya (ilusão). De fato, Bhagavan iniciava seus
discípulos por meio do silêncio, ou em sonhos quando distante deles, ou através
do olhar quando estes estavam na sua presença física. Todavia, ele não os
chamava de "discípulos" e nem dava a iniciação formal, o que
postularia a dualidade. Maharshi cuidava deles constantemente, dava
ensinamentos orais ou os guiava pelo poder de sua graça silenciosa. Mas ele não
chamava a si mesmo de "Guru".
D.: A graça não é o presente do Guru?
B.: Deus, Graça e Guru são sinônimos; todos eles são eternos e
imanentes. O Eu Real já não se encontra no interior? É o Guru que o dá por meio
de seu olhar? Se o Guru pensa assim ele não merece esse nome. Os livros falam
de vários tipos de iniciação. Eles também dizem que o Guru executa vários
rituais com fogo, água, mantras, etc, e chamam isso de iniciação, como se o
discípulo fosse se tornar maduro por meio desses ritos feitos pelo Guru. Se o
eu individual for buscado ele não será encontrado em lugar algum. Isso é o
Guru. Assim era Dakshinamurti. O que ele fazia? Apenas sentava-se em silêncio.
Os discípulos apareciam na sua frente e ele mantinha o silêncio. Com isso suas
dúvidas eram dissolvidas, o que equivale a dizer que eles perdiam suas
identidades individuais. Conhecimento transcendental (Jnana) é essa compreensão
silenciosa, e não as definições verbais que são dadas a ele. O silêncio é o ensinamento mais poderoso. Por mais vastas e enfáticas que
as escrituras possam ser, elas não alcançam o seu propósito. O Guru é
silencioso e com isso a paz prevalece em todos. O seu silêncio é mais vasto e mais
eloquente que todas as escrituras juntas. Perguntas como essa surgem por causa
do sentimento que, apesar de você ter estado aqui por tanto tempo, ouvindo
tantos ensinamentos e se esforçado tanto, você não alcançou nada. Na verdade o
processo está acontecendo dentro de você, mas você não percebe. O Guru está
sempre dentro de você.
Nem todos sentiam a graça, o poder da iniciação silenciosa,
imediatamente, mas o Bhagavan sempre lhes assegurava que ela estava lá.
D.: Dizem que um olhar do Mahatma ("Grande
Alma", um grande homem ou santo) é suficiente; que adorações, peregrinações, etc., não são tão eficazes.
No entanto, eu estou aqui faz três meses e ainda não sei como fui beneficiado
pelo olhar do Maharshi.
B.: O olhar tem um efeito purificador. A purificação não pode
ser visualizada. Assim como o carvão comum demora certo tempo para pegar fogo e
o carvão vegetal demora menos, enquanto que um punhado de pólvora entra em
combustão imediatamente, assim também é em relação aos vários tipos de pessoas
entrando em contato com o Mahatma. Incidentalmente, o devoto que fez essa
pergunta acabou se tomando um dos mais fiéis e devotado de todos. A fé completa
no Guru é necessária mas, como explicado no capítulo anterior, o esforço também
o é.
D.: Depois de deixar este Asramam em outubro eu senti a paz do
Bhagavan me envolver por mais ou menos dez dias. Mesmo enquanto ocupado com o
trabalho sentia aquela corrente da paz da unidade me preenchendo; era quase
como a consciência dupla que se tem quando se está meio dormindo durante uma
palestra enfadonha. Mas depois desses dez dias a paz desapareceu completamente,
e os velhos hábitos e futilidades tomaram seu lugar. O trabalho não me deixa
tempo livre para meditar. Se eu me lembrar constantemente "eu sou" e tentar
sentir isso mesmo enquanto trabalhando, isso será suficiente?
B.: Essa paz se tornará constante quando a mente for
fortalecida. A prática perseverante fortalece a mente, e uma mente assim é
capaz de manter-se nessa corrente de paz. Então, quer você esteja meditando ou
trabalhando, essa corrente permanece intocada e ininterrupta. Muitas vezes o
discípulo não via progresso na sua prática, então lhe diziam para ter fé no
Guru. O processo pode não ser visível a ele e o avanço pode ser maior quando
for menos aparente. Ramana Maharshi não evocava mudanças fantásticas nos
devotos, pois essas podem ser uma superestrutura sem base firme, e assim
facilmente entrarão em colapso posteriormente. De fato, às vezes algum devoto
ficava desanimado por não ver nenhum progresso em si mesmo, e reclamava ao
Guru. Nesses casos, o Bhagavan ou ofereceria um consolo ou retrucaria:
"Como você pode dizer que não houve progresso?" E ele explicava que o
Guru enxerga o progresso, mas em geral o discípulo não; o
discípulo deve apenas continuar sua prática com perseverança,
mesmo que a estrutura que esteja sendo criada esteja além do alcance da
percepção da mente.
Alguns desejavam que Bhagavan declarasse expressamente que ele
era um Guru, mas isso ele não fazia.
Sr. Evans-Wentz, o famoso escritor sobre Yoga Tibetano,
perguntou a Ramana Mahatshi se ele iniciava discípulos, mas Bhagavan permaneceu
sentado em silêncio, sem dizer nada. Com isso um dos devotos presentes
interpretou que o Maharshi não considera nenhum ser como exterior a si mesmo e
que por tanto ele não vê ninguém como seu "discípulo", e que sua
graça infinita é dada através do seu silêncio a todo indivíduo que a mereça [e
não apenas aos "iniciados"].
Bhagavan escutou essa explicação e não a rejeitou. As vezes ele
explicava que a relação Guru-discípulo era necessária do ponto de vista do
discípulo, já que este via as coisas a partir do ponto de vista da dualidade.
Assim, o discípulo podia dizer que seu Guru era tal, apesar de o Guru não
afirmar que este era seu discípulo.
D.: O Bhagavan diz que não tem discípulos?
B.: Sim.
D.: Mas ele também diz que um Guru é necessário para quem deseja
atingir a iluminação?
B.: Sim.
D.: Então o que devo fazer? Todos esses anos que tenho estado
aqui foram perda de tempo? Eu deveria ir buscar algum Guru para receber
iniciação, já que o Bhagavan diz que não é um Guru?
B.: O que você acha que o trouxe aqui de tão longe e fez você
ficar aqui tanto tempo? Por que você duvida? Se houvesse qualquer necessidade
de buscar um Guru em outro lugar você já teria ido embora há muito tempo. O
Guru ou Jnani (Iluminado) não vê nenhuma diferença entre si mesmo e os outros.
Para ele todos são Jnanis, todos são um com ele mesmo, então como ele pode
dizer que tal e tal pessoa é seu discípulo? Mas o homem não liberto vê tudo
como múltiplo, vê todas as coisas como diferentes de si mesmo, então para ele a
relação Guru-discípulo é uma realidade. Para este há três modos de iniciação:
pelo toque, pelo olhar e pelo silêncio. (Aqui, como em muitas outras ocasiões,
Sri Bhagavan deu a entender ao discípulo que a sua forma de iniciar era por
meio do silencio).
D.: Então Bhagavan tem discípulos?
B.: Como eu disse, do ponto de vista do Bhagavan não há
discípulos, mas do ponto de vista do discípulo a Graça do Guru é como um
oceano: se ele vier com um copo ele sairá apenas com um copo cheio. Não faz
sentido queixar-se, dizendo que o oceano é mesquinho; quanto maior for o
recipiente mais água ele poderá carregar. Depende tudo do discípulo. Quando o
devoto pressionou-o mais uma vez para que ele confirmasse [a sua graça],
Bhagavan voltou-se ao seu assistente e disse em tom de humor: "Deixe que
ele busque um atestado oficial do escrivão e leve ao escritório para
carimbarem: “Graça concedida".
Na conversa que segue ele deixa suficientemente claro que ele é
um Guru físico.
D.; Sri Bhagavan pode nos ajudar a encontrar a Verdade?
B.: A ajuda está sempre aí.
D.: Se fosse assim eu não precisaria fazer a pergunta. Eu não
sinto essa ajuda "sempre presente".
B.: Entregue-se e você a encontrará.
D.: Eu estou sempre aos seus pés. Bhagavan não me dará uma
disciplina espiritual para seguir? Se não me der, como eu posso receber sua
ajuda, vivendo mil quilômetros longe daqui?
B.: O Sad-Guru está dentro.
D.: Mas eu preciso da ajuda do Sad-Guru para entender essa
verdade.
B.: O Sad-Guru está dentro de você.
D.: Eu quero um Guru visível.
B.: O Guru visível diz que ele está dentro de você. A fim de
manter a natureza puramente espiritual da sua iniciação, Bhagavan evitava tocar
ou ser tocado por seus discípulos. Na parte final da conversa acima o devoto
pede:
D.: O Sad-Guru colocaria a sua mão na minha cabeça para me
assegurar de sua ajuda? Com isso eu terei o consolo de saber que sua promessa
será cumprida. Em casos como esse Bhagavan geralmente permanecia em silêncio ou
fazia alguma brincadeira. Foi isso o que aconteceu nessa ocasião.
B.: [Rindo] Daqui a pouco você vai me pedir para assinar um
contrato e depois entrar na justiça se sentir que a ajuda não está presente. Alguns
leitores poderão dizer que a doutrina de Deus manifestado como Guru é muito boa
para
aqueles que tiveram a felicidade de conhecer pessoalmente o
Bhagavan, mas e quanto àqueles que buscam um Guru hoje? Existem alguns Gurus
por ai para serem encontrados, embora o aparecimento de um Sad-Guru perfeito
como Bhagavan Sri Ramana Maharshi - um Jivanmukta vivendo em constante e
consciente identidade com o Eu Real, é um fenômeno muito raro.
D.: Como saber identificar um Guru competente?
B.: Pela paz interior e sentimento de respeito que você sente na
sua presença.
D.: E se for descoberto que o Guru não é competente, qual será O
destino do discípulo que tem confiança total nele?
B.: O destino de cada um é conforme seus méritos. Mas se o Guru
não atingiu o Estado Último, pode ser ele considerado uma manifestação de Deus
ou Eu Real? De certa forma sim. O próprio discípulo, apesar de ignorante de sua
verdadeira identidade, é o Eu Real. O mundo inteiro apresenta possibilidades a
ele, e entre essas a pessoa do
Guru, mesmo que não completamente realizado, manifesta uma
oportunidade de receber instrução divina. No entanto, há ainda outra
possibilidade, e esta é o ensinamento e instrução contínuos do Bhagavan. Como
já foi dito antes, o Bhagavan afirmava que o Guru não precisa necessariamente
ter uma forma humana. Mas ele acrescentava que isso ocorria apenas em casos
raros - ele mesmo não teve um Guru físico. Assim como, ensinando a
auto-inquirição, ele criou um novo caminho adequado às condições do mundo
moderno - um caminho que pode ser seguido invisivelmente, sem nenhuma forma
exterior, adaptando-se às condições externas de vida - ele também trouxe à
humanidade a possibilidade da iniciação silenciosa, sem forma, e que não requer
um Guru físico. Durante toda sua vida a iniciação era dada por meio do silêncio
e do olhar. Ele sempre confirmava que a verdadeira instrução espiritual
(upadesa) era o silêncio. A forma mais elevada de graça é o silêncio. O
silêncio é o maior ensinamento também. (...) Todas as outras formas de
instrução espiritual derivam do silêncio, sendo assim secundários. O silêncio é
o ensinamento original. Através do silêncio do Guru a mente do buscador
purifica a si mesma. Os discípulos do Bhagavan sentem que a sua instrução
silenciosa continua como antes. Outros, que não o encontraram em vida, foram
atraídos por ele e começaram a seguir a sua orientação. Se alguém acha isso
estranho é porque não compreendeu o que Bhagavan foi enquanto vivo, e porque identifica
o Guru ao corpo. Às vezes pergunta-se como um Jivanmukta continua guiando seus discípulos
após a morte, uma vez que com ela ele é absorvido completamente no Absoluto, o
Eu de todas as coisas. Mas na verdade, mesmo enquanto no corpo o Jivanmukta já
é consciente da sua identidade com o Absoluto. Se antes da morte essa
identidade não o impossibilita de dar iniciações e de instruir os que o buscam,
não o fará depois dela. A morte não altera o seu estado; para ele não há
diferença em ter corpo ou não. Ele não tem nada a ganhar - pois ele já é o
Absoluto - nem nada a perder - pois já entregou o ego completamente.
P. Bannerjee perguntou ao Bhagavan qual é a
diferença entre Jivanmukti (Realização enquanto no corpo) e Videhamukti
(Realização após a morte).
B.: Não há diferença. Para aqueles que perguntam a respeito se
diz: Um Jnani com corpo é um Jivanmukta e ele se torna Videhamukta quando deixa
o corpo. Mas essa diferença existe apenas para o observador, e não para o
Jnani. O seu estado é o mesmo antes e depois do corpo ser destruído. Nós
pensamos que o Jnani é uma forma humana ou que pelo menos está em uma forma humana;
mas ele sabe que é o Eu Real, a realidade única que está tanto
"dentro" quanto "fora", e que não é limitada por nenhuma
forma. Tem um verso no Bhagavata que diz: Assim como um homem que está muito
bêbado nem se dá conta se está vestido ou nu, o Jnani quase não tem consciência
do seu corpo, e para ele não faz nenhuma diferença se o corpo permanece vivo ou
cai morto na terra.
Ele não encorajava a curiosidade, e raramente respondia
perguntas a respeito do estado do Jnani ou Ser Iluminado, mas quando perguntado
se o Jnani continua a desempenhar sua função após a morte do corpo eu já o ouvi
responder que em alguns casos sim. Maharshi também confirmou - e os seus
discípulos agora sabem por experiência própria - que o Guru pode continuar a
guiar os
buscadores mesmo depois de ter abandonado a forma humana.
[O Dr. Masalawala, um médico aposentado de Bhopal, que está aqui
(no Sri Ramanasramam) por mais de um mês e está responsável pelo hospital do
Asramam durante a ausência do Dr. K. Shiva Rao, teve o seguinte diálogo com
Bhagavan]:
D.: O Bhagavan disse: "A influência do Jnani penetra no
devoto silenciosamente". O Bhagavan também disse: "O contato com
Mahatmas (grandes almas) ajuda a compreender o nosso verdadeiro ser".
B.: Sim. Você vê alguma contradição nisso? Jnani, Mahatmas, etc,
são coisas diferentes?
D.: Não.
B.: O contato com eles é bom. Eles trabalham através do
silêncio. Ao falar seu poder é reduzido. A fala é sempre menos poderosa que o
silêncio. Logo, o contato silencioso é o melhor. D.: O contato só dura enquanto
o Jnani está no corpo físico ou continua mesmo após a dissolução deste?
B.: O Guru não é a forma física, então o contato permanecerá
mesmo depois do desaparecimento do corpo.
Ele declarou que aquele que obteve a graça do Guru nunca será
abandonado.
B.: Aquele que recebeu a graça do Guru será libertado e nunca
será abandonado, assim como a presa que cai na boca do tigre não pode mais
escapar. Porém, quando a morte de seu corpo era iminente alguns devotos
reclamavam que ele estava abandonando-os, e perguntaram o que eles poderiam
fazer sem a presença física dele. Maharshi respondeu brevemente:
Vocês
dão importância demais ao corpo.
A implicação disso era clara: O Guru é o mesmo, quer ele vista
um corpo ou não. E seus devotos viram que isso é verdade. Tendo tratado até
aqui da importância de passar da teoria à prática, da possibilidade de praticar
dentro das condições do mundo moderno sem nenhuma observância ou ritual
externos, e da indispensabilidade do Guru, os próximos dois capítulos lidam com
os métodos de prática que Bhagavan prescrevia. O fato de o Maharshi
prescrevê-los abertamente é em si mesmo notável. Isso porque os mestres
espirituais de todas as religiões em geral lidam principalmente com a teoria, dizendo
pouco a respeito das disciplinas práticas. A razão disso é óbvia: é que, como
na história citada por Bhagavan do rei e do ministro, uma técnica de
treinamento espiritual só pode ser usada legitimamente e ter sua eficácia
quando seu uso foi autorizado e transmitido por alguém plenamente qualificado
para isso. Mas Bhagavan sempre apresentava abertamente os métodos que prescrevia,
tanto em suas respostas como em seus escritos. A maioria dos livros que
serviram de base para o presente trabalho foram publicados enquanto ele ainda
estava vivo, e Bhagavan sempre mostrava interesse neles e não raro recomendava
a sua leitura. Mesmo quando estava claro que a vida do seu corpo estava perto
do fim ele continuava mostrando interesse na edição e publicação de seus
ensinamentos. Por que ele insistia nisso se dizia que nenhuma técnica é válida
sem a presença do Guru? A única resposta é dada acima: a morte física não fazia
nenhuma diferença. Se o Mukta (Liberto) pode ser um Guru antes da morte, também
pode depois dela. Ele não se toma mais liberto depois da morte. O caminho
aberto por sua Graça não se destina somente àqueles que tiveram um contato
físico com ele, mas a qualquer um que se volte para ele. Bhagavan disse:
Eles dizem que estou morrendo, mas eu não vou embora. Onde eu
poderia ir? Eu estou aqui.
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